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Fim da ditadura inspira novo romance do jornalista Liberato Vieira da Cunha

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Cronista, contista e romancista premiado no Brasil e no exterior, o jornalista gaúcho Liberato Vieira da Cunha, de passagem por Paris, conversou com a RFI Brasil sobre o seu novo livro, O Inventor da Eternidade. O romance se passa no fim do regime militar no Brasil. O autor também falou sobre a sua afeição pela França, onde recebeu o título de Chevalier des Arts et des Lettres – uma ordem de mérito civil das Artes e das Letras da República Francesa.

O escritor gaúcho Liberato Vieira da Cunha conversou com a RFI Brasil sobre o seu novo romance, O Inventor da Eternidade (2022).
O escritor gaúcho Liberato Vieira da Cunha conversou com a RFI Brasil sobre o seu novo romance, O Inventor da Eternidade (2022). © RFI
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Maria Paula Carvalho, da RFI

Ex-correspondente internacional na Alemanha e nos Estados Unidos, Liberato Viera da Cunha diz aproveitar da concisão típica do trabalho na imprensa para escrever os seus mais de dez livros publicados. “Do jornalismo, eu aproveito aquela capacidade de ir direto ao ponto. Está tudo ali, está tudo exposto. Essa linguagem direta do jornalismo ajuda muito o escritor”, diz.

Seus textos já foram traduzidos em sete países, inclusive na França, país que descobriu nos anos 1980. “Eu fui cobrir as eleições federais na Alemanha naquele ano e, na volta, resolvi descobrir Paris. Era a cidade encantada dos meus pais. A minha mãe era professora de francês e o meu pai era professor, jornalista, deputado e secretário de Educação. E uma das paixões dele também era Paris”, conta.

De volta ao mercado literário após uma pausa de nove anos, o autor lançou O Inventor da Eternidade em 2022 simultaneamente no Brasil e em Portugal, pela editora Almedina-Minotauro. A ideia para o livro foi contar de forma ficcionada histórias que Liberato presenciou no regime militar e a campanha das Diretas Já. 

“Eu foquei esse romance nos estertores do regime militar brasileiro, de 1984 e 1985. À época, havia um grande movimento popular no Brasil pela volta à democracia e imensos comícios, em que se unem todos os partidos políticos pedindo a volta das eleições diretas à Presidência da República. Mas durante esse período, ainda estão acontecendo muitas coisas arbitrárias e autoritárias no país”, contextualiza.

A história desse terceiro romance do autor é povoada de oficiais da linha dura, alguns em altos postos de comando, que planejavam prolongar o regime de exceção vigente no Brasil. "O personagem principal se envolve com um agente da repressão em Porto Alegre, onde ele é professor universitário, e ele se vê na contingência de sumir um pouco do radar. Então, ele sai pelas estradas do interior do Rio Grande do Sul e encontra refúgio numa pequena cidadezinha, onde ele torna a se envolver com a repressão”, conta. “Depois, ele se esconde em uma chácara de um português chamada Quinta do Torreão, onde ele consegue, através de terceiros, saber do andamento das coisas do país. Havia realmente militares do alto escalão querendo que a ditadura se prolongasse pelo menos por mais 20 anos”, relata Viera da Cunha.

O personagem principal é o professor universitário de estética Santelmo Cimbres. Perseguido político, ele acaba se escondendo em um vilarejo habitado em sua maioria por descendentes de imigrantes europeus. “Nesse local, há refugiados de vários países. Por exemplo, fugitivos da ditadura do Uruguai e alemães que fugiam do nazismo", relata. "Mas o principal acontecimento é a descoberta de um grande mural que foi pintado por um desertor alemão, na década de 1940, e que foi escondido”, explica. “O pároco católico da igreja, contudo, achou que os murais eram indecentes e que ofendiam a moral cristã e mandou raspar tudo”, completa.  

Além do risco de prisão e de suas temidas consequências, Santelmo descobre ter uma doença terminal. O título da obra é inspirado pelo contraste entre a perenidade da arte e a finitude humana, da qual é consciente o personagem principal.

