Pagamento da conta do segundo lockdown na Europa é bola de neve para 2022
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Pouco a pouco, os países europeus voltam a entrar em um novo lockdown para combater a pandemia de coronavírus. Com restrições mais rígidas, como na França, ou tolerantes, como na Alemanha, a segunda onda de Covid-19 vai acentuar ainda mais a recessão no bloco e aprofundar a dívida dos países – uma conta colossal que tende a ser ignorada até 2022, antecipam analistas.
O governo francês acaba de anunciar a liberação de mais € 20 bilhões para o plano de emergência para socorrer empresas e salvar empregos no país, além dos € 80 bilhões já previstos no primeiro bloqueio nacional. Da mesma forma, os vizinhos Alemanha, Reino Unido e Itália, entre outros, também calibram a verba disponível para compensar as novas restrições. O bloco europeu adotou a estratégia do “open bar” de recursos, afirma o professor de Economia da Sorbonne (Université Paris 1) Christian de Boissieu.
"A curto prazo não tem outra alternativa: temos que colocar tudo na mesa. A casa está queimando, temos que chamar os bombeiros e eles se chamam Bancos Centrais e Estados”, afirma Boissieu. "A hora de retomar o controle de tudo isso, ou seja, das dívidas públicas e privadas, não será antes de 2022, com a volta do crescimento econômico e num contexto em que as taxas de juros devem continuar baixas. Esse cenário deverá evitar que a gente transmita essa montanha de dívidas para as gerações futuras."
Desta vez, bloqueio é mais "light"
Diante da alta surpreendente dos contágios no início do outono, os países europeus ficaram “sem escolha”, frisa Boissieu. Mas o novo lockdown é menos restritivo que o primeiro e tenta, ao máximo, conciliar a melhor atividade econômica com a emergência sanitária.
"É preciso salvar vidas; as vidas são mais importantes que todo o resto. A taxa de crescimento também é, claro. Por isso temos agora essa tentativa de um bloqueio mais ‘light’”, observa o professor da Sorbonne.
As medidas contra a Covid-19 acontecem em um momento em que a Europa já enfrentava a maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial, com um impacto quatro vezes superior à crise financeira de 2008.
"Esse segundo bloqueio talvez seja mais difícil no sentido que ele acontece depois de um primeiro lockdown, que já tinha abalado muito a economia. O risco hoje é maior do que era em março”, avalia o pesquisador Mathieu Plane, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE).
"A questão agora é quanto tempo vai durar essa situação instável, o que nos leva diretamente à questão da dívida pública, que é o que está impedindo o desmoronamento da economia. Os planos de desemprego parcial e ajuda às pequenas e médias empresas têm um preço e, quando sairmos dessa pandemia, haverá estragos colossais para reparar”, reitera.
Enxurrada de recursos evita implosão da zona do euro
É o Banco Central Europeu quem tem garantido a enxurrada de dinheiro disponível no bloco contra a crise, graças a juros próximos de zero e uma política de estímulo a empréstimos. "Quando vemos a intensidade do choque e a dívida que está gerando nos países, em especial os mais frágeis, como a Itália, fica claro que se o Banco Central Europeu não estivesse garantindo o financiamento dos Estados a juros baratos, provavelmente alguns países já estariam em situação de calote, ou seja, estariam também numa crise financeira e do sistema monetário”, garante Plane. "O BCE é o fiador de todos hoje."
Por enquanto, a prioridade dos governos é resgatar a qualquer custo a confiança das empresas e o consumo pelas famílias, embora o futuro seja de incertezas pelo menos até 2021, por conta da pandemia. A conta do coronavírus vira uma bola de neve, mas o seu pagamento ainda não está no radar.
"O debate não é esse, se teremos de aumentar ou não os impostos, mas sim quanto desse choque nós podemos aliviar agora, quantas lojas e empresas podemos salvar, quantos empregos podemos manter”, analisa o pesquisador do OFCE. “E isso será extremamente importante no futuro, para o financiamento dessa dívida que criamos hoje: quanto mais conseguirmos preservar a economia e os empregos, mais ‘fácil’ será de reembolsar.”
Sem lockdown, Estados Unidos não evitaram recessão
Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, o governo de Donald Trump se vangloria de o país ter registrado uma alta espetacular do PIB no terceiro trimestre, de 33%. O país não chegou a implementar lockdown nacional, mas é o mais atingido do mundo pela pandemia, destaca Christian de Boissieu.
"Os Estados Unidos vão ter, no acumulado do ano, uma recessão também. Ela deve ser menor do que a europeia. A França deve ter uma recessão de 11%, a zona do euro em torno de 8 ou 9%, e os Estados Unidos devem ter -5 ou -6% – mas com mais de 230 mil mortos, até agora”, ressalta o professor de Economia. "Acho que é um número altíssimo de mortes, para uma performance econômica não muito melhor do que a nossa. Os números de endividamento, desemprego e recessão mostram que ela é ruim também."
Na França, a estimativa do governo é de que um mês de lockdown gere cerca de 2,5% de retração do PIB. A conta da Covid-19 já fez o déficit público se multiplicar por quatro em 2020: a previsão é de que chegue a € 248 bilhões.
Uma das consequências disso, no futuro, é que o rombo possa gerar a implosão do atual modelo sistema de proteção social, que pode se tornar insustentável. Essa, destaca Plane, é uma das principais reflexões que a Europa deverá promover, no “mundo pós-pandemia”.
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