Analistas explicam por que Brasil não adota ações como países vizinhos para pressionar pelo fim dos ataques em Gaza
Publicado em:
Ouvir - 05:45
Diferentemente de alguns vizinhos da América do Sul, o Brasil não dá mostras por enquanto de que vai sair do discurso e adotar ações econômicas ou diplomáticas mais assertivas para pressionar pelo fim dos ataques, dizem analistas ouvidos pela RFI.
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Venda de carnes e grãos, compra de petróleo, parcerias na área de equipamentos militares e uma longa tradição de cordialidade diplomática fazem com que o Brasil siga pedindo a libertação de reféns pelo Hamas e condenando ataques de Israel na Faixa de Gaza sem, no entanto, interromper o comércio com a região ou adotar uma postura diplomática mais incisiva.
A Bolívia chegou a anunciar o rompimento de relações com o governo de Benjamim Netanyahu e o Chile e a Colômbia chamaram de volta seus embaixadores em Israel, medida diplomática que significa desaprovação às ações daquele país. Mas o Brasil tem questionado se deve adotar medidas mais concretas.
"Quando a gente fala da Bolívia, do Chile, da Colômbia, falamos de Estados menos expressivos em termos de conexão, ligação comercial, ligação bilateral com Israel, sobretudo relevância internacional", afirmou à RFI Rodrigo Amaral, pesquisador de Relações Internacionais da PUC-SP e especialista em Oriente Médio.
"O Brasil é o país mais importante não só da América do Sul, mas da América Latina. Então o custo para o Brasil é mais alto. É um país que tem grande aproximação com os Estados Unidos, mas também com a China. E assim tem se apresentado como importante mediador”, diz.
De acordo com ele, o Brasil já adotou, em discursos, uma "posição intensa e contundente sobre o conflito". Agora, diz, faltam medidas de fato. "Não basta acusar Israel de genocídio. Há a necessidade de medidas mais ativas, no sentido de boicotar para pressionar pelo fim da guerra. Mas ao menos até aqui não antevejo o país adotando algo nessa linha”, completou Amaral.
Etapas anteriores para expressar críticas
O analista Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, considera a postura da Bolívia "drástica". Ele alerta que isso pode prejudicar inclusive bolivianos que vivem em Israel. “Em relações internacionais, espera-se que relações diplomáticas não sejam rompidas nunca. Há outras etapas anteriores para expressar crítica, como a convocação de seus embaixadores, como fizeram Chile e Colômbia, o que já é uma medida relevante”, afirma.
“O Brasil já fez isso em outras situações, de chamar de volta seu embaixador, como no golpe de Estado no Paraguai em 2012. Mas é algo que neste momento não vejo o Brasil fazendo, exatamente porque o país está buscando construir uma posição de mediador do conflito", ressalta Murta.
Balança comercial
Há ainda um elemento interno que reforça a tática do Brasil ao tratar do conflito em Gaza. A sociedade continua polarizada e uma parcela de eleitores, com destaque para os evangélicos, tem erguido a bandeira de Israel como se estivessem defendendo a terra prometida do antigo testamento. Por sua vez, têm crescido nas redes sociais apelos pelo fim dos ataques israelenses.
Em outra frente de pressão, as negociações com o mundo árabe têm peso importante para o agronegócio. "Tanto nas negociações bilaterais quanto no Mercosul, principalmente Argentina e Brasil, são muitos os interesses econômicos na região. Brasil e Argentina exportam muitos produtos agrícolas para o Oriente Médio, para os países árabes. A gente importa também alguns bens vinculados a petróleo, mas a gente tem uma balança comercial de exportação significativa, de produtos do agronegócio como um todo. Essa pauta comercial é até mais significativa do que as relações que o Brasil tem com Israel. O Brasil, com Israel, acaba comprando muitos equipamentos militares, é uma outra relação”, afirmou Arthur Murta.
Saída pelo Egito
Brasileiros que aguardam a liberação para atravessarem a fronteira com o Egito e embarcarem no vôo da FAB rumo ao Brasil, esperam que até sexta-feira sejam autorizados a cruzar a fronteira, que começou a ser aberta nessa quarta-feira.
"Mais de um milhão de pessoas migraram internamente para lá. E agora finalmente começou um processo que é muito, muito lento de saída de palestinos e pessoas de outras nacionalidades. E essa abertura foi possível através da mediação internacional de outros atores, com destaque para o Catar, que tem relações diplomáticas e políticas muito próximas com o grupo Hamas", destaca Rodrigo Amaral.
"Vale mencionar que as lideranças do Hamas não estão em Gaza, estão no Catar. Eu acrescentaria, além do Catar, os Emirados Árabes Unidos, a Jordânia, nesse negociação com Egito e Israel”, explicou.
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro