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Colóquio destaca projetos que utilizam cães abandonados para reintegração de pessoas traumatizadas

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O Colóquio Internacional sobre a Mediação Canina, que começou nesta terça-feira (7) e vai até quarta-feira (8), em Paris, destaca projetos em que os cães participam no processo de reintegração de pessoas traumatizadas, como soldados feridos em conflitos e também crianças vulneráveis em dificuldade escolar. A psicóloga brasileira e doutora em Psicanálise e Psicopatologia Lorenza Biancarelli participa desses projetos, na linha de pesquisa de traumas e rupturas. 

A psicóloga brasileira e doutora em Psicanálise e Psicopatologia Lorenza Biancarelli participa do colóquio sobre mediação canina para superação de traumas.
A psicóloga brasileira e doutora em Psicanálise e Psicopatologia Lorenza Biancarelli participa do colóquio sobre mediação canina para superação de traumas. © RFI
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Três programas integram os trabalhos da Agência Francesa de Pesquisa (ANR), coordenada pelo professor Christophe Blanchard. Um em que os cães apoiam testemunhas, principalmente menores, que depõem na Justiça, outro, chamado Caniscol, que visa os alunos em dificuldade escolar do sistema Nacional de Educação francês, e o Arion, um programa único e inovador na Europa, que coloca em contato soldados feridos em conflitos com cães abandonados, vivendo em refúgios.  

“A pesquisa tem como premissa estudar o funcionamento do dispositivo e também qual é o impacto desse tipo de mediação canina nos beneficiários”, explica a psicóloga brasileira Lorenza Biancarelli, que faz atualmente um pós-doutorado na Universidade Paris 13 e participa como pesquisadora dos projetos apresentados no colóquio.  

O Arion se inspira de um dispositivo americano. A reintegração de soldados é feita desde que os conflitos existem, mas a grande inovação está na utilização de cachorros abandonados que vivem em refúgios.  

“O ponto que une essas duas histórias é talvez a dificuldade de confiar no outro”, diz a pesquisadora sobre os pacientes e os animais. “Eu acho que o trauma vem afetar esse ponto do sujeito, que se sente na impossibilidade de poder se auto proteger. Então vem atacar também a questão da confiança própria e da relação dele com o mundo. Quando a gente fala de traumatismos de guerra, por exemplo, quando esse sujeito não se sente mais fazendo parte de uma comunidade humana, o interesse do trabalho com o animal é também o de restabelecer esse laço através de uma relação empática. Seriam dois traumatizados tentando se ajudando mutuamente”, explica.  

O processo leva tempo, diz Biancarelli, que salienta que o projeto não tem um objetivo terapêutico, porém, um impacto muito importante no restabelecimento de laços sociais. “Por exemplo, a gente tem um soldado que ficou durante três anos fechado em seu domicílio, só saía para fazer compras. O processo de adaptação da alimentação do cachorro permitiu, pouco a pouco, que existisse uma introdução de um novo ritmo e a reestruturação de rituais cotidianos que ele tinha perdido”, relata.  

Vulnerabilidade

Para a psicóloga, o público alvo dos três programas, por questões diferentes, tem em comum o fato de se encontrar atualmente numa situação de vulnerabilidade. 

Bicancarelli tem uma grande experiência com públicos neste tipo de situação psicossocial, uma delas iniciada no Brasil, mais precisamente na cracolândia de São Paulo, que foi o tema de sua tese. Na França, ela trabalha em um Centro Médico Psicológico para adolescentes em Bondy, periferia de Paris, que é líder no acolhimento de população de imigrantes na França.  

“Se a gente estabelece esse paralelo, eu acho que tem um ponto que é a questão da ruptura da transmissão das histórias. Entre 80 e 90% dos adolescentes que eu encontro hoje vêm de famílias que vivem num contexto de deslocamento forçado. E, nesse processo, tanto a pequena como a grande história, ela acaba não sendo transmitida. E a gente vê que essa terceira geração, ou mesmo primeira ou segunda de adolescentes, vêm questionar essa história e tem muito poucos elementos”, analisa. “Fora também as questões de violência, de segregação, de exclusão e de precariedade, que vão impactar fortemente essa população, ainda mais num período de Covid, em que essas famílias foram muito mais afetadas”, diz. 

 

 

Traumas e rupturas biográficas

Outro projeto em que a psicóloga atua, também na linha de pesquisa sobre trauma e rupturas biográficas que ela trata no colóquio, é com sobreviventes do genocídio tutsi, em Ruanda, em 1994, que deixou entre 500.000 e 1 milhão de mortos e sobreviventes. Estes últimos vão às escolas para dar testemunho do que viveram.  

“É um projeto bastante interessante, até mesmo do ponto de vista ético, que faz repensar quem transmite a história”, diz. “Essa questão da transmissão da história é delicada, porque para quem viveu e foi testemunha ocular de cenas tão desumanas, existe um medo de traumatizar o outro. Então, é um trabalho muito delicado e que demanda também um certo pudor”, explica.  

“Participaram desse projeto pessoas que tinham o hábito de testemunhar e pessoas que estavam testemunhando pela primeira vez, que nunca tinham, por exemplo, contado para os filhos de fato o que eles viveram. Mas existia essa injunção de transmitir essa história para que ela não caísse num esquecimento, porque uma parte dessa história ainda é negada hoje em relação ao genocídio”, diz.  

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