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Linha Direta

Analistas apostam em acordo UE-Mercosul, apesar de atrito sobre exigências ambientais

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A um mês de encontro apontado como decisivo na integração entre os blocos, o governo brasileiro se irritou com as exigências ambientais aprovadas pelo Parlamento Europeu. Apesar do recente ruído, analistas ouvidos pela RFI dizem que pandemia de Covid-19 e guerra na Ucrânia desenharam cenário favorável ao acordo comercial.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante encontro com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, em Buenos Aires. 13 de junho de 2023
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante encontro com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, em Buenos Aires. 13 de junho de 2023 AP - Natacha Pisarenko
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

O clima não tem sido dos melhores na passagem da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pela América Latina. A avaliação de especialistas e do governo brasileiro é de que apesar de vários entraves, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) tem tudo para avançar agora, uma vez que os principais líderes dos dois blocos veem nessa aproximação oportunidades comerciais e redução de riscos de desabastecimento. Mas o clima azedou depois que a UE decidiu incluir na lista de exigências barreiras a produtos oriundos de terras que foram desmatadas.

“As condições para esse acordo nunca foram tão favoráveis. É o momento! Só que essas sanções impediriam hoje a entrada em vigor das medidas de integração. E a União Europa precisa mudar sua atitude para com o Brasil e recuar nessas medidas”, afirmou à RFI o presidente da APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportações), Jorge Viana.

Para Viana, o atual governo já deu mostras de que repactou compromissos com o desenvolvimento sustentável e, portanto, não se pode falar em punições comerciais. “Saiu um presidente que estimulava ataques à Amazônia, que não respeitava os indígenas nem as unidades de conservação. Entrou o governo Lula que combate o desmatamento, que trabalha dentro da lei, com responsabilidade social e ambiental. Isso já é suficiente”.

Em Brasília, após reunião com a presidente da Comissão Europeia, o presidente Lula fez críticas às sanções extras aprovadas pelos europeus. Na Casa Rosada, o argentino Alberto Fernández, um pouco mais contido, defendeu uma aproximação que não seja boa apenas para o velho continente. A representante europeia estará nesta quinta-feira no Chile e depois segue para o México. Em julho, está previsto encontro de países da América Latina e da União Europeia em Bruxelas, ocasião que autoridades de lá e de cá apontam como passo importante na celebração do tratado comercial.

“Há uma estratégia de criação de possibilidades de enforcement. Só que o selo verde é um desejo e um valor para além das questões comerciais. Envolve outros valores, humanos, sociais e desenhos de futuros que desejamos construir. Há fóruns para isso e não a mesa em que se discute um bloco comercial. Senão, por analogia, nós poderíamos exigir outras coisas, como gestão de dados, compromisso étnicos e outros mais”, assinalou à RFI a economista internacional Cristina Helena Pinto de Mello, da PUC/SP.

O empresário e ex-ministro do Desenvolvimento Armando Monteiro, que participou ativamente das negociações de vários pontos do acordo, disse à RFI que a aprovação dessas obrigações ambientais é uma punição ao Brasil e um banho de água fria num momento em que as negociações voltam aos trilhos. “Só atrapalha. E num momento decisivo, diria até às vésperas desse acordo sair. Essa postura da União Europeia não coaduna com o espírito de um acordo que visa promover integração e justamente as bases futuras para se avançar em vários temas.”

Cenário favorável

Apesar das críticas às sanções votadas no Parlamento Europeu, o esforço do governo brasileiro é conseguir fechar o acordo, cujas tratativas se arrastam há 24 anos, no terceiro governo Lula. E as projeções neste caso variam, dos mais otimistas que anteveem uma assinatura ainda este ano, aos mais céticos, que apostam num consenso mais para o fim do mandato. A entrada em vigor das medidas é outra etapa, pois depende da aprovação pelos órgãos internos dos países.

Além da eleição de Lula, que voltou a priorizar a América do Sul e o acordo com os europeus, contrariando o que o antecessor Jair Bolsonaro fez, dois eventos mundiais ajudaram a construir um ambiente favorável às negociações comerciais entre os continentes. “A pandemia da Covid-19, o lockdown, isso desorganizou o sistema produtivo internacional. Faltou matéria-prima e produtos em todo lugar, mostrando a importância de se ter parceiros regionais, não dependentes de uma logística de transporte mais complexa. Isso reforça a importância de blocos, como o Mercosul”, explicou Cristina Mello.

