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Saúde em dia

Estimulação elétrica cerebral melhora memória de idosos saudáveis, revela estudo inédito

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Uma pequisa publicada em agosto na revista científica Nature identificou uma maneira de aumentar a capacidade de memorização de idosos sem patologias

Estimulação elétrica pode melhorar memória de pessoas com mais de 65 anos, mostra estudo inédito da Universidade de Boston.
Estimulação elétrica pode melhorar memória de pessoas com mais de 65 anos, mostra estudo inédito da Universidade de Boston. Darpa
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Taíssa Stivanin, da RFI

Cerca de um quinto da população mundial terá mais de 60 anos até 2050, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), o equivalente a mais de 2 bilhões de pessoas. Diante dessa perspectiva, a preservação da capacidade cognitiva dos mais velhos, que diminui com a idade independentemente da forma física, torna-se uma prioridade para o futuro.

Os resultados de um estudo publicado recentemente na revista Nature, feito por cientistas da Universidade de Boston, levam a crer que isso pode ser possível a médio prazo e a baixo custo.

A equipe do professor Robert Reinhardt selecionou 60 pessoas entre 65 e 88 anos, sem doenças cerebrais que comprometessem a cognição. Elas foram submetidas a sessões diárias de 20 minutos, durante quatro dias consecutivos, de estimulação transcraniana de corrente alternada, TACS (Transcranial alternating current stimulation), em inglês. Esta é uma das técnicas mais recentes de neuromodulação não-invasiva usada em pesquisas e tratamentos. A primeira surgiu há mais de 25 anos.

Durante o procedimento, eletrodos foram colocados na cabeça dos participantes, que receberam descargas elétricas cerebrais em voltagens diferentes. Dois tipos de corrente foram testadas: em frequência lenta, ou theta, no lobo pré-frontal do cérebro (4 Hz), e em frequência gama (60 Hz), no lobo parietal. Esses valores correspondem a 4 ou 60 oscilações neuronais por segundo.

A neuroestimulação foi realizada enquanto os participantes do estudo memorizavam cinco listas de vinte palavras e, em seguida, tentavam se lembrar delas. O mesmo teste foi realizado um mês depois. Os dados apresentados pela equipe americana mostram que a memória imediata e de longo prazo dos idosos melhoraram após a experiência. Os benefícios foram mais perceptíveis entre aqueles que apresentavam uma maior diminuição da capacidade de memorização.

Efeito perene

A RFI Brasil conversou com o médico e neurocientista Antoni Valero Cabré, diretor de pesquisa no Instituto do Cérebro do Hospital francês Pitié La Salpetrière, em Paris. Ele utiliza a estimulação cerebral para atender pacientes vítimas de AVC que tiveram perda visual e analisou o estudo publicado pela Universidade de Boston.

“O objetivo geral dessas intervenções não é apenas gerar um efeito transitório, que dure poucos minutos, mas torná-lo permanente, de forma a integrar o aumento da memória ao nosso cotidiano, de forma perene. É por essa razão que os autores repetiram o procedimento durante quatro dias, para saber se esse ganho de memória se consolidava no tempo ou não. Além disso, para confirmar a hipóteses, eles testaram novamente os participantes um mês depois”, explica o neurocientista.

A memória de trabalho, ou imediata, é um componente cognitivo que permite armazenar informações temporariamente e manipulá-las, ou seja, utilizá-las no momento oportuno para tomar decisões ou construir argumentos e hipóteses. Ela é considerada um elemento essencial nos testes de inteligência, por exemplo.

“Os cientistas conseguiram mostrar que a estimulação do lobo parietal, a baixa frequência, a 4 Hz, melhora especificamente a memória de trabalho”, observa Antoni Valero Cabre. Ao mesmo tempo, frisa, a alta frequência de 60 Hz aplicada no lobo pré-frontal melhorou a memória a longo prazo. Ao inverter a aplicação do valor das correntes nas duas áreas cerebrais, os autores do estudo constataram que nada ocorria –uma descoberta intrigante, na opinião do pesquisador do hospital Pitié Salpetrière.

Um dos pontos forte do estudo, destaca o neurocientista, é que os pesquisadores conseguiram modular a memória de pessoas idosas, mas saudáveis. Em muitos casos, os cientistas testam técnicas em pacientes com patologias graves, como o mal de Alzheimer ou outras doenças que causam problemas de memória.

Cosmética cognitiva

Experiências, como essa, feitas em pessoas sem problemas de saúde, trazem à tona, diz Antoni Valero Cabre, uma questão ética. Melhorar a capacidade de indivíduos que, tecnicamente, não são doentes, poderia ser considerado como uma espécie de “cosmética cognitiva”, declara. Segundo ele, a busca por um melhor desempenho cerebral na terceira idade, entretanto, é importante.

“É justamente essa a ideia do estudo: por que não usar a modulação direta do cérebro, de maneira não-invasiva, para melhorar capacidades que são normais, ou para interromper um declínio cognitivo que não é patológico, mas está simplesmente relacionado à idade”, ressalta. O neurocientista explicou à RFI que muitas pessoas chegam a idades avançadas em ótima forma física, mas a perda da capacidade cerebral é inevitável.

“A neurociência cognitiva, e essa é minha especialidade, tenta justamente encontrar métodos, procedimentos e novas tecnologias aplicadas a regiões específicas do cérebro, com frequências específicas, para melhorar a capacidade cognitiva de indivíduos saudáveis, ou ajudar pacientes que sofrem de doença ou foram vítimas de uma lesão neurológica.”

Técnica não é recente

Existem diversas técnicas diferentes de estimulação não- invasivas. A primeira surgiu há mais de 25 anos.  A usada no estudo é uma das mais recentes. “A caraterística da corrente elétrica usada no estudo é que ela produz uma oscilação, gerando ondas de eletricidade”, diz.

Nos anos 70, explica, pesquisas que se desenvolveram ao longo das décadas seguintes mostraram que frequências elétricas específicas ativam ou facilitam algumas funções cognitivas.

Uma das vantagens da estimulação transcraniana de corrente alternada, diz, é que se trata se um aparelho pequeno, que pode ser usado com facilidade e até mesmo controlado por um telefone celular. “Podemos imaginar, no futuro, que esse tipo de neuromodulação possa ser feito à distância, com acompanhamento médico de pacientes ”, observa.

Ele chama atenção, entretanto, para uma “falha” do estudo, relacionada aos limites da tecnologia. “Faltam evidências de como essa oscilação de corrente, com aparelhos que não custam caro, e que um dia talvez possam ser utilizados em casa, ative um circuito elétrico e de como esse mecanismo de corrente alternada ativa os neurônios. Falta essa evidência. ”

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