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"O samba não é uma diversão alienada, escapista e pouco politizada", diz Luca Argel em Paris

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Ele nasceu no Rio de Janeiro e como muitos adolescentes teve uma banda de rock, cantou em corais e outros grupos vocais. Se formou em música, trabalhou como professor e passou a escrever: poemas, depois livros, alguns traduzidos em espanhol. Desde 2012, Luca Argel vive em Portugal, onde cursou mestrado em literatura na Universidade do Porto. Aos poucos, porém, a atividade literária foi cedendo lugar à música, como ele explica em entrevista à RFI, em Paris.

Luca Argel, cantor e compositor
Luca Argel, cantor e compositor © RFI
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“Hoje a música toma o meu tempo e energia. Mas eu não considero que o meu trabalho com canção seja separado do trabalho com poesia. A palavra é o meu interesse”, diz Argel.

Logo ao chegar à Europa, o artista participou da fundação dos grupos “Samba sem Fronteiras” e “Orquestra Bamba Social”, atuando como cantor e compositor.

A convite da Fundação Fernando Pessoa, em Lisboa, Luca Argel montou um duo com a cantora portuguesa Ana Deus, com a qual compôs a música para o espetáculo Ruído Vário, com base em poemas de Fernando Pessoa. Em 2018, ele manteve um programa semanal na Rádio Universitária do Minho, focado em música brasileira.

Início de carreira no universo eletrônico

Luca deu início à sua trajetória como cantor solo em 2016, com o lançamento de Tipos que tendem para o silêncio, um disco experimental voltado para a cena eletrônica. “O meu percurso tem interesses díspares. Em 2016, eu estava interessado em aprender música eletrônica e saiu o meu primeiro disco autoral. E logo depois, eu senti mais forte o chamado do samba”, explica.

Em 2017, o compositor laçou o seu segundo disco, intitulado Bandeira. Este segundo álbum, de textura minimalista e voltado para a canção e para a linguagem do samba, teve boa recepção, tanto no Brasil, onde foi escolhido como um dos melhores discos de 2017 pelo site especializado Embrulhador, quanto em Portugal, cuja turnê rendeu mais de 60 shows ao redor do país. “É só voz e violão, não tem nada além disso”, lembra.  

Em 2019, Argel lançou o seu terceiro álbum, Conversa de Fila, em que aprofunda o caráter de leveza e bom humor arraigados na linguagem do samba. “Esse é um álbum em que eu estou acompanhado de um músico que toca instrumentos tradicionais do samba, mas não da música em geral, ou seja, a caixinha de fósforos, prato e faca, uma frigideira, instrumentos leves e portáteis, pois nós viajamos para fazer concertos”, diz

Samba como crítica social

"Samba de Guerrilha", o mais recente projeto do cantor carioca, lançado em 2021, é uma nova virada na carreira. Trata-se do primeiro projeto de versões, em que Luca Argel propõe uma viagem conceitual pela história política do samba, experimentando sonoridades que se distanciam da tradição musical do gênero.

“Na época da ditadura e no início do século 20, quando a herança do passado de escravidão era muito recente e atividades da comunidade negra do Rio de Janeiro eram muito mal vistas, esses encontros eram proibidos. Mas o samba conseguiu superar o preconceito, que volta durante a ditadura, por causa da resistência dos compositores, que usaram o samba para articular um discurso contestador”, ele explica.

“O samba não é uma diversão alienada, escapista e pouco politizada, como pode parecer para alguns aqui na Europa. Pelo contrário, historicamente traz muito discurso de contestação e que reflete problema sociais”, completa.

Uma das músicas que compõem o disco é o “Samba do Operário”, uma espécie de denúncia da alienação da força de trabalho. “É uma música do Alfredo Português, que foi para o Brasil no início do século e fez parte da fundação da Mangueira. Ele era o pai adotivo do Nelson Sargento, que gravou este samba muitos anos depois. Obviamente, não passaria pela censura à época, pois propõe uma organização operária, reivindica melhores salários e aponta o dedo para os patrões”, explica.

O disco reúne músicas de compositores como Paulinho da Viola, Noca da Portela, Paulo César Pinheiro, entre outros.  “Esse álbum saiu em 2021, mas eu venho fazendo essa pesquisa desde 2016. Nessa época, eu não sabia que ia virar um álbum, era um workshop em que eu contava a história e tocava, numa espécie de conversa musical com o público português”, diz.

“É muito oportuno agora porque coincide com uma época de muita agitação política no Brasil”, completa. “A discussão política tem estado à flor da pele no Brasil, para o bem e para o mal, às vezes de uma forma violenta. O samba tem uma contribuição a dar nesta discussão, pois ele representa uma parte da sociedade brasileira que precisa ser ouvida”, observa.

Vozes Lusófonas

Luca Argel foi o único brasileiro a participar do espetáculo “Vozes Lusófonas” que aconteceu no domingo (13), no teatro do Châtelet, como parte da programação da temporada Portugal-França. “Sem dúvida, Portugal foi uma porta de entrada para chegar a este festival, pois era um evento de música lusófona. Foi a minha primeira vez na França, nunca tinha vindo à Paris”, diz.

“Eu sempre fui muito bem recebido em Portugal. Eu vivi a maior parte do tempo no Porto, que não tinha o movimento das rodas de samba e eu, juntamente com amigos, comecei a fazer isso, primeiro porque a gente gostava, e foi uma boa receptividade”, comenta. “Assim, nos profissionalizamos como grupo, graças aos portugueses, que são muito interessados”.

O próximo projeto de Luca Argel já está em fase de concepção. “É uma continuação do samba de guerrilha, em que eu serei o compositor das músicas, abordando a nossa própria história e manifestações afro-brasileiras com composições inéditas”, finaliza.  

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