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Esporte em foco

Jogos Olímpicos Paris-2024: russos e bielorrussos devem ser aceitos sob bandeira neutra?

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Desde que bombas e mísseis começaram a explodir na Ucrânia, uma pergunta está no ar: afinal, veremos atletas russos e seus aliados bielorrussos nos Jogos Olímpicos Paris-2024? E os ucranianos: podem fazer boicote caso isso aconteça? O assunto está nas mãos do Comitê Olímpico Internacional (COI). Uma das possibilidades é que os russos, uma tradicional potência no esporte, desfilem na cerimônia de abertura, no rio Sena, com uniformes neutros. A polêmica está lançada. 

Protesto para instar o Comitê Olímpico Internacional (COI) a reconsiderar sua decisão de participação de atletas russos e bielorrussos sob bandeira neutra nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Em frente à sede do COI , em Lausanne, Suíça, em 25 de março de 2023. (Jean-Christophe Bott/Keystone via AP)
Protesto para instar o Comitê Olímpico Internacional (COI) a reconsiderar sua decisão de participação de atletas russos e bielorrussos sob bandeira neutra nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Em frente à sede do COI , em Lausanne, Suíça, em 25 de março de 2023. (Jean-Christophe Bott/Keystone via AP) © AP / Jean-Christophe Bott
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Maria Paula Carvalho, da RFI

Após ter excluído a Rússia e Belarus do desporto mundial na sequência da invasão da Ucrânia, o COI recomendou às federações internacionais que reintegrassem esses atletas, sob diversos critérios: devem competir sob uma bandeira neutra, "como indivíduo", não ter apoiado ativamente a guerra e não ter contrato com o Exército ou uma agência de segurança russa. 

O COI defende que os Jogos não podem ser “fonte de divisão e de exclusão de atletas”, conforme um comunicado da entidade, baseada em Lausanne, na Suíça, de fevereiro deste ano. Há dois argumentos principais: a proibição de discriminar atletas por motivos políticos e a autonomia do esporte mundial diante de pressões governamentais. 

Enquanto as etapas qualificatórias já estão em andamento em muitas modalidades olímpicas, o COI não deu um prazo para essa decisão. “Vai depender dos próximos acontecimentos", explicou em entrevista à RFI o presidente da entidade, Thomas Bach. "Vemos agora federações internacionais aplicando as nossas condições para a participação de atletas neutros individualmente e vamos supervisionar isso. Então, saberemos se e quando os atletas envolvidos respeitarão essas condições e, baseados nisso, vamos tomar uma decisão”, completa. "É uma questão de lógica de que as condições para participação devem ser as mesmas aplicadas nas qualificatórias", detalha o presidente do COI. "Nós deixamos muito claro que faz parte dessas condições a participação de indivíduos, de forma neutra e que não haverá equipe dos comitês olímpicos nacionais desses países, que não foram convidados”, conclui Bach.

Um ano antes da cerimônia de abertura, em 26 de julho de 2023, o COI fez o tradicional envio de convites para os Jogos de Paris aos Comitês Olímpicos Nacionais (CONs) de 203 países, sem incluir a Rússia e Belarus, excluindo também a Guatemala, cujo Comitê está suspenso desde outubro de 2022, por problemas de interferência política.

Um grupo de 30 países, incluindo a França, país-sede da Olimpíada de 2024, enviou ao Comitê Olímpico Internacional uma carta pedindo maiores esclarecimentos sobre os critérios de neutralidade da entidade.

A ministra dos esportes da França, país anfitrião, reforça as condições para abrir as portas a russos e bielorrussos. "Uma ausência em esportes de equipe, que representariam essas nações, mas somente uma participação individual e estando totalmente de acordo com as regras antidoping, que é uma outra exigência que nós impomos coletivamente, com o COI", explica Amélie Oudéa-Castéra. "Ao todo 34 ministros de Esporte se expressaram, nós compartilhamos a nossa visão com o Comitê Olímpico Internacional e agora cabe a ele tomar uma decisão definitiva sobre a participação ou não de russos e bielorrussos, que só poderá acontecer num regime de absoluta neutralidade", completa.

Até o momento, essa alternativa não agrada a Kiev e nem a Moscou, que fala em discriminação.

