Grandes empresas se abrem para pessoas trans, marginalizadas no mercado de trabalho
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Por muitas décadas, as pessoas trans, invisíveis na sociedade, foram obrigadas a se resignar em profissões outrora associadas ao universo gay, como cabeleireiro, manicure e profissional do sexo. Graças ao reconhecimento das pautas LGBT nos últimos anos, esse destino começa lentamente a mudar – obrigando grandes empresas a adaptar seus recursos humanos ao século 21.
Lúcia Müzell, da RFI
A França é um dos países mais avançados do mundo em integração dos transgêneros, conforme um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), publicado em 2020. A pesquisa apontou que os países que mais promoveram leis de paridade entre homens e mulheres são também os mais inclusivos para gays, lésbicas e transgêneros – mas estes últimos permanecem os mais discriminados.
"A alta da integração jurídica das pessoas LGBT à sociedade é associada a duas vezes mais mulheres no Parlamento dos países mais avançados, por exemplo, e a uma diminuição de 30% das diferenças salariais entre homens e mulheres”, afirma economista Marie-Anne Valfort, principal autora da pesquisa e especialista em discriminações no ambiente de trabalho na OCDE. "Isso ocorre porque a igualdade entre homens e mulheres implica a abstração das normas tradicionais de gênero, que simplesmente negam a possibilidade de existência das pessoas LGBT."
Na França, multinacionais como a L’Oréal e pesos-pesados do sistema bancário nacional, como o BNP Paribas, se esforçam para dar vez aos candidatos que se revelaram de outro sexo ou que, depois de contratados, decidiram fazer a transição. No Dia Internacional da Luta contra a Homofobia e a Transfobia, a gigante da telefonia Nokia publicou um vídeo de uma trans recém contratada em Paris, na qual ela relata nunca ter podido expor a sua identidade de gênero durante os estudos de graduação, na prestigiosa Sorbonne – e isso faz apenas cinco anos.
Nome social, foto no crachá
Sinais simbólicos de abertura se aceleram, como a possibilidade de designar o pronome preferido (ele ou ela) na assinatura do email da empresa, estímulos para a adoção do nome social pelos colegas, o uso do banheiro feminino ou masculino conforme a escolha e os registros administrativos de um funcionário, inclusive a foto e o nome no crachá ou na placa em frente ao escritório.
"Para que o engajamento da empresa seja percebido como real e profundamente instalado na empresa, ele deve ser regularmente demonstrado pelos dirigentes da empresa, em eventos internos e externos. Eles devem estar sempre insistindo sobre o quanto o respeito à diversidade é importante”, frisa Valfort. "Os diferentes chefes devem se associar como aliados nisso, mostrando o exemplo. Eles precisam compreender que o fato de incluir todos e valorizar todos é a melhor forma de fazer funcionar uma empresa e é um fator de melhora da performance”, sublinha a economista.
Neste aspecto, os ventos da vanguarda sopram dos Estados Unidos em direção ao resto mundo. Atualmente, a multinacional IBM lida com 12 a 20 transições por ano, o que a levou a adotar políticas claras sobre o tema internamente. Continuar a chamar um funcionário pelo antigo gênero, por exemplo, pode ser alvo de sanções disciplinares ou até demissão. Na filial francesa, uma licença de nove dias é concedida para um colaborador que deseja realizar a transição.
Sociedade muda – e empresas acompanham
Em muitas companhias, a abertura à diversidade ainda é resultado dos estudos de marketing que constatam que a fluidez de gênero se instalou na sociedade – portanto, entre os potenciais clientes. Uma pesquisa do instituto Ifop divulgada em 2020 apontou que 22% da população francesa não se identifica nas categorias homem ou mulher. Se modernizar acaba sendo uma obrigação.
Ainda assim, Marie-Anne Valfort ressalta que a inserção das pessoas trans está longe da ideal, até nos países desenvolvidos. Ela aponta que os processos de seleção não se concentram nos critérios objetivos do perfil procurado, e acabam abalados por opiniões pessoais dos recrutadores:
"A discriminação contra aqueles que são abertamente LGBT no seu local de trabalho continua disseminada. Temos experiências provando isso. Pesquisadores mostraram que, com formação e experiência profissional idênticas, a probabilidade de candidatos fictícios serem convocados ou não para uma entrevista de emprego é menor no caso dos que são percebidos como pessoas LGBT”, constata a especialista. "No caso dos trans, é ainda pior.”
No Brasil, a iniciativa Transempregos coloca em contato candidatos e empregadores. A plataforma teve 315% de aumento dos usuários de janeiro de 2020 para 2021, dos quais 40% tem nível de escolaridade superior. Já são 1.000 empresas cadastradas no sistema, em todo o país. A associação registrou mais de 1.400 vagas abertas especificamente para pessoas trans, e 111 empresas incluem essa população nas seleções para qualquer tipo de vaga, sem discriminação positiva.
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