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Reportagem

Retrospectiva Covid-19: um ano depois, fim da pandemia ainda é uma incógnita

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Em 11 de janeiro de 2020, a China anunciava a primeira morte por coronavírus, um homem de 61 anos. No início, a doença foi minimizada pelas autoridades sanitárias e governos e acabou se espalhando rapidamente por todos os continentes. Um ano depois, o mundo continua enfrentando uma das piores pandemias da história da humanidade.

Chineses em um terminal de ônibus na periferia de Pequim, nesta segunda-feira, 11 de janeiro de 2021.
Chineses em um terminal de ônibus na periferia de Pequim, nesta segunda-feira, 11 de janeiro de 2021. AP - Andy Wong
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Há exatamente um ano, os pouco mais de 40 infectados eram comerciantes ou consumidores de um mercado alimentício de Wuhan, no centro-leste da China, cidade que mais tarde seria declarada como o berço da pandemia. As autoridades sanitárias chinesas teriam registrado os primeiros casos da doença em novembro de 2019. Um mês depois, o país enfrentava um surto de uma "misteriosa pneumonia viral".

Na época, não se sabia quase nada sobre o vírus e pairavam muitas dúvidas sobre a doença e seu modo de transmissão. No início de 2020, não se sabia nem que sua propagação era possível entre humanos. Mas a partir de Wuhan, a doença se espalhou rapidamente para várias regiões da China, levando o governo a impor à metrópole de 11 milhões de habitantes um rigoroso lockdown em 23 de janeiro, durante mais de dois meses.  

A medida chegou tarde demais. Outros países asiáticos, como Tailândia, Japão e Coreia do Sul, já anunciavam os primeiros casos da doença. Depois de muita hesitação, em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu declarar estado de emergência global em razão do coronavírus. Mas foi apenas em 11 de fevereiro que a doença ganhou um nome oficial: Covid-19.

Xenofobia contra chineses

A doença se disseminou ao mesmo tempo que o racismo e a xenofobia contra asiáticos. Na Europa, imigrantes chineses chegaram a ser estigmatizados até nas escolas. Restaurantes e lojas de produtos asiáticos deixaram de ser frequentados.

Nas redes sociais, os chineses foram responsabilizados por terem criado e espalhado a doença. Os rumores se baseavam na crença de que eles comiam pratos feitos à base de carne crua de morcego, animal apontado como o vetor intermediário do coronavírus.

Em fevereiro de 2020, em pleno lockdown, Heros Fernandes Martines, estudante brasileiro em Wuhan, criticou esses preconceitos. “Eu acredito que a maior parte da crença popular sobre a alimentação chinesa é bem estereotipada. Eu nunca vi essa sopa de morcego, nem imaginava que existia isso aqui”, afirmou.  

Primeiros casos e mortes de Covid-19 na Europa

Em 15 de fevereiro, a França registrou a primeira morte por coronavírus na Europa: um turista chinês de 80 anos que estava hospitalizado em Paris desde o final de janeiro. Poucos dias depois, dois cidadãos franceses que haviam voltado recentemente da China testaram positivo. Em 24 de fevereiro de fevereiro de 2020, ao ser questionada por jornalistas franceses sobre o risco de uma epidemia da doença na França, a ministra da Saúde da França, Agnès Buzyn, descartou a possibilidade.   

“O risco de importação de casos de Wuhan à França é moderado, mas atualmente zero porque a cidade está isolada. O risco de casos secundários na França em torno de um caso importado da China é muito baixo. E o risco de propagação do vírus à população francesa também é muito baixo”, declarou.  

No entanto, o vírus não conhece fronteiras e, como ocorreu na Ásia, se espalhou rapidamente pela Europa, principalmente na Itália. Regiões do norte do país foram as primeiras a impor um lockdown no velho continente. Em poucos dias, o país se torna o epicentro do coronavírus no continente europeu.

No final de fevereiro, o italiano Stefano Vignoli conversou com a RFI sobre o lockdown que vivia em Florença, no norte da Itália. “Não podemos sair da cidade, a não ser por motivos de saúde ou trabalho. Nossa preocupação aumenta a cada dia. Todas as noites, o governo anuncia novas medidas na televisão que temos que cumprir a partir da manhã seguinte. Estamos conscientes de que vivemos uma enorme crise sanitária”, afirmou.

