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Planeta Verde

Polêmica sobre emissões de jatinhos de celebridades pode levar a mais regulação do setor na Europa

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Enquanto cada vez mais pessoas comuns se preocupam com o impacto climático do uso dos transportes no dia a dia, bilionários continuam a pegar jatinhos privados para viajar – e o que é pior, não se constrangem em se deslocar a bordo de um avião particular para fazer distâncias curtas, de dezenas de quilômetros. A polêmica gerada na esteira da divulgação dos hábitos de viagens de celebridades e ricos empresários leva países como a França a colocar o tema na mira de uma regulação mais rigorosa. 

A estrela pop americana Lady Gaga sai de seu jato particular no aeroporto de Sydney em 9 de julho de 2011.
A estrela pop americana Lady Gaga sai de seu jato particular no aeroporto de Sydney em 9 de julho de 2011. AFP - DEAN LEWINS
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Lúcia Müzell, da RFI

Nas últimas semanas, as revelações na internet causaram constrangimento a nomes como a cantora Taylor Swift ou o francês Bernard Arnault, dono do grupo de luxo LVMH, por trás de marcas como Louis Vuitton. Um voo de jatinho emite no mínimo 10 vezes mais gases de efeito estufa do que um avião comercial, conforme o número de passageiros a bordo. A comparação com um carro é ainda mais estarrecedora: uma hora de voo de jatinho equivale, em média, ao uso anual de um veículo convencional em um país desenvolvido.

É por isso que algumas organizações ambientais consideram que chegou o momento de proibir os voos curtos de jatinho. Em março, a França baniu os voos nacionais que podem ser feitos de trem em até 2h30 – mas os jatinhos ficaram de fora da nova lei. 

“Sim, devemos proibir desde já as linhas curtas. Isso já aconteceu na França para os voos comerciais e deve se estender aos jatinhos, para trajetos inclusive maiores, de até quatro horas. Fizemos um estudo que mostrou que a rede ferroviária francesa pode absorver esses passageiros”, afirma Pierre Leflaive, especialista em transportes da Réseau Action Climat, hub de 26 associações ambientais francesas. “Precisamos regular a frequência e a utilização dos voos em geral. É claro que podemos ter exceções, como os voos por razões médicas ou militares. Mas a verdade é quando estamos falando de jatos privados, falamos de bilionários. A fortuna média dos usuários é de € 1,3 bilhão”, aponta.

Relatório 

Baseado em dados públicos sobre a aviação, um relatório do grupo Yard revelou no início de agosto que as celebridades que mais usam jatos privados emitiram em média 3,37 toneladas de CO2 em voos apenas em 2022 – 482,3 vezes mais do que as emissões anuais de uma pessoa sem acesso a este privilégio. O estudo mostrou ainda que a duração média de voo é de 71,7 minutos e a distância, de 107,7 quilômetros. 

Para se ter uma ideia o que isso representa, viajar em um jato privado comum é 50 vezes mais poluente do que em um trem, conforme apontou a organização Transport & Environnement, presente em vários países da Europa.

“Todo o setor da aviação polui muito, pela combustão de querosene, principalmente no momento da decolagem e da aterrissagem. Nos jatos privados é mais problemático porque há um número limitadíssimo de passageiros dentro, que fazem principalmente trajetos curtos. Ou seja, são mais decolagens e aterrissagens para levar pouca gente”, critica Leflaive.

Justin Combs e Christian Combs se exibem em jatinho - um comportamento que os ambientalistas denunciam. (12/04/2019)
Justin Combs e Christian Combs se exibem em jatinho - um comportamento que os ambientalistas denunciam. (12/04/2019) Getty Images via AFP - ARAYA DIAZ

Apesar do balanço ambiental catastrófico, e em meio a uma grave crise energética que obriga a população a economizar, o setor de jatos privados comemora uma expansão recorde na Europa desde a pandemia de coronavírus, com alta de até 20% da demanda, segundo a principal operadora francesa, Aeroaffaires. 

“Difícil pensar em algo pior”

Mesmo sem proibição dos voos, é possível limitar a pegada de carbono da aviação particular. As alternativas vão desde a adoção de impostos de compensação à obrigação de as aeronaves voarem com motores mais sustentáveis, inclusive elétricos ou movidos a biocombustíveis. A título de comparação, um Beechcraft Hawker 400XP chega a emitir quase quatro vezes menos CO2 do que um potente Dassault Falcon 7X.

Melhores práticas também podem ser introduzidas, como banir os voos vazios – quando um jatinho voa apenas para buscar um passageiro.

“Não consigo pensar num hábito que seja pior para o planeta do que o uso frequente de jatinho”, brinca o economista Samuel Sauvage, especialista em economia sustentável. “Num voo normal, se você faz um trajeto ida e volta de Paris a Nova York, você vai emitir cerca de 2 toneladas de CO2, que é o que nós deveríamos emitir por ano se quisermos cumprir o Acordo de Paris. Mas se você faz essa viagem de jato privado, vai gerar no mínimo cinco vezes mais emissões. Ou seja, é difícil pensar em algo pior.”

O ministro francês dos Transportes, Clément Beaune, disse que o assunto será tratado pelo governo nas próximas semanas, no quadro do "Plano da Sobriedade Energética" elaborado pelo país. Também na Bélgica, o tema despertou a atenção dos deputados ecologistas neste retorno das atividades parlamentares, após as férias de verão na Europa. 

Enquanto os “reles mortais” sofrem com secas extremas e enchentes devastadoras, para citar apenas algumas das consequências das mudanças climáticas, os hábitos extravagantes dos ricos geram indignação. Além disso, atrapalham na responsabilização coletiva sobre a crise ambiental, ao provocarem a sensação de que os maiores poluidores mantêm seus privilégios e continuam a emitir gases prejudiciais ao planeta, sem qualquer consequência.

“Ao mesmo tempo em que pedem esforços para toda a população gastar menos, se comportar melhor, e que ela toma consciência sobre a crise climática e os seus impactos, uma pequena parte da população, superpoluidores e responsáveis pela maior parcela das emissões, proporcionalmente, não paga as consequências. Isso gera muitas questões de aceitação, por parte das pessoas”, critica Pierre Leflaive, da Réseau Action Climat. “50% dos franceses emitem em média 5 toneladas de CO2 por ano, mas os 10% mais ricos emitem em média 25 toneladas”, frisa.  

Impacto simbólico da proibição

Samuel Sauvage segue na mesma linha: o economista considera que regular o setor teria um importante efeito simbólico para o conjunto da sociedade.

“A fração de pessoas mais ricas da sociedade se autoriza a poluir muito mais que a média dos habitantes e ainda se exibe assim nas redes sociais. Elas são um exemplo para muita gente. Em porcentagem, as emissões dos jatinhos são baixas, mas o impacto simbólico desse comportamento é considerável”, nota o economista. “Por isso, poderíamos começar com impostos específicos, como o que foi adotado para os iates, e idealmente transferir os recursos para viabilizar a queda do preço dos transportes menos poluentes, como o trem.”

Mesmo assim, o especialista não se engana: uma taxa não seria suficiente para os ricos abandonarem de vez os jatinhos, e medidas mais drásticas serão necessárias no futuro.

“É preciso planejar a transição para o fim destes jatos privados, com a participações das cidades, que deverão fechar, progressivamente, os aeroportos de negócios que atendem a essa clientela, afinal consideramos que os jatinhos são incompatíveis com uma sociedade sustentável”, diz o economista.

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