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Radar econômico

Imposto? Investimento? Como a poupança histórica acumulada na pandemia poderá ajudar a retomada

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As restrições de movimentações de pessoas e da economia pela pandemia de coronavírus levaram a índices históricos de poupança pelas famílias. Nos países desenvolvidos, o valor poupado mais que dobrou, em média, em relação aos tempos “normais”, e os governos agora avaliam como esse dinheiro poderá ajudar a retomada econômica.

Franceses acumularam € 210 bilhões em 2020, o dobro do que valor poupado em tempos normais.
Franceses acumularam € 210 bilhões em 2020, o dobro do que valor poupado em tempos normais. Ina Fassbender AFP/Archivos
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Na França, o dinheiro está parado nas contas da parcela 20% mais rica da população, que continuou empregada e com renda elevada, apesar da Covid-19.

"Não temos outros casos semelhantes na história. Estamos numa situação totalmente excepcional, na qual as pessoas poupam não porque querem, mas independentemente da vontade delas”, explica o economista Henri Sterdyniak, do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE). "Um aposentado de classe média que continua recebendo a aposentadoria e para o qual dizemos 'não saia de casa', significa mais poupança acumulando. São pessoas que não puderam gastar, não compraram produtos de luxo, não puderam viajar para o exterior, nem ir a restaurantes, ao teatro ou ao cinema.”

Financiamento da transição ecológica ou combate à Covid

A questão está colocada em boa parte da Europa – mesmo nos países com menos tradição de poupança, como o Reino Unido ou a Alemanha, a taxa ganhou cerca de 10 pontos no ano passado. As propostas que ganham força são as que estimulam o consumo, o financiamento de programas estratégicos, como a transição ecológica e de inovação, ou as empresas fragilizadas pela crise.

"De um lado, é preciso consumir e, de outro, temos que preparar a transição ecológica. Investimentos como as reformas térmicas das habitações [para diminuir o consumo de energia] e a compra de veículos menos poluentes, como os híbridos ou elétricos, vão no bom sentido tanto da economia, quanto da ecologia”, sublinha Sterdyniak.

O economista Henri Stedyniak, do Observatório Francês da Conjuntura Econômica, ressalta que o dinheiro da poupança pode ajudar a financiar a transição ecológica na França.
O economista Henri Stedyniak, do Observatório Francês da Conjuntura Econômica, ressalta que o dinheiro da poupança pode ajudar a financiar a transição ecológica na França. xerficanal.com

Simon Porcher, professor de Economia da Sorbonne, onde dirige o departamento de parcerias público-privadas, frisa ainda que, no contexto atual, o setor da saúde pode ser privilegiado. "Com a Covid, estamos nos questionando se não podemos tornar o dinheiro da poupança ainda mais ativo. O governo poderia estimular ou até forçar os franceses a reorientarem a poupança para financiar pelo menos uma parte do esforço”, salienta. "Poderiam, por exemplo, financiar a fabricação nacional de vacinas, de máscaras ou respiradores.”

Na Ásia, poupança ajudou a bancar o desenvolvimento

Nesta semana, o Ministério da Economia do país recusou formalmente a ideia de criação de um “imposto Covid” sobre os € 210 bilhões guardados pelos franceses em 2020, como propõe a esquerda. Para Porcher, as alternativas que orientam os investimentos da poupança em projetos são bem mais vantajosas que um novo tributo. Ele lembra o caso dos países asiáticos, com forte tradição de poupança – antes da pandemia, cerca de 20% da renda dos ativos já ía parar debaixo do colchão.

"Singapura, Taiwan e outros bloquearam uma parte da poupança para financiar as infraestruturas. Culturalmente, eles são mais ‘coletivos' na Ásia. Para eles, é lógico utilizar a poupança coletiva para financiar o desenvolvimento da nação, e eles conseguiram”, comenta o professor da Sorbonne. "Se é temporário, apenas para uma parte do dinheiro, e se há transparência quanto ao uso desses recursos, se torna algo bem mais aceitável do que um imposto. Sem contar que mostra que o governo está encontrando soluções.”

Simon Porcher, professor de Economia da Sorbonne, frisa que o setor da saúde pode ser privilegiado.
Simon Porcher, professor de Economia da Sorbonne, frisa que o setor da saúde pode ser privilegiado. © Arquivo pessoal

No Brasil, falta de confiança e medo da inflação são barreiras

Nos Estados Unidos, onde a poupança dos americanos passou de 8% para 20%, o plano bilionário de retomada do presidente Joe Biden conta com esse dinheiro para a aceleração do consumo nos próximos meses. Já no Brasil, o tema gera desconfiança pelo temor da alta da inflação, observa o professor da USP Simão Davi Silber.

"Aqui no Brasil, a gente diz 'não' porque não sabe direito o que vai acontecer, afinal a inflação já está subindo. É diferente da França, onde não tem pressão inflacionária”, compara.

Professor de Economia da USP, Simão Davi Silber avalia que a utilização da poupança no Brasil traria mais prejuízos do que benefícios.
Professor de Economia da USP, Simão Davi Silber avalia que a utilização da poupança no Brasil traria mais prejuízos do que benefícios. © Captura de tela

O descontrole da pandemia no país também tem um impacto nefasto na confiança no futuro. O cenário dificultaria o convencimento dos brasileiros de que a utilização da poupança poderia ser uma boa solução, frisa o professor.

"O governo federal não quer saber de atacar a pandemia, acha que não deve fazer nada porque atrapalha a economia. Isso afeta a recuperação econômica. As pessoas têm medo de sair para trabalhar”, destaca. "Não adianta pensar em tributação de rico quando o problema é bem mais embaixo”, diz Silber, especialista em economia internacional.

No Brasil, a taxa de poupança está em torno de 15% e esse é o investimento preferido da classe média, enquanto os ricos optam por aplicações no mercado financeiro. Apenas 0,4% da renda do topo da elite fica na poupança, que no ano passado rendeu apenas 1,4% – menos do que a alta da inflação.

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