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Projeto denuncia estado generalizado de ansiedade e depressão entre universitários

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Os exemplos de solidariedade que se multiplicaram durante a pandemia da Covid-19 não deixaram de ser assistidos, claro, nos meios acadêmicos. Se por um lado a crise sanitária aprofundou problemas sociais e econômicas de alunos e suas famílias, ou mesmo de professores, por outro, também deu provas de que não faltam pessoas dispostas a se engajar ainda mais quando as situações se agravam.

A professora universitária Marília Arreguy (UFF), à direita, coordenadora do grupo de apoio psicológico "Gato em teto de zinco quente".
A professora universitária Marília Arreguy (UFF), à direita, coordenadora do grupo de apoio psicológico "Gato em teto de zinco quente". © arquivo pessoal
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É o caso da professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF-Niterói) Marília Arreguy, que coordena, ao lado da colega Fernanda Montes, o projeto de extensão “Gato em teto de zinco quente”, que oferece apoio psicológico com sessões gratuitas à comunidade acadêmica. Lançada em meados de 2019, a iniciativa viu sua demanda aumentar desde o início da pandemia, o que exigiu habilidade dos voluntários para dar continuidade aos atendimentos, mesmo nas situações mais adversas, como consultas até por troca de mensagens, quando o paciente não tinha privacidade durante o lockdown.

Arreguy explica que as circunstâncias do projeto não são inéditas e nem recentes. Durante suas pesquisas de escuta psicanalítica no contexto das aprendizagens, em que estuda violência, traumatismos e sofrimentos psíquicos nas escolas, a professora conta que sempre foi muito procurada pelos alunos, que solicitavam sua ajuda, e por professores, que dividiam com ela os relatos preocupantes em relação à situação dos estudantes.

“Na universidade, por ser professora de psicologia da educação, os alunos sempre me procuraram para desabafar, para falar de suas questões. Quando voltei no meu pós-doutorado na França, em 2018, a situação estava ainda mais grave, em relação ao contexto habitual de quando comecei a atuar na universidade, desde 2010. Muitos relatos de automutilação, de ideação suicida, de tentativa de suicídio, de crises diversas entre os estudantes e suas famílias”, relata Arreguy, que é pesquisadora associada do Centro de Pesquisa em Medicina, Psicanálise e Sociedade da Universidade de Paris.

“Eu comecei a ser muito solicitada pelas instituições de ensino para falar sobre esses problemas. Uma situação que começou a ficar muito intensa, a violência, o sofrimento desses jovens. O que chamava mais a atenção era o estado generalizado de ansiedade e depressão entre os estudantes”, destaca a professora.

Situação de penúria

Com o agravamento da crise político-econômica e educacional, a iniciativa de escuta psicanalítica para a comunidade acadêmica logo alcançou grande repercussão, e grande adesão também. O projeto “Gato em teto de zinco quente” soma uma equipe de mais de dez profissionais, entre coordenadores de disciplinas e professores, além do apoio de estudantes de cursos de extensão e mestrandos com formação clínica. Ao todo, cerca de 50 pessoas foram acolhidas desde o início do projeto, que agora começa a realizar atendimentos em grupo, para atender o crescimento de demanda.

“O importante do projeto é oferecer esse apoio ao estudante, que está em processo de formação. A maior parte das pessoas que procuram o atendimento são de baixa renda, em situação de vulnerabilidade. Às vezes as pessoas chegam a uma situação de penúria”, conta Arreguy, que descreve a condição desafiadora de manter o atendimento durante a pandemia, quando muitos pacientes não dispõem de acesso à internet de qualidade ou mesmo de privacidade para dar continuidade às sessões virtualmente.

Os desafios e esforços são grandes, mas os resultados, felizmente, também. A professora vibra ao falar da melhora dos alunos que receberam ou continuam recebendo este apoio. “Por ser continuado, semanal, de uma hora, bem tradicional mesmo, o atendimento tem efeitos muito intensos e rápidos, justamente por ser um tratamento diferenciado”, explica.

 

Desigualdade social

O projeto, no entanto, expõe ainda mais um dos maiores problemas sociais brasileiros, e que se repete nos ambientes acadêmicos: a desigualdade social. Arreguy enfatiza a disparidade entre as condições socioeconômicas dos alunos que dividem um dos espaços mais privilegiados da educação no país, as universidades públicas, onde convivem jovens de alta renda, menos afetados pela crise, e outros completamente desassistidos pelo Estado, como os que procuram ajuda no projeto.

“Estamos oferecendo o serviço para esse público de altíssimo nível, que é o estudante universitário de baixa renda, que eu acho que é a ponta do que a gente tem que investir na sociedade. São pessoas que estão em desenvolvimento e têm seu potencial coartado por causa da crise social, política, e agora também sanitária”, ressalta Arreguy.

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