Golpes de Estado em países francófonos tiram Paris de campo no jogo político africano
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Depois de Mali, Guiné, Burkina Faso e Níger, o Gabão é o quinto país africano de língua francesa a ser abalado por um golpe de Estado desde 2020. Esta semana, a revista L’Express analisa a queda da influência da França no continente, enquanto a Le Point aborda consequências migratórias para a Europa, em seu editorial.
A repercussão dos recentes golpes de Estado na África francófona, com as juntas militares demandando uma após a outra a saída dos soldados franceses de seus territórios em estímulo a rejeição do antigo legado colonial, é a capa da L’Express.
Nesta quinta-feira (7), no Gabão, a junta militar nomeou o novo primeiro-ministro, Raymond Ndong Sima, crítico do presidente Ali Bongo. A nomeação foi assinada pelo presidente da transição, o general Brice Oligui Nguema, que tomou posse no início desta semana. Não se sabe, por enquanto, quanto tempo durará esta transição, mas o general promete "eleições livres" no fim deste período, que segue indeterminado.
O Gabão passa então a fazer parte da lista de países que já foram colônias francesas a passar por processos de golpe de Estado na África nos últimos três anos.
Segundo a revista, Paris também não foi muito empática no caso mais recente, e por "uma questão de princípio, a França condenou o golpe, sem esconder suas dúvidas sobre a imparcialidade da votação, após as já contestadas eleições de 2009 e 2016".
"Mesmo que os laços tenham se enfraquecido, o Palácio do Eliseu ainda se encontra em uma posição desconfortável, após a visita de Emmanuel Macron a Libreville em março, interpretada como apoio ao autocrata", relata a reportagem de capa.
A publicação reforça que o simbolismo do ato mais recente é forte, já que o Gabão é há muito tempo o emblema da chamada "Françafrique". Mas o interesse econômico e geopolítico de Paris por esse Estado petrolífero, que já foi uma "bomba financeira", tem diminuído constantemente desde a década de 1990.
Por outro lado, o golpe é mais severo no Sahel, onde a França voltou a se engajar nos últimos anos. Depois de ser expulsa do Mali e de Burkina Faso, seus 1,5 mil soldados agora são 'persona non grata' no Níger.
Em Niamey, os golpistas, que denunciaram os acordos militares assinados entre a França e o presidente Bazoum (derrubado em 26 de julho), estão exigindo a saída das tropas e do embaixador francês. Incentivados pela junta, milhares de manifestantes exigiram o fechamento da principal base francesa perto do aeroporto de Niamey em 2 de setembro.
A reportagem da L'Express critica que a França, apesar de não ser diretamente responsável por esses golpes, deveria ter se distanciado mais de vários líderes autoritários e acusa que, "ao desempenhar o papel de policial, a França concentrou a atenção" se tornando uma espécie de "bode expiatório conveniente".
Isso permitiu, avalia a revista, que os líderes e as elites evitassem refletir sobre suas falhas, mais de 60 anos após a independência. Mas as atitudes de Paris não ajudaram em nada, analisa o texto de oito páginas, que inclui uma entrevista com Lionel Zinsou, ex-primeiro-ministro do Benin. "O sentimento antifrancês não resume a África", disse ele.
Surfando na temática, a semanal Le Point aponta em seu editorial de opinião que os golpes de Estado nas ex-colônias francesas podem eclodir com a "explosão da bomba migratória africana".
"Se não cuidarmos da África, ela cuidará de nós. Não há mais dúvidas de que ela agora representa um risco sistêmico para o nosso velho continente", polemiza o editorial.
O texto questiona se a "revolução palaciana no Gabão é um novo estágio no processo de eliminação da França" ou apenas uma mudança de regime. E lança um alerta para o continente europeu, que estaria "ameaçado por uma enorme bomba-relógio migratória".
O editorial da Le Point traz dados de um relatório do Senado francês, segundo o qual a população do continente africano deverá aumentar drasticamente até 2050, chegando a uma estimativa baixa de 1,9 bilhão.
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