A outra situação veio com a guerra da Ucrânia, que também abalou a rede fornecedora de produtos como gás, petróleo e fertilizantes, impondo à União Europeia, bloco já avançado no processo de integração, o desafio de expandir acordos comerciais além-mar. “A guerra mostrou problemas nesse comércio regional da UE. Acendeu a luz para a necessidade de novos acordos para reduzir essa fragilidade. Desta forma, acho que podemos esperar avanços na negociação com o Mercosul”, disse Mello.

A economista da PUC, no entanto, não acredita em resultados tão promissores no curto prazo, diante dos pormenores que envolvem um acordo dessa monta. “Falaria não em meses, mas em anos. E o Mercosul tem o desafio de ampliar a integração e melhorar sua contrapartida. Se acessamos o mercado da União Europeia, acessamos um mercado mais coeso e integrado. Na outra mão, temos na América do Sul um mercado não tão integrado.”

Já Armando Monteiro acredita ser possível reduzir divergências e consolidar um acordo até o fim do ano, mesmo em áreas sensíveis, como a agricultura subsidiada em alguns países da Europa e a indústria brasileira, pouco competitiva em várias frentes. “Acho que é possível. É trabalhoso, mas é possível apontar soluções para esses impasses pontuais. O Brasil tem muito a ganhar com esse acordo e é importante que ele seja assinado logo porque, até começar a valer, leva-se algum tempo.”

França: um obstáculo?

Apesar do otimismo brasileiro, setores na França, principalmente o agrícola, continuam a rejeitar o tratado. Nesta terça-feira (13), deputados franceses aprovaram por 281 votos a favor e 58 contra uma resolução que pede ao governo do presidente Emmanuel Macron que manifeste sua oposição ao pacto caso os países do Mercosul – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – não respeitem vários critérios sanitários, ambientais e climáticos vigentes na Europa. 

Os deputados franceses também querem uma cláusula para suspender sua aplicação caso as nações do Mercosul não respeitem o Acordo de Paris sobre o clima.

"Defendemos sobretudo não ratificar este acordo comercial (...), último prego no caixão da agricultura francesa", declarou o deputado de extrema direita Frédéric Falcon.

A deputada governista Eleonore Caroit, única a falar em favor de um acordo, lembrou a importância estratégica de uma aproximação entre as duas regiões. "Se a França e a UE se afastarem da América Latina, sabem quem virá? China e Rússia", alertou a legisladora.

Compras governamentais em aberto

Um exemplo de discussão ainda em aberto são as compras governamentais, que entram no tratado comercial e são ferramentas importantes na integração visto o potencial de compra do orçamento público. Só que no Brasil as compras governamentais são políticas públicas que visam apoiar pequenas e médias empresas, além de estimular a atividade local. Neste caso, Monteiro sugere que uma saída seja a fixação de limites, em percentual ou valor, a fim de acomodar os interesses dos pequenos empreendedores, mas sem impedir o acordo continental.

“Esses pontos são pequenos perto da magnitude desse tratado. Nos nichos em que o Brasil é destaque, como o agronegócio, haverá ganhos já no curto prazo. Em outros, como a indústria, a redução das alíquotas será gradual, mais lenta. Isso amortece os impactos e também estimula que a indústria se modernize. E não é só isso. O acordo abrange serviços, investimentos. Nas duas mãos. Só que, claro, a União Europeia tem mais potencial de investir, então haverá ganhos expressivos para o Brasil”, afirmou Monteiro.

O presidente da APEX disse que o corpo técnico e políticos dos países envolvidos têm trabalhado duro, junto com produtores e empresários, a fim de solucionar obstáculos, mas que uma cooperação comercial nesse patamar exige uma compreensão que vai além de ganhos imediatos. “É algo muito complexo, que mexe com muitos interesses. A única forma desse acordo acontecer de fato é deixar as particularidades de lado e levar em conta os ganhos no curto, médio e longo prazos. Todos têm agora que ficar moderadamente descontentes. Para que, no prazo de 15 anos, haja ganhos para todos.”

Em 17 e 18 de julho, líderes dos dois blocos voltam a se encontrar, em Bruxelas, na cúpula da União Europeia com a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).  

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