Questionado, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) diz que respeitará as determinações do COI para esse assunto.

Desde que a entidade apresentou a ideia de reintegrar atletas russos e bielorrusos sob bandeira neutra, muitas vozes emitiram críticas, como o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko. Ex-campeão olímpico de boxe, ele estima que não se pode ficar “neutro” diante das mortes na guerra. A Ucrânia, que trava uma luta para se defender dos russos no campo de batalha, ameaça boicotar os Jogos em caso da presença de atletas russos. Ela pode ser seguida por vários de seus vizinhos bálticos.

Em entrevista à rádio francesa Franceinfo, a prefeita de Paris, a socialista Anne Hidalgo, também afirmou sua oposição à vinda dos russos. “Não devemos permitir o desfile de um país que está agredindo um outro e fingir que não estamos vendo nada. Eu não sou a favor de ter uma delegação russa nos Jogos de Paris, se a guerra ainda estiver acontecendo até la, o que eu não desejo”, declarou.

Uma coabitação possível

A possível coabitação de nações em conflito durante os Jogos Olímpicos não é inédita para o mundo dos esportes. Países como Irã e Iraque, em conflito armado por quase oito anos (1980-1988), participaram de dois Jogos Olímpicos nesse período. O Irã e os Estados Unidos também se cruzaram regularmente nas arenas olímpicas. Essas coabitações entre atletas de nações em guerra ou em tensão, no entanto, raramente deram origem a incidentes.

Na Olimpíada do Rio-2016, por exemplo, o judoca egípcio Islam El Shehaby se recusou a apertar a mão de seu vencedor, o israelense Or Sasson. Em Tóquio 2020, um judoca argelino também desistiu da competição para não enfrentar um israelense.

Esse cenário de convivência forçada na Vila Olímpica, nas competições e até mesmo no pódio durante as Olimpíadas de Paris é algo que o Comitê Organizador diz estar preparado. "Nosso objetivo é deixar os atletas em segurança. Claro que olhamos para esses assuntos com muita atenção", garante o tricampeão olímpico e presidente do Cojo, Tony Estanguet. “Uma vez tomada uma decisão, iremos garantir que o dispositivo de segurança corresponda às necessidades destas delegações," diz. 

Esporte e política

Para Lukas Aubin, especialista de geopolítica do esporte em entrevista à RFI, esse impasse demonstra que o esporte é de fato político. “Na época, quando Pierre de Coubertain decidiu criar o COI e os Jogos Olímpicos, em 1894 e 1896, ele militava para separar o esporte da política e pela neutralidade do esporte", contextualiza. “O problema para o COI hoje é que, há pouco mais de um ano, o Comitê Olímpico saiu de sua posição apolítica contra a Rússia pela paz na Ucrânia e a liberação de territórios ucranianos da invasão russa e hoje está finalmente tentando se despolitizar novamente. No entanto, vemos que é tarde demais”, avalia. "Se isso acontecer, será uma vitória para Vladimir Putin, pois significaria que o COI não leva em consideração a invasão da Ucrânia, porque se o COI decidiu em 24 de fevereiro de excluir a Rússia do esporte mundial foi para fazer Putin recuar de um ponto de vista militar”, acrescenta.

Para Aubin, a problemática atual da participarão ou não dos atletas russos sob uma bandeira neutra nos Jogos de Paris- 2024 está ligada ao fato de que, para o presidente russo Vladimir Putin, o esporte é essencialmente político, como explica no livro “La Sportokratura sous Vladimir Putin". “Desde que chegou ao poder no final de 1999 e início de 2000, ele fez do esporte uma arma política, como na era soviética, como durante a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a URSS. Putin considera o esporte como um instrumento para projetar a influência da Rússia através do mundo. E os atletas, embora obviamente cada um tenha seus próprios interesses políticos, sua própria postura, etc., em geral, eles são usados pelo regime russo para promover seus interesses e espalhar a influência da Rússia internacionalmente”, diz o autor.

O mundo esportivo espera agora uma decisão que depende principalmente da situação na Ucrânia, atualmente ainda muito instável, sendo difícil prever o que acontecerá nas próximas semanas ou meses.

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