Outubro Rosa: epidemia de Covid-19 atrasou diagnósticos, com queda de 40% nas mamografias
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Outubro Rosa é a campanha anual que visa sensibilizar sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama, a maior causa de morte em todas as regiões do Brasil, exceto no norte do país.
Taíssa Stivanin, da RFI
Neste ano, a data tem um significado especial: após quase três anos de pandemia de Covid-19, ela poderá ser comemorada sem restrições, com eventos previstos em todo o mundo.
No Brasil, a estimativa é que a doença tenha provocado 50 mortes por dia no país em 2021, segundo dados do Inca, o Instituto Nacional do Câncer. Em 2020, 685 mil mulheres morreram vítimas do câncer do seio, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) em todo o mundo.
Muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas, já que, se descoberto no início, e dependendo do tipo de câncer, a chance de cura pode chegar a 100%, explicou à RFI o mastologista Fábio Augusto Arruda de Oliveira, do Hospital Sírio-Libanês.
Segundo ele, houve muito atraso nos diagnósticos nos dois primeiros anos da epidemia de Covid-19 e há estudos mostrando que o número de mamografias realizadas diminuiu cerca de 40%. Em 2021, diz, a estimativa é que 1,6 milhão de exames deixaram de ser feitos. “A gente vê no consultório chegarem casos com tumores um pouco maiores, e mais avançados. Aqui no Brasil, e acredito que, no mundo todo, alguns serviços fecharam, literalmente. A mulher não tinha como realizar a mamografia”, diz.
O início do monitoramento, ressalta o médico, difere em cada país. “A tendência no Brasil é começar a fazer a mamografia anualmente, a partir dos 40 anos, em casos com o chamado risco habitual. No caso de mulheres com risco maior, por conta de cânceres na família, podemos antecipar um pouco esse início”, explica.
Ele lembra que entre 10 e 15% dos cânceres são genéticos e trazem mutações em genes específicos, como o BRCA1 ou BRCA2. Eles fazem com a que as portadoras tenham 80% de chance de desenvolver a doença. Isso requer o monitoramento mais precoce em função da idade em que a mãe da paciente teve o tumor, por exemplo, explica o mastologista.
Riscos inespecíficos
Na maior parte dos casos, o câncer do seio aparece sem que haja riscos específicos, mas causas “ambientais”, ligadas ao modo de vida, por exemplo.
“São os fatores epigenéticos, que podem influenciar a genética. A célula tumoral é uma célula que teve algum estímulo ruim, gerando uma mutação na sua própria genética. Se essa célula perde sua capacidade de velocidade de crescimento e morte, ela se prolifera muito rápido formando um tumor e gerando um crescimento desordenado.”
A forma como isso vai acontecer constitui um dos grandes mistérios da Medicina e a genética individual ainda é um vasto campo a ser estudado.
Em todos os casos, o prognóstico do câncer depende sempre da prevenção, que melhorou nos últimos anos com o avanço dos métodos de diagnóstico. Um exemplo é a tomossíntese, ou mamografia 3D, que permite uma análise profunda e detalhada da mama. A tecnologia usada, associada a novos medicamentos, faz com que o câncer do seio tenha deixado de ser uma sentença de morte.
“De forma geral, temos uma taxa de cura que ultrapassa 90% ou 95%. Quando você diagnostica um tumor pequeno, de tamanho milimétrico, chega a 100% de cura”, ressalta o especialista. Caso o tumor seja detectado num estágio mais avançado, com linfonodos ou metástases, a expectativa de cura ou sobrevida diminui em função do avanço da doença.
Existem vários tipos de cânceres do seio. Após a descoberta do tumor é necessário analisar, por exemplo, os receptores hormonais, a presença ou a ausência da proteína HER2 na superfície das células, além da velocidade de proliferação. Essas informações, ressalta o mastologista, determinam o tratamento e mostram se o câncer será mais ou menos agressivo.
Quanto menor for o tumor, maior é a possibilidade de recorrer a tratamentos que serão menos agressivos ou mutilantes. “O mais comum é o carcinoma invasivo, que pode ser ductal, e representa 80% dos casos, ou lobular. Esses são os cânceres de mama. Mas nas mamas também existem sarcomas e, agora, os linfomas induzidos pela prótese de silicone”, salienta.
Novas moléculas descobertas recentemente também trazem esperança. Uma delas é a transtumuzab deruxtecan (nome comercial do Enhertu), que pode ser usada em casos específicos: pacientes, por exemplo, com a proteína HER2 produtiva e metástases.
De um modo geral, o tratamento é modulado em função do caso, mas se baseia na cirurgia, quimioterapia e radioterapia. A quimioterapia pode ser realizada antes da operação e a imunoterapia também vem sendo utilizada, em protocolos mais avançados.
Prevenção é desigual no país
No Brasil, infelizmente as chances de cura e os tratamentos disponíveis diferem em função do atendimento, explica o mastologista, que conviveu de perto com o problema da desigualdade em sua carreira.
O agendamento da mamografia é mais difícil no SUS (Sistema Único de Saúde) e a qualidade dos equipamentos é inferior, explica o especialista, que atuou durante vários anos em hospitais públicos. Além disso, há demora no agendamento da consulta, do exame e na obtenção dos resultados.
“Eu briguei durante muitas vezes na unidade onde eu trabalhava porque eu não aceitava que demorasse 60 dias o resultado de uma biópsia. A resposta é que era o contrato. Então tem que mudar o contrato. A gente não pode aceitar e ficar satisfeito com uma resposta dessas”, reitera o especialista.
Ele também lembra que o acesso influencia no diagnóstico precoce e na sobrevida, apesar da situação, em geral, ter melhorado. “Mulheres que trabalham muito, acordam de madrugada, pegam a condução, trabalham o dia inteiro e chegam em casa muito tarde, têm dificuldade para fazer o exame e negociar com o patrão. A gente tem um perfil com doença mais avançada de quem usa saúde pública, em relação a quem usa complementar”, resume.
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