Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Cúpula do Mercosul revela quatro anos de estagnação do bloco em negociações com outros países

Publicado em:

Na 62ª Reunião de Cúpula do Mercosul, na cidade argentina de Puerto Iguazú, os países do bloco terão a agenda de negociações externas -sem avanços nos últimos quatro anos- como alvo principal para os próximos seis meses de Presidência do Brasil. A grande expectativa gira em torno do acordo Mercosul-União Europeia, pendente de conclusão. A adesão da Bolívia e retorno da Venezuela ao bloco aparecem num horizonte, condicionado pelas posições ideológicas de cada governo.

O atual governo brasileiro destaca que o Mercosul é a quinta maior economia do mundo.
O atual governo brasileiro destaca que o Mercosul é a quinta maior economia do mundo. Flickr/ Mercosur
Publicidade

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Esta é a primeira reunião em que os presidentes se verão cara a cara desde que foi declarada a pandemia, mas também desde que Brasil e Argentina passaram a ter governos ideologicamente adversários, com o então presidente Jair Bolsonaro, de um lado, e com o argentino Alberto Fernández, do outro.

"As tentativas de relançamento do Mercosul, como é um dos objetivos deste encontrou em Puerto Iguazú, têm alcances limitados, devido às situações econômicas, tanto regionais quanto globais. Além disso, as convergências e as divergências ideológicas são outro motivo de limitação para os avanços”, indica à RFI o analista internacional Rosendo Fraga, um dos principais especialistas da região.

No que se refere à agenda externa de negociações por acordos de livre comércio com outros blocos e países, os últimos quatro anos não tiveram avanços. Pelo contrário, veem-se retrocessos em algumas negociações. É como se o Mercosul tivesse parado em 2019, a não ser por um incipiente diálogo -não negociações- com os Emirados Árabes Unidos.

Em 6 de junho de 2019, por exemplo, o Mercosul divulgou que pretendia concluir até o final daquele ano acordos de livre comércio com Singapura, Canadá e até Coreia do Sul.

Na semana passada, através da embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe, o Itamaraty informou que o Mercosul está em negociações com Singapura e Canadá. Ou seja: a mesma agenda de quatro anos atrás, mas já nem menciona a negociação com a Coreia do Sul, que esfriou.

A embaixadora também destacou os diálogos com a República Dominicana e com El Salvador. Esses diálogos – não negociações- já aconteciam em 2019, incluindo ainda Honduras e Guatemala.

O embaixador Maurício Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, informou que o Mercosul busca fechar dois acordos com a Europa: um com a União Europeia; outro, com a Associação Europeia de Livre Comércio (Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia).

Porém, esses acordos já tinham sido fechados em 2019. Nenhum dos dois foi ratificado e o Mercosul está exatamente no mesmo patamar de quatro anos atrás, tentando ainda um entendimento.

"O Mercosul precisa de uma modernização sob o risco de tornar-se irrelevante. Tem um modelo obsoleto de integração. É o bloco menos internacional de todos no mundo", aponta à RFI o consultor argentino em negócios internacionais, Marcelo Elizondo, um dos maiores especialistas sobre Mercosul.

"Dos 20 blocos de integração no mundo, o Mercosul é o que menos comércio exterior tem em relação ao seu Produto Interno Bruto. A relação exportações versus PIB é de 14,9% enquanto a média no mundo é de 33%. Na União Europeia, por exemplo, é de 51%", compara.

A agenda desta segunda-feira (3), começa às 10 da manhã com uma reunião dos chanceleres dos países membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), com a Bolívia como país em estado de adesão desde 2012.

Às 15 horas, além de outra reunião de chanceleres, haverá, em paralelo, a reunião de ministros da Economia e de presidentes dos Bancos Centrais. Mas, do lado brasileiro, não estarão presentes nem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nem o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Foco na União Europeia pelos próximos meses

Os países do Mercosul, como um todo, e o Brasil, em particular, querem destravar o acordo Mercosul-União Europeia, fechado em junho de 2019. Também querem ratificar o acordo Mercosul-Associação Europeia de Livre Comércio, fechado em agosto de 2019.

O Brasil está preparando uma contraproposta à União Europeia que será primeiro apresentada aos parceiros do Mercosul. Depois das considerações de Argentina, Paraguai e Uruguai, o texto comum será encaminhado à União Europeia. O objetivo é que o texto seja apresentado antes da reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) e da União Europeia, em Bruxelas, nos próximos dias 17 e 18.

O Brasil ainda não terminou de preparar o documento. Portanto, não será apresentado nesta reunião do Mercosul. A tendência de Argentina, Paraguai e Uruguai é a de seguirem a postura do governo brasileiro porque o país que mais discorda de determinados pontos é o Brasil.

