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Para editor do Novaïa Gazeta, jornal do Nobel da Paz, “os russos nunca quiseram essa guerra”

O jornal independente russo Novaïa Gazeta, criado pelo prêmio Nobel da Paz Dimitry Muratov, foi bloqueado pelo Kremlin e não pode mais ser publicado na Rússia desde a promulgação de uma lei que censura boa parte da mídia no país. Desde o início da guerra na Ucrânia, o veículo transferiu sua redação para Riga. Da capital da Letônia, o jornal continua acompanhando a atualidade russa e seu editor chefe, Kirill Martynov, explica à RFI por que razão todo o poder de Vladimir Putin depende dessa guerra.

Exilado em Rigal, Kirill Martynov, editor chefe do jornal Novaïa Gazeta Europe, diz que é impossivel negociar com Vladimir Putin
Exilado em Rigal, Kirill Martynov, editor chefe do jornal Novaïa Gazeta Europe, diz que é impossivel negociar com Vladimir Putin AFP - GINTS IVUSKANS
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Anne Verdaguer, enviada especial da RFI a Riga

RFI: Como mídia independente, a Novaïa Gazeta já vivia há muitos anos sob constante pressão do Kremlim. O que mudou a partir de fevereiro de 2022 ?

Kirill Martynov: Desde os primeiros dias da guerra, sabíamos que tínhamos muito pouco tempo para agir. Mas para nós era importante poder apoiar a Ucrânia, contar e mostrar tudo o que se passava por lá.

Nosso primeiro número após o início da guerra saiu em 25 de fevereiro e decidimos fazer duas edições, uma em russo e outra em ucraniano, como sinal de apoio. Nossa manchete de primeira página era bem simples: “Rússia bombardeia Ucrânia". A partir da segunda semana do conflito, foi proibido falar em “guerra”, e um discurso oficial foi instaurado. Só tínhamos acesso a declarações oficiais do Ministério da Defesa da Rússia, que eram mentiras. Foi aprovada uma lei contra quem não seguisse essa retórica, com pena de até dez anos de prisão para aqueles que não respeitassem a regra.

RFI: Nesse momento você e a Novaïa Gazeta foram considerados “agentes estrangeiros” pelo Kremlin, como muitos outros jornalistas russos, e decidiram deixar a Rússia?

K.M.: Acho que representamos um perigo para Vladimir Putin e seus apoiadores, pois dezenas de milhões de pessoas na Rússia tinham acesso a nossas publicações e havia esse medo de que a opinião pública não apoiasse mais a guerra. Logo percebemos que tínhamos várias opções: ficar calados, ir para a cadeia ou fugir. Escolhemos a terceira opção.

A Letônia nos recebeu de braços abertos, nos ofereceram dezenas de vistos rapidamente, para nós e para as nossas famílias, e penso que nunca esqueceremos esta solidariedade num momento tão difícil. Mas o governo da Letônia também tem suas próprias razões: o país tem uma grande população de língua russa que é alvo da propaganda estatal russa. Então eles precisam ter acesso a informações independentes.

RFI: A maioria dos russos apoia esta guerra?

K.M.: A maioria dos russos aceita esta guerra, pois eles não querem se envolver na vida política do país. Eles dizem a si mesmos que deve haver uma boa razão para a guerra ter começado. Mas, ao mesmo tempo, tenho certeza de que os russos nunca quiseram essa guerra. Porque nunca houve nenhuma manifestação cidadã a favor de um conflito armado.

O que é importante enfatizar é que, infelizmente, muitos russos não buscam fontes independentes de informação. Isso, claro, requer habilidades técnicas e um certo senso crítico. Mas acho que as pessoas preferem não saber de nada, e é exatamente isso que a propaganda russa quer. Moscou bloqueou mais de 300 meios de comunicação russos desde o início da guerra na Ucrânia. E sabemos que o resto da informação na Rússia é totalmente controlada pelo Estado.

Esses meios de comunicação “oficiais” não podem criticar o presidente russo, nem a guerra. Eles são incapazes de fornecer informações viáveis. Então, passamos pelo canal do YouTube para alcançar nossos leitores na Rússia.

RFI: Como você acha que vai terminar essa guerra? Acredita que ainda é possível negociar com Vladimir Putin?  

K.M.: Os russos sabem que a negociação é sempre uma solução melhor que a guerra. Mas não vejo como é possível falar com Vladimir Putin, pois ele pensa que ainda controla a situação no terreno. Mas há principalmente uma razão política: ele sabe que se perder a guerra, também perde o poder.

Mas se houver a possibilidade de negociar, só haverá mentiras e discursos de propaganda por parte da Rússia para justificar esta guerra. O melhor que podemos esperar é uma pausa no confinamento, antes de outra guerra ou novas provocações do Kremlin. Infelizmente, acho que a única maneira de conseguir a paz é mostrar às autoridades russas que elas não têm escolha a não ser perder esta guerra.

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