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Planeta Verde

Fim do garimpo ilegal em terras indígenas deve passar por maior rastreabilidade do ouro brasileiro

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A crise humanitária dos indígenas Yanomami gerou comoção internacional e fez o governo federal endurecer as leis contra o garimpo clandestino. O problema da invasão de terras indígenas por garimpeiros é antigo, mas nos últimos anos se agravou com o envolvimento do crime organizado. De acordo com especialistas, a melhora da rastreabilidade, com aumento das exigências sobre a origem do ouro comercializado no Brasil, é o caminho para acabar com as invasões. 

Um garimpeiro ilegal mostra uma pequena pepita de ouro a bordo de seu barco em um rio na bacia Amazônica, ao sul de Porto Velho, no noroeste do estado de Rondônia, em 27 de agosto de 2019.
Um garimpeiro ilegal mostra uma pequena pepita de ouro a bordo de seu barco em um rio na bacia Amazônica, ao sul de Porto Velho, no noroeste do estado de Rondônia, em 27 de agosto de 2019. AFP - CARL DE SOUZA
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Ana Carolina Peliz, da RFI

A expansão do garimpo predatório é um problema grave que se agravou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e com a crise econômica, que valorizou o ouro no mercado internacional.

De acordo com relatório do Instituto Escolhas, entre 2015 e 2020 o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade. Isso significa que quase a metade do ouro produzido e exportado pelo país tem origem duvidosa. Desse volume, mais da metade é proveniente da Amazônia. 

Para Larissa Rodrigues, gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, a legislação sobre o comércio do ouro no Brasil facilita as invasões criminosas.

"Infelizmente no Brasil, nos últimos anos, a gente construiu um arcabouço legislativo que cria uma cena de crime perfeito na Amazônia", diz. "A mudança da lei, em 2013, estipulou que o ouro pode ser vendido apenas com o preenchimento de um formulário de papel", diz, se referindo à Lei 12.844, que trata da venda e compra do ouro.

Transações baseadas na palavra

Existe um artigo da lei que permite que as transações sejam baseadas apenas na palavra e "na boa fé" dos envolvidos, como explica a especialista. 

"Isso gera uma situação bastante absurda porque eu realmente desconheço qualquer outro produto, qualquer outro mercado que funcione com a palavra, com a boa fé de quem está fazendo essa compra. E a gente sabe que de boa fé não tem nada, infelizmente", lamenta.

Todo ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido obrigatoriamente para empresas autorizadas pelo Banco Central, as distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVM). Como não existe, no país, qualquer mecanismo de rastreabilidade, durante a comercialização, o ouro ilegal pode ser facilmente declarado como vindo de áreas autorizadas. Basta indicar nos registros o número de um título de extração válido. 

A regra dificulta a responsabilização criminal dos donos das DTVMs e permite que elas comprem grandes volumes de ouro em regiões tomadas pela exploração ilegal, sem fazer qualquer averiguação.

Um garimpeiro em região ilegal pesa uma pepita de ouro em um barco em um afluente do rio Amazonas, no sul de Porto Velho, em Rondônia, em 27 de Agosto de 2019.
Um garimpeiro em região ilegal pesa uma pepita de ouro em um barco em um afluente do rio Amazonas, no sul de Porto Velho, em Rondônia, em 27 de Agosto de 2019. AFP - CARL DE SOUZA

Nota fiscal de papel

Essa legislação, de acordo com Larissa Rodrigues, permitiu o aumento exponencial do garimpo nos últimos anos principalmente em terras indígenas, possibilitando a "lavagem" do ouro, ou seja, que ele entre no mercado como se fosse legal. 

Outro ponto ressaltado pelo Instituto Escolhas, é que o ouro de garimpo ainda é comercializado com notas fiscais de papel.

 "No Brasil, hoje em dia, qualquer operação de comércio, numa padaria, numa loja, tem nota fiscal eletrônica, mas para o ouro de garimpo, isso ainda é em papel. Eu diria que a gente está na idade da pedra nos controles do ouro e isso não é a toa. A gente sabe que tem pessoas lucrando bilhões de dólares todos os anos com esse tipo de comércio ilícito", insiste Larissa.   

Em entrevista recente ao programa Voz do Brasil, da EBC, o ministro da Justiça Flávio Dino defendeu que o dispositivo da legislação sobre o comércio de ouro, citado por Larissa, seja considerado inconstitucional. 

Envolvimento do crime organizado 

Exatamente devido à facilidade de fraude, o mercado do ouro tem sido utilizado para lavar dinheiro oriundo de diferentes atividades ilegais, inclusive do tráfico de drogas.

Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, salienta que uma das maiores dificuldades do presidente Lula na aplicação do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal — criado em 2004 com o objetivo de proteção da floresta — será exatamente o envolvimento do crime organizado nas atividades predatórias, entre elas o garimpo

"A grande diferença, no meu ponto de vista, que dificulta ainda mais um plano que já é complexo por sua essência é exatamente este envolvimento maior do dinheiro de quadrilhas criminosas", analisa. "Por exemplo, na região do sul da Amazônia onde morreram o Dom e o Bruno, as quadrilhas são de tráfico de armas, na terra indígena Yanomami, o envolvimento é do dinheiro do PCC, que não está na linha de frente, mas financia grande parte de tudo isso." 

O relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública "Cartografia das Violências na Região Amazônica" destaca que grande parte da destruição da floresta é fruto de atividades ilegais, alimentadas por facções criminosas nacionais e transnacionais. 

"Não é somente lá que elas atuam, mas isso é uma novidade, que no meu ponto de vista foi impulsionada pela opção de não fazer nada, pela omissão, pela implosão de políticas públicas que ocorreu durante os quatro anos do governo Bolsonaro", salienta Suely de Araújo.

Fechar o cerco

Para Larissa, para tirar os garimpeiros das terras dos Yanomami é necessário mudar as leis do mercado do ouro e aplicar medidas de rastreabilidade, como no caso de outras comodities como a madeira ou o couro. 

"Você tem que fechar o cerco do mercado, começar a cobrar comprovação de origem, licença ambiental, as documentações todas de autorizações para deixar o mercado controlado de tal maneira que essas pessoas não tenham mais incentivo para entrar na terra indígena", diz.

A especialista também ressalta que os bilhões de dólares ganhos com a venda de ouro ficam nas mãos de algumas pessoas ou empresas que dominam a ponta desse mercado

Grande parte vai para fora do Brasil e é usado para alimentar o setor joalheiro e financeiro no exterior. O comércio do minério praticamente não tem arrecadação tributária, já que ouro de garimpo não paga imposto sobre circulação de mercadoria (ICMS), mas apenas uma taxa sobre operações financeiras (IOF) pequena, porque é considerado um ativo financeiro, gerando poucos benefícios para o Brasil. 

 

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