A Maison de l’Amérique Latine, em Paris, apresenta a exposição “Marronnage, l’art de briser ses chaînes”(“Quilombismo, a arte de romper suas correntes”, em tradução livre), sobre a herança e evolução artística dos descendentes de quilombolas principalmente no Suriname e na Guiana Francesa.
Reportagem de Patricia Moribe, em Paris
A história da resistência africana contra a escravidão no Brasil tem como marco o Quilombo dos Palmares, que teve seu auge na segunda metade do século 17. Formado na verdade por vários quilombos próximos numa região hoje situada em Alagoas, Palmares chegou a ter uma população estimada em 20 mil habitantes. Ainda hoje, muitas populações quilombolas reivindicam essa especificidade e resistem à urbanização em todo o Brasil, lutando pela preservação de seus territórios e hábitos.
A exposição em Paris responde a um apelo do pintor francês de origem haitiana, Hervé Télémaque para a importância da arte chamada “bushinenge” e a necessidade de se falar dos quilombos. Esse é um capítulo praticamente desconhecido na Europa sobre a escravidão de africanos pelos próprios europeus nas colônias da América Latina. O “marronage” do título teria relação com “cimarrón”, que em espanhol significa selvagem. O quilombola é o 'marron' - o foragido, o fora da lei.
Mostrar a continuidade artística desses povos foi o ponto de partida dos curadores Geneviève Wiels e Thomas Mouzard, com base em relatos etnológicos, peças preservadas em museus como o do Quai Branly, de Paris, e a produção contemporânea. Há também fotos de Pierre Verger, que visitou o povo dyuka do Suriname em 1934, acompanhando jornalistas. Na época, o mítico fotógrafo já vivia na Bahia, onde morreu em 1996.
“Há um tipo de desenho que é muito recorrente, o emaranhado das formas. Para eles, tudo na vida tem uma relação de interdependência ou inter-relação entre sentimentos, o cotidiano, as atividades diárias, o amor e a fidelidade”, explica o pesquisador Rafael Lucas, da Universidade Bordeaux-Montaigne.
“Também aparecem nas velas de barcos, peneiras de madeiras, nos panos, pentes”, acrescenta, lembrando que além do estético, a arte dos “marrons” estava ligada à funcionalidade do cotidiano.
“Todas as artes tradicionais têm um dia de se confrontar com a irrupção da modernidade, com alguns riscos, como a ‘folclorização’ para o turismo”, pondera Lucas. “Ao mesmo tempo é um perigo, mas por outro lado é também uma chance para essa arte ter mais visibilidade”, acrescenta.
Mulher quilombola e rainha
O pesquisador, que nasceu no Haiti mas vive na França há mais de 40 anos, ressalta ainda o importante papel da mulher dentro das comunidades quilombolas, que eram pequenas e precisavam ser ágeis para se deslocar em caso de ataques da polícia colonial. “Essa dimensão de comunidade pequena, de vida em um meio ambiente perigoso teve como consequência reformar o papel da mulher”, explica Lucas. Por exemplo, quando o homem se ausenta para caçadas, é função da mulher manter a organização da comunidade.
Ele lembra ainda que muitas comunidades ‘marrons’ tinham rainhas, que geralmente eram escolhidas por palmas da comunidade. “Todos participavam e a mais aplaudida era eleita”.
A nova geração de artistas da Guiana Francesa e do Suriname que bebe na tradição do “marronage” participa da exposição com pinturas, vídeos, fotos, tapeçarias, bordados e esculturas, ao mesmo tempo em que debate negritude e heranças.
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