“Acho que estamos muito próximos de apresentar aos parceiros do Mercosul as nossas avaliações e, posteriormente, apresentar aos parceiros da União Europeia”, apontou Maurício Lyrio.

A Argentina tem preocupações com a competitividade de pequenas e médias empresas. Sem indústrias a defenderem, Paraguai e Uruguai não têm objeções.

Em março, a União Europeia incorporou compromissos ambientais adicionais ao acordo de 2019, incluindo a possibilidade de sanções aos países que não cumprirem com as novas cláusulas. O Brasil não aceita a imposição de sanções, postura acompanhada pelos demais países do Mercosul.

O Brasil também quer alterar o capítulo de compras governamentais que prejudica as empresas brasileiras que passariam a concorrer em igualdade de condições por um mercado de 150 bilhões de dólares anuais, fundamental para a sobrevivência de centenas de empresas.

Durante a presidência temporária do Brasil até dezembro, a maior expectativa do Mercosul é pela conclusão desse acordo com a União Europeia.

Bolívia e Venezuela como membros plenos

São pequenas as chances para esses dois países normalizarem a sua situação como membros plenos do Mercosul. A Bolívia está em "processo de adesão" ao bloco desde dezembro de 2012.

O último passo necessário para que a Bolívia seja aceita é uma aprovação por parte do Senado brasileiro, mas, por razões ideológicas, esse processo está bloqueado.

O governo do presidente boliviano, Luis Arce, é de esquerda; o Senado brasileiro, de maioria de direita. O governo boliviano é um aliado do regime de Nicolás Maduro. Essa associação é vista como preocupante pela direita.

“A eventual incorporação da Bolívia como membro pleno não vai acontecer, mas, se acontecesse, ainda complicaria a assinatura de acordos comerciais com outros blocos”, observa Rosendo Fraga.

Já o caso da Venezuela é ainda mais complicado. A Venezuela tornou-se membro pleno do Mercosul em 2012, mas quatro anos depois, em dezembro de 2016, foi suspensa por não ter incorporado o arcabouço normativo do bloco. Em agosto de 2017, foi também suspensa por "ruptura da ordem democrática" e a decisão afirmava que “a suspensão cessará quando se verifique o pleno restabelecimento da ordem democrática na República Bolivariana da Venezuela”.

Por isso, primeiro o regime de Nicolás Maduro precisará dar sinais claros de vigor democrático. Para isso, as eleições do ano que vem serão uma oportunidade, se forem livres e transparentes.

“Por razões ideológicas, o caso da Venezuela divide o Mercosul. Além disso, a recente proibição de candidatura da opositora Corina Machado e a negativa de Nicolás Maduro em participar das negociações voltam a dividir o bloco e a mobilizar a OEA”, acrescenta Fraga.

Depois, a Venezuela terá de fazer o dever de casa: incorporar as normas e os acordos do Mercosul.

A embaixadora do Itamaraty, Gisela Padovan, esclareceu que, nesta cúpula, a questão da Venezuela não será discutida. Aliás, o país nem foi convidado por estar suspenso.

"Defendemos sempre a Democracia e o Estado de Direito. Estamos trabalhando com o governo venezuelano na expectativa de que haja eleições livres e transparentes no próximo ano. Nós gostaríamos de ver a Venezuela reintegrada ao Mercosul”, disse a secretária de América Latina e Caribe.

Para a reintegração da Venezuela ao Mercosul, no entanto, não basta a vontade do presidente Lula. O atual presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, é um ferrenho crítico do regime de Nicolás Maduro. E o próximo governo argentino, provavelmente de oposição, também seria.“Se nas eleições de 2023 na Argentina (outubro), a oposição ganhar, os três próximos anos serão de divergência política com o Brasil. Isso não favorecerá a integração”, prevê Rosendo Fraga.

O atual presidente do Paraguai, Mario Abdo, é contra, mas o próximo presidente, Santiago Peña, quem assume no dia 15 de agosto, é a favor.

À margem da Cúpula, visita a Itaipu

Por enquanto, não está prevista, nesta reunião do Mercosul, uma bilateral entre o presidente Lula e o próximo presidente do Paraguai, Santiago Peña, para tratar da questão Itaipu.

A reunião de presidentes vai acontecer na terça-feira (4) de manhã. É provável que à tarde, depois da reunião, aproveitando a proximidade da cidade argentina de Puerto Iguazú, na tríplice fronteira, o presidente Lula visite a hidrelétrica de Itaipu, que completou 50 anos em abril.

Em fevereiro, o Paraguai quitou a dívida com o Brasil pela construção da represa. Isso habilita as partes, Brasil e Paraguai, a renegociarem o preço da energia elétrica gerada pela binacional.

Essa negociação terá impacto direto na conta de luz dos brasileiros que moram nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Mas essa negociação só vai começar mesmo depois do dia 15 de agosto, já com o novo presidente paraguaio.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.