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“No meu ‘muquifu’, quem manda sou eu”, diz curador de Museu dos Quilombos e Favelas urbanos de BH

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Das favelas de Belo Horizonte para Paris. O padre mineiro Mauro Luiz da Silva veio à capital francesa falar sobre o Muquifu, o Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos, localizado no aglomerado Santa Lúcia, que reúne quatro comunidades na região da Savassi, em Belo Horizonte, e despertou o interesse de pesquisadores da universidade Sorbonne, na França.

Padre Mauro Luiz da Silva, curador do Muquifu
Padre Mauro Luiz da Silva, curador do Muquifu © RFI
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Mestre e doutor em Ciências Sociais, psicopedagogo, teólogo, filósofo pela PUC de Minas Gerais e graduado em História e Tutela do Patrimônio Cultural pela Universidade de Pádua, na Itália, o curador do Muquifu explica que o objetivo do projeto é dar visibilidade e lutar pelo reconhecimento da vida cultural das favelas e quilombos urbanos. Um desafio que envolve história, mas também um olhar crítico sobre o racismo.

“Eu sou nascido em Belo Horizonte e meus pais também. É uma cidade nova, tem 125 anos. E quando me mudei para o aglomerado Santa Lúcia, também conhecido como Morro do Papagaio, eu quis saber sobre as histórias que Belo Horizonte não conta, que a cidade não conta, que os museus não contam e essas histórias são exatamente o que mais me fascina”, diz ele em entrevista à RFI.

Mauro Luiz se interessa especialmente pela história da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, fundada no século XVIII. O historiador conta que no início do século XX, a entidade construiu uma capela, que acabou sendo demolida pela Comissão Construtora da capital mineira. “E onde está essa capela?”, pergunta. “Está debaixo da Rua da Bahia, esquina com a Rua dos Timbiras, bem no centro de Belo Horizonte. E essa história não nos é contada. Então, o museu estrutura o seu projeto em contar essa e outras histórias que estão debaixo do asfalto cinza, que agora nós chamamos da cidade dos brancos”, define.

Em Paris, o padre participou de um colóquio com título “Museologia de Base Social e os Territórios Soterrados afro-indígenas”, no Campus Condorcet. O mineiro explica que existe um interesse do público francês por temas como ancestralidade, cultura popular e religiosidade no Brasil.

“Desperta interesse imediato, quando se fala especificamente desse afro patrimônio soterrado debaixo da cidade de Belo Horizonte, um templo religioso que foi construído por pessoas negras da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. E aqui na França, há uma curiosidade para saber: será que nesse território, ou em outro país da Europa, também há territórios que foram soterrados?”, questiona. “E o importante é descobrir quem foi que soterrou e com qual intenção. É disso que o Muquifu fala”, completa. “Ele toca nessas questões através de um projeto arqueológico, que busca descobrir debaixo do asfalto dessa cidade aquilo que ficou esquecido”, diz. “Não só esse estrato negro, mas também o estrato indígena. Como se diz, todo o território nacional brasileiro é território indígena. A gente pode chamar o Brasil de um grande cemitério indígena, onde foram sepultadas histórias, vivências e culturas que precisam ser trazidas à tona”, observa.

Ao apresentar essa história sob a perspectiva de negros e moradores da periferia, o teólogo espera alcançar uma reparação. “Nós exigimos nosso espaço nos museus da cidade. Não só nos espaços de memória, mas espaços de poder também”, afirma. “Então, nós reivindicamos uma consciência da nossa história, da nossa cultura, de que nós somos construtores do Brasil. Mas nós exigimos, também, espaço de poder, de decisão na política, nas empresas, na Igreja, para que possamos construir juntos a história futura”, propõe. “Buscamos um empoderamento da população negra indígena no país para que possamos reivindicar nossos direitos”, conclui.

O acervo do Muquifu é composto por objetos e peças trazidas pelos moradores da própria comunidade. O nome, apesar de ser um acrônimo, também tem por objetivo quebrar estereótipos. “A intenção era essa. Muita gente me pergunta: ‘como se chama o museu mesmo? Cafofo? No português, faz muito sentido, cafofo ou muquifo. Mas é uma brincadeira com o nome Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos, formando ‘muquifu’. É um lugar um pouco caótico e um pouco bagunçado, mas é o nosso lugar preferido. Lugar de acolhida, onde eu me sinto bem, onde eu me entendo e onde eu me compreendo. E aqui no meu muquifu, quem manda sou eu”, finaliza.

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