Em todo o planeta, as pessoas começaram a se dar conta da gravidade da situação. Mas foi apenas em 11 de março que o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, oficializou a pandemia de coronavírus.

"Há hoje 118 mil casos de Covid-19 em 114 países e 4.291 pessoas perderam suas vidas. Nos próximos dias e semanas, o número de casos, mortes e de países afetados vai subir ainda mais. Por isso, a Covid-19 pode ser caracterizada como uma pandemia", anunciou.

Cinco dias depois, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciava um rígido lockdown de dois meses. O país inteiro fechou: sair de casa era possível só por motivos de saúde ou compra de mantimentos. A distância máxima que os franceses podiam se deslocar era de 1 km ao redor de suas casas. Os hospitais começavam a enfrentar superlotação, não havia leitos, nem testes suficientes para todos.

“Estamos em guerra. Em guerra sanitária, claro. Não estamos lutando contra um exército ou contra um outro país. Mas o inimigo está aqui, invisível e avançando. E isso pede uma mobilização geral”, declarou Macron em um discurso, em cadeia nacional de rádio e televisão.

Depois dos cidadãos, foi a vez dos líderes adoecerem. Um dos primeiros contaminados foi o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Nas redes sociais, ele declarou ter desenvolvido apenas "sintomas leves". No entanto, alguns dias mais tarde teve que ser internado e chegou a usar respiradores artificiais.

Inicialmente cético ao lockdown, o premiê britânico mudou de postura depois de ter enfrentado a doença. A decisão tardia, no entanto, contribuiu para que o Reino Unido fosse um dos países mais castigados pela doença no mundo.

Vários chefes de Estado foram contaminados pela Covid-19: o americano Donald Trump, o brasileiro Jair Bolsonaro, o francês Emmanuel Macron e até mesmo o príncipe Charles. A doença também foi responsável pela morte de diversas personalidades como o ex-presidente francês Valéry Giscard D'Estaing, o ator britânico David Prowse, o escritor chileno Luís Sepúlveda, o cantor e compositor Aldir Blanc, a atriz Nicette Bruno, entre outros.

O "novo normal": se adaptar para viver

Enquanto a Europa e a inteira se fechava e enfrentava uma trágica primavera – alguns países registravam cerca de mil mortos por dia – a doença se espalhava pelo mundo. Cidades inteiras ficaram desertas. Foi preciso incorporar "o novo normal" e se adaptar para viver, trabalhar, estudar, para se relacionar. A distância social passou a ser regra. A máscara, a principal arma. Confiscos de carregamentos de máscaras chegaram a ser motivo de discórdia entre os países.

Enquanto isso, laboratórios do mundo inteiro lançavam uma verdadeira corrida contra o relógio para o desenvolvimento de mais de dezenas de vacinas em tempo recorde. Paralelamente aos esforços da ciência e à forte progressão da doença, surgiram as teorias complotistas e fake news sobre a pandemia invadiram as redes sociais, que ganharam força diante da indiferença de alguns líderes.

Nos Estados Unidos, no final de fevereiro, o presidente Donald Trump afirmou que a pandemia terminaria em abril. “Vai desaparecer. Um dia, como um milagre, a doença vai sumir”, afirmou. No início de julho, o republicano garantiu que a pandemia estava “sob controle”.

Os Estados Unidos são o país mais castigado pelo coronavírus, com quase 375 mil mortos e cerca de 22,5 milhões de contaminações. Na última sexta-feira (8), bateu o recorde de mortes diárias por Covid-19 e registrou 4.085 óbitos em apenas um dia.

O Brasil oscila entre a segunda e a terceira posição dos países mais atingidos pela Covid-19. Várias declarações do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a tratar a doença como “uma gripezinha”, chocaram o mundo.

“Essa é uma uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra, não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia”, afirmou em 29 de março.

“Eu não sou coveiro, tá?”, declarou Bolsonaro, em 20 de abril, em frente ao Palácio do Planalto, a um jornalista que perguntava sobre a quantidade de mortos por conta do novo coronavírus. Dias depois, o presidente usou o mesmo tom de deboche, ao comentar cinco mil óbitos por Covid-19 no Brasil: “E daí? Quer que eu faça o quê?”.

"Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas”, afirmou, ao comentar a evolução da epidemia no Brasil, em 10 novembro. "Tudo agora é pandemia, tem que acabar esse negócio", reiterou.

