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Brasil-Mundo

Exposição reúne relatos de vida de migrantes para promover tolerância em Portugal

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O projeto Diários de Migrantes surgiu como um acervo do Arquivo dos Diários, uma associação sem fins lucrativos com sede em Lisboa, que preserva registros de vida de gente comum. Agora, a associação organiza uma exposição com fragmentos dessas histórias para dar um novo olhar à questão da migração. A exposição itinerante “Próxima estação” está até o dia 20 na capital portuguesa.

Na exposição "Próxima Estação", relatos autobiográficos mostram vida de migrantes pelo mundo. Visitante escuta um diário em áudio em Lisboa
Na exposição "Próxima Estação", relatos autobiográficos mostram vida de migrantes pelo mundo. Visitante escuta um diário em áudio em Lisboa © Carlos Pimentel
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Fábia Belém, correspondente da RFI em Portugal.

O projeto Diários de Migrantes recolheu 41 memórias de pessoas originárias de 19 países, como Brasil, Venezuela, Cuba, Moçambique, Paquistão, Alemanha e Reino Unido. Segundo conta a fundadora do Arquivo dos Diários, a italiana Clara Barbacini, a ideia era partilhar a memória de migrantes que tivessem em comum a vida em Lisboa.

“Achamos que, em primeiro lugar, é muito importante recolher essas memórias que muitas vezes não são ouvidas pelas pessoas. E depois, geralmente, é uma forma de aproximar as pessoas a essas temáticas”, explica Barbacini, que também é uma das coordenadoras do projeto.

As histórias foram contadas em diferentes linguagens: áudio, vídeo, música, desenhos, fotografias, textos.

Filomena Farinha, mais conhecida por Filó, conta que colocou no papel as memórias que carregou a vida toda. “O início da guerra civil de Angola, a vinda pra Portugal, pra aldeia onde o meu pai nasceu, e depois a nossa ida para o Brasil. E eu quis expressar o que passava na minha cabeça, o que eu pensava na altura de todos aqueles acontecimentos.”

Filomena Farinha é autora de um dos diários de migrantes exposto em Lisboa
Filomena Farinha é autora de um dos diários de migrantes exposto em Lisboa © Carla Rosado

O poder terapêutico dos diários

Formada em turismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Filó tinha 10 anos quando se mudou para o Brasil levando consigo as lembranças da guerra em Angola, país onde nasceu. Em 1999, aos 33 anos, ela voltou para Portugal, onde vive até hoje.

Eu acho que quando a gente fala, quando a gente escreve, quando a gente expõe, no fundo, no fundo, a gente está a se curar um pouco".

Escrever a própria história também foi um bom remédio para o brasileiro Willy dos Santos Silva, 32 anos. Ele começou a escrever o diário numa fase complicada da vida. “O diário funcionou pra mim como uma terapia. E me ajudou a pensar assim ‘Poxa, tudo o que eu passei até agora e aonde eu cheguei, tudo o que eu conquistei, e valeu a pena’.”

Willy dos Santos Silva é autor de um dos diários de migrantes
Willy dos Santos Silva é autor de um dos diários de migrantes © Bruno Gallo

Willy foi um dos cinco brasileiros que contaram suas histórias nos Diários de Migrantes. Dedicou parte do diário à “inquietação”, ao gosto por viajar e conhecer outras culturas.

“Como eu digo bastante no meu diário, eu nunca tive um sentimento do que era a casa quando eu tava lá [no Brasil]. Não que eu desgoste do país, longe disso. Eu gosto, gosto muito, mas eu nunca senti que ali era o lugar que eu queria estar pra sempre.”, revela.

“Nós queremos fazer parte”

Natural de Araçatuba, cidade do interior de São Paulo, Willy se formou em Publicidade e Propaganda e também em Design Visual. Em Portugal, onde vive há quatro anos, ele trabalha dando apoio a clientes numa loja online.

Ele considera que o projeto consegue humanizar o migrante, muitas vezes “visto como uma ameaça. É aquela pessoa que vai vir aqui, vai roubar meu emprego... quer acabar com os meus costumes, mas não. A gente tá aqui pra agregar, pra somar. Nós não queremos tomar a sociedade deles, nós queremos fazer parte”, ressalta.

Clara Barbacini explica que o projeto também foi pensado para ajudar na integração dos migrantes na sociedade portuguesa. Na opinião dela, as histórias dos percursos migratórias presentes nos diários podem contribuir para que se estabeleça “um diálogo” entre nacionais do país e migrantes. O projeto pode ajudar a promover “mais tolerância também”, acredita.

Na exposição Diário de Migrantes, visitante lê trecho de um dos diários
Na exposição Diário de Migrantes, visitante lê trecho de um dos diários © Carlos Pimentel

Ajuda para acessar as memórias

Para construir os diários, as pessoas contaram com o apoio de treze mediadores, a maioria formada por migrantes, que tiveram um papel importante ao longo do processo. A brasileira Lídia Mello, programadora, curadora e crítica de cinema acompanhou seis participantes. A tarefa consistia em “ter uma escuta atenta às histórias de vida, às narrativas de vida dos imigrantes”, e não só.

“O papel do mediador também funciona como aquele que ajuda a pessoa que está sendo escutada a evocar as suas próprias memórias e reconstruir a sua história.”, sublinha Mello.

A psicóloga brasileira Marzie Damim também fez parte da equipe de mediadores. Ela acompanhou Filó, Willy e mais um migrante. “Eu achava que eu tinha de estar ali e ouvir e acompanhar tudo o que estava acontecendo naquele momento, e aceitar tudo, não predeterminar nada. Basicamente, era poder oferecer um espaço de conforto, acolhimento e de escuta”, conta.

Mais diários e um livro

Para o próximo ano, o projeto prevê a publicação de um livro com trechos de alguns dos diários. Também há planos de recolher memórias de migrantes que moram e trabalham em outras regiões de Portugal - nos campos do Alentejo e no setor do turismo do Algarve, por exemplo.

“Há muito material que gostaríamos de recolher. Por isso, a ideia é depois tentar [fazer com] que o projeto cresça também no futuro”, adianta Clara Barbacini.

O projeto Diários de Migrantes é financiado pelo Fundo Social Europeu e pela Câmara Municipal de Lisboa, em colaboração com a Rede DLBC Lisboa - Associação para o Desenvolvimento Local de Base Comunitária de Lisboa.

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