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Durante exílio na França, Niemeyer desenhou tanto para comunistas como para grandes empresas

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Impressionante e megalomaníaco, o projeto de Brasília abriu as portas do mundo para o arquiteto Oscar Niemeyer. Contudo, o impulso final para que o modernista ampliasse seus projetos em nível internacional foi dado pelos militares, que levaram o comunista a decidir pelo exílio após o golpe no Brasil de 1964. Na França, Niemeyer trabalhou por duas décadas, transitando da esquerda à direita, e entrou no panteão de arquitetos, analisa a pesquisadora Vanessa Grossman em entrevista à RFI.

Oscar Niemeyer, o arquiteto de Brasília no Palácio do Louvre
Oscar Niemeyer, o arquiteto de Brasília no Palácio do Louvre wikipédia
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Graças à construção de Brasília, inaugurada em 1960, Oscar Niemeyer recebeu a atenção do mundo, maravilhado pelas curvas e os espaços de sua arquitetura moderna. A partir daí, o brasileiro decidiu projetar seus desenhos além das fronteiras, mas tinha um complicador: seu medo de avião --uma ironia na história daquele que levantou uma cidade sobre o desenho de uma aeronave. O golpe militar no Brasil, no entanto, iria mudar tudo, levando o comunista a um longo auto-exílio na França.

Mais tarde, Niemeyer avaliou este como um favor feito sem querer pelos militares. "Foi uma espécie de duplo favor, porque fez com que ele fosse para a Europa, mas também Niemeyer nunca deixou de trabalhar para o Brasil, inclusive para os militares", explica Vanessa Grossman, professora da Universidade de Tecnologia de Delft.

O país europeu não foi escolhido por acaso: o arquiteto sabia que poderia contar com apoio para desenvolver novos projetos. As obras desse período são agora reunidas no livro "Oscar Niemeyer en France - Un exil créatif" (Um exílio criativo, em tradução livre). Escrito pela arquiteta brasileira e pelo francês Benoît Pouvreau. O título foi uma encomenda para a coleção Carnet d'Architectes, da Éditions du Patrimoine, mostrando que o modernista brasileiro entrou para o "panteão dos arquitetos franceses e que trabalharam na França", diz Grossman.

Ao longo de duas décadas, Niemeyer faz prédios públicos e privados, projetos culturais e residências, e aceitou pedidos das mais diversas origens, encomendas de André Malraux, ministro francês da Cultura durante o governo de direita do General Charles de Gaulle, ou do prefeito comunista da cidade do Havre, André Duroméa.

No momento de Maio de 1968, essa versatilidade tornou-se exemplar. O brasileiro projetou a sede da indústria automobilística Renault; na periferia de Paris, assim como a sede social do Partido Comunista Francês, que organizava as greves dos operários da Renault.

Para Grossman, não existe uma fase francesa de Niemeyer. "Ele aproveitou os projetos que teve na França para desenvolver uma linhagem de tipos e formas que ele tinha na sua trajetória. O que eu acho único nesse período é o encontro dos projetos dele com um tecido urbano consolidado e a grande rede de colaborações", pontua.

Partido Comunista Francês, a arquitetura como mídia

Talvez a obra mais conhecida desse exílio seja a sede do Partido Comunista Francês, em Paris, que levou 15 anos para ser completada. A encomenda foi feita em um momento de crise do partido, que pretendia se afastar do stalinismo e da União Soviética, modernizando sua sede ao mesmo tempo em que mudava seu discurso. O brasileiro exilado político apareceu como figura ideal.

"Niemeyer vinha com esta aura de perseguido político, ainda que tenha sido poupado de alguma forma pelos militares. Além disso, naquele momento, havia um interesse na França pela América Latina em geral, uma certa atração pelo que acontecia lá e por seu potencial de ser um centro da esquerda para o mundo", lembra Grossman, que escreveu uma outra obra dedicada a esta história: "Le PCF a changé" ("O PCF mudou", éditions B2).

O prédio em curva com linhas sóbrias e a cúpula branca, entregue apenas em 1980, traz as marcas do modernismo de Niemeyer em plena Paris haussmaniana, de fachadas tradicionais bege e telhados de zinco. A fachada é assinada pelo designer francês Jean Prouvé, em uma da série de colaborações feita pelo comunista na estadia francesa.

Le Corbusier, um pai e um peso

No livro, os autores apontam uma frustração de Niemeyer neste período: não ter levado a cabo a construção de seus projetos de habitação social.

Os projetos foram abandonados após um período de fortes críticas à arquitetura moderna, percebido a partir dos conjuntos habitacionais modernos nas periferias de grandes cidades francesas. "Le Corbusier foi visto como um pai para Niemeyer, mas também foi um fardo", diz Grossman.

"Havia uma crítica nesse momento à arquitetura moderna, os arquitetos começaram a pensar que essa arquitetura não levava em conta o tecido urbano das cidades europeias, que tratava as populações que foram alocadas nesses conjuntos habitacionais de maneira massificada. Havia essa crítica muito forte nos anos 1970 e é justamente o momento que Niemeyer abre seu escritório, e os projetos não vão para frente."

Os desenhos estão expostos e detalhados no livro "Oscar Niemeyer en France - un Exil Créatif", por enquanto em francês, mas com edições previstas em inglês e em português.

O livro "Oscar Niemeyer en France - un exil créatif", de Vanessa Grossman e Benoît Poivreau, foi publicado em março pela Éditions du Patrimoine
O livro "Oscar Niemeyer en France - un exil créatif", de Vanessa Grossman e Benoît Poivreau, foi publicado em março pela Éditions du Patrimoine © Divulgação

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