De acordo com dados da universidade Johns Hopkins, o Brasil contabiliza mais de 8,1 milhões de contaminações e cerca de 203 mil mortes desde o início da crise sanitária.  

Segunda onda da Covid-19

O lockdown trouxe os resultados esperados nos países que insistiram na medida, apesar de fortes críticas sobre a interferência nas liberdades individuais. Em maio, ao anunciar o levantamento gradual de algumas restrições, o então primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, resumiu o sentimento de otimismo na França.

“Os resultados são bons no plano sanitário. Mesmo continuando prudentes, as notícias são boas. A liberdade, enfim, vai voltar a ser a regra e a proibição será a exceção”, afirmou.

A flexibilização das medidas coincidiu com a chegada do verão no Hemisfério Norte. A população voltou às ruas, lotou aeroportos, praias e pareceu dar sinais de ter esquecido a tragédia dos primeiros meses de 2020. Nas mídias, médicos e especialistas advertem para a possibilidade de uma segunda onda, que parece não encontrar consenso, nem sensibilizar as pessoas.

Em agosto, a Rússia anunciou ter homologado a vacina "Sputinik V". Outros laboratórios avançam em seus projetos de imunizantes, principalmente a Pfizer/BioNTech, a Astrazeneca e a Moderna, que preveem a chegada de seus produtos no fim de 2020. A quantidade de casos volta a crescer na Europa e a máscara passa a ser obrigatória até mesmo ao ar livre.  

No início do outono no Hemisfério Norte, a segunda onda chegou com força total. Toque de recolher, novos lockdowns, fechamento de bares, restaurantes, academias e todos os locais de cultura: a Europa voltou a impor restrições. Laboratórios anunciaram testes promissores com as vacinas e até 90% de eficácia. No entanto, o movimento antivacina ganhou força e um espaço exagerado nas mídias, avalia a co-diretora do Observatório da Saúde Mundial, Anne Sénéquier.

“Talvez o erro tenha sido dar muito espaço à desconfiança sobre as vacinas. Houve um aumento do ceticismo nos últimos meses, isso é certo. Mas atualmente estamos finalmente dando voz às pessoas que querem ser vacinadas. E isso é um bom sinal”, diz.

Início das campanhas de vacinação

No início de dezembro, o Reino Unido foi o primeiro país a aprovar a vacina da Pfizer/BioNTech, seguido pelos Estados Unidos e a Europa. Na América Latina, quem saiu na frente é o Chile, em 16 de dezembro. Já a Argentina começou a campanha de vacinação com a vacina russa em 29 de dezembro.

Entre o final de 2020 e o início de 2021, a OMS alertou para o risco da terceira onda da Covid-19: as contaminações e mortes subiram após as festas de fim de ano. Enquanto isso, outros imunizantes – como os da Moderna e da AstraZeneca  – foram aprovados e começam a ser utilizados. No total, mais de 50 países já começaram a vacinar suas populações.

Os governos europeus se deram conta de que tinham em suas mãos um outro grande desafio: a logística da distribuição dos produtos e o gerenciamento das campanhas de vacinação. França e Alemanha receberam duras críticas pela demora em realizar o processo.

Exemplo de sucesso, Israel conseguiu imunizar 17% de sua população em apenas três semanas. Profissionais de saúde, como a assistente social e psicoterapeuta carioca Deborah Erlich, tiveram prioridade. Ela conversou sobre essa experiência com a RFI.

“Eu acho que no momento em que você vê médicos e diretores de departamentos se vacinando, por que você não vai se vacinar? Eles entendem muito mais do assunto do que eu. Então, eu confio neles. São pessoas que salvam vidas todos os dias. Se eles acreditam na vacina, por que eu não vou acreditar?”, questiona.

Se a chegada das vacinas parece ser a luz no fim do túnel, o surgimento de duas novas variantes, mais transmissíveis - uma originária do Reino Unido e outra da África do Sul - preocupam. Autoridades sanitárias acreditam no poder dos imunizantes, mas adiantam que a batalha contra a Covid-19 ainda deve monopolizar todo o ano de 2021.

Neste 11 de janeiro de 2021, um ano depois da primeira morte por coronavírus na China, o mundo registra mais de 90 milhões de casos da doença e quase dois milhões de mortes.

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