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Documentário retrata o dia a dia de uma escola pública de Niterói com ensino em francês

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Em francês, “Salut, mes ami.e.s”; em português de Portugal, “Olá, Malta” e no Brasil “Olá, galera”. Assim se chama o segundo longa-metragem da cineasta brasileira, radicada em Paris, Liliane Mutti. O documentário está em competição na 14ª edição do FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa, que acontece em Lisboa até sexta-feira (7). 

O Ciep Leonel Brizola, em Niterói
O Ciep Leonel Brizola, em Niterói © divulgação
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O documentário - uma coprodução com a França -  é ambientado na única escola pública com ensino bilíngue em francês da América Latina, que fica em Niterói, no Rio de Janeiro. O enredo conta a história de um grupo de amigos no último ano de estudos no CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) 449.

 

Cartaz do filme documentário Olá, Malta ou, em português do Brasil, Olá, galera
Cartaz do filme documentário Olá, Malta ou, em português do Brasil, Olá, galera © divulgação

 

“Eu fui estudar mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF), que fica em Niterói, onde eu descobri que existia uma escola franco-brasileira e que seria a única da América Latina bilíngue, da francofonia e da lusofonia. Então, as aulas mesmo de biologia, por exemplo, são dadas em francês e é também uma escola integral. Além dessas duas questões, essa também é uma escola que mistura alunos de diferentes classes sociais, em uma região fronteiriça entre a favela e o asfalto”, explica a cineasta. “E aí eu descobri que essa escola era um projeto de educação integral que houve no estado do Rio de Janeiro e que a escola leva o nome do Leonel de Moura Brizola, que foi governador do Estado do Rio, que criou esse projeto, que era uma ideia de promover uma escola pública de tempo integral e que fosse tão boa quanto a escola privada no Brasil”, relata.

No prédio construído pelo arquiteto Oscar Niemeyer, os alunos podem vivenciar a cultura francesa no Brasil, enquanto jogam rugby e descobrem a sua sexualidade, sem saber ao certo o que os espera fora dos muros da escola. 

“Quando eu voltei para a França, eu pensei que bom que existe ainda essa joia do CIEP. Existe ainda algum CIEP vivo? E aí eu comecei a falar com amigos de Niterói e eu descobri que mesmo na cidade, poucas pessoas conheciam a existência desse CIEP 449”, diz Liliane Mutti. “Então, a história começa com essa minha curiosidade. Eu resolvi fazer contato com um diretor, o Cícero, e eu percebi o quanto ele era um guerreiro e que realmente aquela escola estava de pé muito em função da luta da comunidade. E eu comecei a brincar que ele era uma espécie de Dom Quixote, que tudo podia estar contra e ele estava ali, mantendo aquela sua escola de pé”, observa.

 

Liliane Mutti é cineasta brasileira, radicada em Paris.
Liliane Mutti é cineasta brasileira, radicada em Paris. © RFI

 

A pandemia de Covid-19 mudou o filme

O projeto só foi possível graças ao apoio que a equipe recebeu do poder público de Niterói e da própria comunidade escolar. “Eu pensei, eu quero falar dessa escola, quero observar esses jovens de maneira muito respeitosa e ver o que acontece ali dentro. E veio a pandemia. Aí virou outro filme. Aí eu resolvi observar como esses estudantes que passariam, em tese, três anos no ensino médio para completar o ciclo escolar, sairiam da escola tendo feito apenas um ano. Então, percebi que havia questões subjetivas e existenciais: muita melancolia envolvida, muita ansiedade, muitas questões que me interessaram e eu resolvi mergulhar por aí”, descreve a diretora do filme, que assina o documentário ao lado do diretor de fotografia Daniel Zarvos.

“A nossa observação foi muito inspirada no Frederick Wiseman, que é um cineasta, um documentarista americano que mora em Paris. Então, resolvi revisitar um filme dele, que é o High School (1968), que é um filme que muito me inspirou e que retrata a juventude de 1968. Então, ele acompanha um rito de passagem e eu entendi que ali em Niterói, no CIEP, também existia um rito de passagem acontecendo”, afirma. “Só que eu estava na pandemia e eu estava confinada. Então, o que é que eu fiz? Eu disse assim vamos para dentro da escola e eu vou observar eles daqui. É quase como um ‘Big Brother’, conta. “Eu não fui a Niterói, eu montei aqui esse time. Esse filme foi todo montado e finalizado em Paris e ele foi feito a partir de uma pesquisa de personagens”, explica.

A equipe de filmagem permaneceu durante uma semana na escola, do amanhecer até o fechamento. “A gente mergulhou na escola, com a câmera ligada, muitas vezes sem que os jovens percebessem, mas claro, tudo devidamente autorizado. Então, a gente entra na sala de aula, a gente percebe que o francês é uma língua viva”, diz Mutti.

“Eu não gosto do termo escola modelo, porque cada experiência é única. Mas essa escola é realmente um tesouro. Como existe uma comunidade muito forte ali, eles criaram laços muito fortes. Se alguma coisa está errada, eles chamam o aluno para uma conversa, ele não é punido, ele não fica de castigo e principalmente, não vai para casa. O problema que acontece na escola é resolvido dentro da escola. Isso é incrível”, destaca.

A cineasta explica que teve de lidar com “uma geração fluida”, numa época da vida em que a questão da sexualidade é aflorada. “Eu percebi como eles transitam entre gostos e interesses diferentes”, conta. “E aquilo começou a me interessar muito, porque se a intenção do filme é retratar essa geração. É ali que eles têm um primeiro amor, namorado, namorada. E essa questão de gênero vem forte também”, completa.  

Geração que “gosta de se mostrar”

Depois de pronto, o filme foi exibido em Niterói duas vezes: na sala Nelson Pereira dos Santos e no Cine UFF, com a presença de pais, alunos e professores. “Eu estava muito tensa sobre como eles receberiam o filme, porque a gente foi fundo na intimidade. Porque para mim, eles estão, de certa forma, encenando a própria vida. No momento que eles sabem que a câmera está ligada, existe um pacto ali, a gente está observando, mas eles sabem que estão sendo observados. E a gente nota que essa geração gosta de se mostrar, né? Mas ela se autoedita, ela bota na rede social, ela escolhe como se mostrar, qual o meu melhor ângulo dessa geração. E a recepção foi melhor do que eu poderia imaginar”, avalia.

Liliane Mutti também é roteirista e diretora do filme Miúcha, a voz da Bossa Nova (BR/EUA/FR, 98’, 2022), premiado no IndieLisboa e In-Edit México.  Nascida na Bahia, Liliane Mutti vive entre o Brasil e Paris. 

O seu segundo longa faz parte da mostra competitiva de documentário do festival de cinema da língua portuguesa, que este ano reúne quase 40 produções de Portugal, Brasil, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Cabo Verde e Timor Leste.

O FESTin é um festival muito afetivo. A gente sabe como é imenso o continente africano, mais de 50 países, e o festival leva os filmes para um terço do continente. Então, como é que um filme ia conseguir circular na África? Isso não é tão comum, infelizmente. E graças ao festival, a gente estreia em Lisboa e em seguida tem todo um processo de itinerância” explica. “É muito importante porque a gente sabe o quanto nós brasileiros somos compostos por uma herança e ancestralidade africana. Então, o nosso filme faz essa ponte entre a lusofonia e a francofonia. E aí a gente conta com vários apoios, principalmente da cidade de Niterói, mas também da Ancine, que agência de cinema do Brasil”, conclui.

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