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Reportagem

Na Turquia, as celebrações de Natal acontecem durante o Ano-Novo

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Atualmente com maioria muçulmana, a Turquia, antigo centro do Império Romano do Oriente, deixa para o Réveillon a troca de presentes e a árvore decorada. Mas as minorias cristãs ainda mantêm suas tradições na ex-Constantinopla.

Árvore de Natal montada diante de mesquita em Istambul. No país de maioria muçulmana, a troca de presentes ligada ao Natal acontece apenas no Réveillon. Imagem de 2021
Árvore de Natal montada diante de mesquita em Istambul. No país de maioria muçulmana, a troca de presentes ligada ao Natal acontece apenas no Réveillon. Imagem de 2021 AP - Francisco Seco
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Fernanda Castelhani, correspondente da RFI em Istambul

O país é a Turquia, mas o idioma na casa de Vassiliki Papadopoulou é o grego. E é com canções como Noite Feliz, no idioma dos seus ancestrais, que ela transmite à filha Elizabeth, de 6 anos, um pouco de seus antepassados, mesmo não se considerando religiosa. “Minha filha é ‘internacional’, vivendo diferentes culturas, mas ela precisa conhecer suas raízes também. Eu não sou restrita, mente fechada. Mas eu quero dar algo de nós para nossa criança”, explica.

Vassi, 55, nasceu em Istambul. Em seu documento de identidade, ela, assim como o marido, é uma cidadã turca. Mas eles também carregam, como grande parte da minoria ortodoxa, uma outra nacionalidade. No caso deles, a grega. “Os católicos fazem o jantar de 24 de dezembro e vão para a igreja. Ao passo que os ortodoxos gregos vão para a igreja na manhã de 25 de dezembro e voltam para a grande refeição. Nós fazemos a grande celebração com a família no almoço do dia 25”, ela explica.

A turco-grega Vassiliki Papadopoulou e sua família.
A turco-grega Vassiliki Papadopoulou e sua família. © arquivo pessoal

Passado cristão

Entre as comunidades de cristãos residentes em território turco estão os ortodoxos gregos, armênios e sírios, assim como comunidades protestantes e católicas. Até 1914, os cristãos representavam 20% da população da Turquia. Agora, o número não chega a 0,2%. Após massacres, deportações e deslocamentos forçados no início do século XX, acredita-se que hoje restem só 100 mil no país de 82 milhões de habitantes.

A maior igreja católica da Turquia fica na avenida de comércio mais visitada por turistas, a Istiklal. Sent Antuan Kilisesi, nome turco da Igreja de Santo Antonio, teve seu projeto inicial erguido quase três séculos atrás para atender às famílias de franceses e italianos que trabalhavam para o Império Otomano.

Com missas em turco, polonês, italiano e inglês, a igreja fica lotada no Natal. Era nesta igreja que a filipina Cherilyn Bi-ay, residente em Istambul há 5 anos, vinha celebrar o nascimento de Jesus Cristo. Mas há dois anos é numa casa alugada especialmente para os dias 24 e 25 de dezembro que ela compartilha com as amigas a emoção de se estar com a própria comunidade.  “Você não pode nem imaginar como é o sentimento. Não dá para descrever a emoção de estar junto das pessoas do seu país. É incrível! ”, descreve Cherilyn.

Natal no Ano-Novo

Com mais de 90% da população muçulmana, parte da Turquia transferiu para o Ano-Novo os rituais nos moldes como conhecemos no Natal. O empresário Huseyin Buyukyurtsever, da cidade de Adana, na costa mediterrânea do país, diz que, atualmente, janta fora com os filhos e troca presentes em casa. Mas, quando seus pais eram vivos, toda a família seguia estes passos, conta Huseyin: “Com certeza, era servido o peru, mas nós preferíamos frango recheado com arroz e condimentos. Ficávamos à mesa por mais de duas horas. Até que, à meia-noite, nos abraçávamos e trocávamos presentes. Ali, festejávamos e só voltávamos para casa umas 3h da manhã”.

Decoração do shopping Akmerkez, em Istambtul.
Decoração do shopping Akmerkez, em Istambtul. © akmerkez

Pinheiros iluminados, enfeites pendurados, estrelas no topo, pisca-pisca nas janelas. Tudo isso está presente em centros comerciais, fachadas de casas e entradas de escolas das grandes cidades turcas. As lojas incentivam as compras com anúncios que convocam o momento em família e as trocas de presentes. Mas, na prática, essa é uma estratégia de vendas para uma época mais fraca para o comércio local.

Tradicionalmente, os períodos em que os turcos mais se presenteiam são nos feriados islâmicos, os chamados Bayram. As crianças ganham lembranças e todos vestem roupas novas.  Alper Deniz, que é diretor de compras e logística de uma das maiores indústrias têxteis do país, alfineta a interferência externa. “Para mim, as festas de fim de ano são uma pressão do Ocidente para movimentar a economia. Ainda assim, esse período representa um momento em que as pessoas esperam e desejam coisas boas para o ano que virá”, acredita Alper.

Esta é a ideia também no sudeste turco, na cidade de Kahramanmaras, onde não se encontram nem a decoração nem um festejo específico. “Não tem Réveillon aqui. Mas, nesta passagem, a gente pensa: novo ano, novas oportunidades”, reforça Ertugrul Tanriverdi, morador da cidade.

Origem das festas

Foi Constantino, o primeiro imperador romano convertido ao Cristianismo, que se apropriou das festas pagãs para trazer à Bizâncio, depois chamada de Constantinopla, hoje Istambul, o nascimento de Cristo para este período do ano.

A brasileira Vivian Faria conta que, quando veio morar na Turquia, achou triste não ter nada nos dias 24 e 25 de dezembro. Mas, desde que o filho nasceu, monta a árvore a apresenta a ele o calendário do advento.“O calendário mostra, por exemplo, os cuidados com a casa, com o ambiente. Cada dia tem uma inspiração para que algo seja feito. Para que estes sentimentos, para que estes valores sejam despertados e trabalhados”, exemplifica.

A brasileira Vivian Faria e seu filho turco-brasileiro, Ali Gael.
A brasileira Vivian Faria e seu filho turco-brasileiro, Ali Gael. © arquivo pessoal

Mãe do turco-brasileiro Ali Gael, de 6 anos, Vivian, que é educadora parental, reforça seu desejo de que ele esteja conectado com a parte da identidade cultural brasileira dele. “É uma data que faz muito sentido no Brasil, que é um país cristão. Então, eu trago para que ele tenha mais uma referência do ritual que a gente faz quando está no Brasil”, afirma Vivian.

Independentemente da religião, a festividade do Natal tem mais de 10 mil anos e está ligada ao solstício de inverno no Hemisfério Norte. Tempo de enaltecer a luz para a agricultura que leva comida à mesa: Mutlu Noeller, Merry Christmas, Feliz Natal.

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