Lembranças de infância

O texto é cheio de referências históricas e artísticas, que vêm à tona quando o fugitivo passa horas num porão conversando com a bibliotecária Beatrice. Em um enredo de muita ação nessa fuga dos capangas da ditadura, o romance é também um banho de cultura. Liberato resolveu colocar no papel, com a máscara da ficção, lembranças remotas da infância.

“Eu cresci em Cachoeira do Sul, numa casa em que havia muitos livros e muitos quadros. Havia livros abertos em cima da mesa, havia muitas pessoas lendo. E naquela época, em que não havia televisão, as pessoas se visitavam umas às outras sem serem anunciadas, simplesmente apareciam. Eu ficava de noite, muito criança, ouvindo as conversas delas, e aquilo me impregnou de amor pela arte, pela literatura, pelo cinema e pela música”, conta o autor.

Primogênito do jornalista, advogado e político Liberato Salzano Vieira da Cunha, falecido em 1957 num acidente aéreo em que morreu, também, sua mulher (Jenny), Liberato terminou de ser criado na capital Porto Alegre pelos avós. Não por acaso, o personagem principal do livro perdeu os pais num desastre de trem e convive com saudades da irmã.

“Eles faleceram ambos muito jovens, ele com 36 anos e ela com 35 anos. Então, eu disse: eu devo isso a meus pais, eu tenho de ir a Paris para conhecer coisas que eles não viram”, conta o escritor, emocionado. “Eu também perdi uma irmã, que se despediu da vida aos 30 anos. Ela trabalhava no jornal O Globo, no Rio de Janeiro. Era uma menina muito bonita, que estava no auge da sua beleza, no auge de sua carreira profissional e vivendo num lugar paradisíaco que era o Leblon. E por heranças terríveis da própria infância, ela acabou desistindo. Então, além da referência aos pais, tem a referência à irmã”, confidencia.

O livro, que começou a ser escrito em 2005, é publicado num momento de retorno da extrema direita em muitos países e quando, no Brasil, há nostalgia do período do regime militar. “Eu não escrevi esse livro com essa perspectiva. Mas, naturalmente, tudo isso me inspirou, porque realmente, os quatro anos que terminaram agora no Brasil foram terríveis. Havia toda uma esperança de que finalmente voltasse a democracia no Brasil e o que tivemos foi um governo fascista, traidor das esperanças nacionais”, lamenta. “O Brasil perdeu 700.000 pessoas pela Covid-19. Por quê? Por negligência absoluta do governo federal”, completa. 

Entre várias premiações, Liberato Vieira da Cunha recebeu troféus literários e jornalísticos. Ganhou duas vezes o prêmio Açorianos e sete vezes o da Associação Riograndense de Imprensa (ARI).

Nessa viagem à Paris, o autor aproveita para fazer pesquisa para o próximo trabalho. “Eu já tinha lido Paris é uma Festa, do Ernest Hemingway, em que ele traça o roteiro da chamada geração perdida. Eu procurei, estive em cada café, em cada restaurante, em cada lugar em que eles moraram e reuni um material muito grande. Eu quero fechar esse capítulo. Não sei o que vai sair disso, se apenas um estudo ou vai ser um livro mesmo, mas era uma época fascinante. É a época em que começa o domínio americano na cena internacional”, explica.

Outras obras do autor

Miss Falklands, Martins Livreiro, 1983 (contos e crônicas); Um Hóspede na Sacada, Editora Sulina, 1985; A Mulher de Violeta, Sulina, 1990; As Torrentes de Santaclara, Mercado Aberto, 1993 (romance); Um Visto para o Interior, Artes & Ofícios, 1996; A Morte do Violinista, Mercado Aberto, 1997; A Companhia da Solidão, L&PM, 2000;Tratado das Tentações, L&PM, 2002; O Homem que Colecionava Manhãs, Objetiva, 2004 (romance); O Silêncio do Mundo, AGE, 2013. 

(Para ver a entrevista na íntegra, clique na foto principal)

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