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Radar econômico

Apesar de grande exportador, Brasil tira pouco benefício da escassez mundial de matérias-primas

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A escassez mundial de matérias-primas, consequência da retomada econômica da pandemia de coronavírus, prejudica a atividade nos países desenvolvidos, mas pode trazer benefícios a grandes exportadores, como o Brasil. Entretanto, a alta dos preços das commodities traz efeitos colaterais perigosos.

Falta de chips leva à paralisação da produção de carros em diversos países.
Falta de chips leva à paralisação da produção de carros em diversos países. AP - Michel Spingler
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Petróleo, metais, minerais, produtos agrícolas – o Brasil produz e exporta todas essas commodities que faltam no mercado internacional para atender à demanda de países como a China, em forte recuperação das atividades pós-Covid-19, além da Europa e os Estados Unidos. A alta da procura leva os preços das matérias-primas a bater recordes. Somente em abril, a cotação do preço da madeira explodiu 300%, do petróleo, 222%, e do aço, 210%. Além disso, maio teve o maior aumento mensal nos preços dos alimentos em mais de uma década.

Puxada pelas exportações de commodities, a balança comercial brasileira tem registrado superávits sucessivos e até históricos, como em junho. A conjuntura atual leva muitos analistas a apostarem que podemos estar diante de um quarto superciclo de commodities, destinado a durar pelo menos 10 anos. O último ocorreu nos anos  2000, com a ascensão dos países emergentes do BRICS. Mas o tema divide: para outros especialistas, a situação atual é meramente conjuntural, resultado direto dos planos de retomada lançados mundo afora.

"A tendência é que alivie um pouco, com a retomada da produção e do investimento. A gente reduziu muito os estoques, porque as empresas estavam muito preocupadas em fazer caixa e ter liquidez”, explica Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/ FGV) e professor de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "A tendência é que isso se acomode, mas acho que teremos alguns anos de preços elevados, porque esse é o padrão normal das commodities: demora alguns anos até que a capacidade de produção se ajuste ao novo patamar da demanda."

Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE FGV e professor do Instituto de Economia da UFRJ.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE FGV e professor do Instituto de Economia da UFRJ. © Arquivo pessoal

Impacto nos países em desenvolvimento

Nos países mais pobres e importadores, o temor é que, se esse cenário permanecer, acentue ainda mais a crise da Covid-19.  A África já voltou a enfrentar a fome e penúria alimentar. O Brasil, mesmo sendo exportador, também sofre os efeitos da alta mundial dos preços dos alimentos – as famílias brasileiras têm cada vez mais dificuldades para comprar a cesta básica, mas também pagar as contas de luz e combustível.

O real desvalorizado em relação ao dólar piora esse efeito colateral, sublinha Castelar. "O que a gente espera dessa vez é que a produção aumente e é nesse sentido que poderá repercutir positivamente sobre emprego e sobre a atividade em geral, e que isso traga os preços um pouco mais para baixo, eventualmente controlando também a inflação por uma política monetária menos expansionista”, frisa o coordenador do Ibre.

Indústria e construção

Ironicamente, a escassez de matérias-primas tem um efeito bumerangue e impacta também na recuperação da economia mundial. A falta de insumos afeta seriamente a indústria e a construção civil, retardando ainda mais a melhora do desemprego histórico gerado pela pandemia. Uma pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias do Brasil indicou que a falta de materiais atinge 68% das fabricantes consultadas.

“O Brasil pode se beneficiar em partes. A China é hoje é disparadamente o maior destino das exportações brasileiras e, deste ponto de vista, esses produtores exportadores serão beneficiados. Mas a questão que se coloca é se a competitividade desses setores não acaba comprometendo, de alguma maneira, o desenvolvimento industrial dos demais setores”, avalia o economista Fernando Sarti, professor da Unicamp e especialista em cadeias mundiais de produção. "A indústria brasileira não tem recebido investimentos, está defasada do ponto de vista tecnológico. Os setores minerais e agrícolas vão surfar nesse ciclo, mas para a economia como um todo, isso talvez não seja benéfico. Esses setores não geram emprego, levam a um crescimento baixo, são muito pouco tributados.”

O setor automotivo é um dos mais abalados, principalmente pela penúria de chips para a tecnologia embarcada dos veículos. No Brasil, a estimativa é de que as fábricas possam ficar praticamente paralisadas até 2022.

Fernando Sarti, professor de economia da Unicamp e especialista em cadeias mundiais de produção.
Fernando Sarti, professor de economia da Unicamp e especialista em cadeias mundiais de produção. © Arquivo pessoal

Tensão no abastecimento de metais

Analistas internacionais apontam que a situação deve permanecer tensa especialmente no mercado de minérios, graças à revolução tecnológica e à transição energética em curso em diversos países. Para ampliar a oferta de veículos elétricos, energia solar e eólica, o mundo continuará a depender fortemente de aço, ferro, cobre, lítio, platina e cobalto.

"Essas novas trajetórias tecnológicas não são restritas a alguns setores: elas perpassam todos os setores. Tem afetado a indústria automobilística, indústrias tradicionais”, sublinha Fernando Sarti. "Isso não deixa de ser uma preocupação, mas também uma oportunidade para as demais economias se posicionarem diante dessas mudanças."

O professor da Unicamp ressalta que, nos últimos anos, os maiores compradores de matérias-primas estão também se tornando grandes produtores, em especial na Ásia – no que deveria ser um alerta importante para economias dependentes da exportação de commodities, como a brasileira.

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