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Após um mês de protestos, jovens do Irã estão dispostos a enfrentar a prisão e a morte contra o autoritarismo

Nesta quinta-feira, 13 de outubro, completa um mês que a jovem curdo-iraniana Mahsa Amini foi detida pela polícia da moralidade do Irã, por usar um véu que mostrava parte do seu cabelo. Três dias depois, ela morreu em circunstâncias suspeitas. A morte da estudante de 22 anos desencadeou uma revolta popular liderada por mulheres e adolescentes, que ganhou ampla adesão da sociedade e desafia a repressão ordenada pelas autoridades islâmicas.

Uma manifestante ergue os braços e faz o sinal da vitória, após participar de uma manifestação em Teerã, em 19 de setembro, em protesto contra a morte de Mahsa Amini.
Uma manifestante ergue os braços e faz o sinal da vitória, após participar de uma manifestação em Teerã, em 19 de setembro, em protesto contra a morte de Mahsa Amini. © AFP
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Um mês depois da detenção de Mahsa Amini, o levante corajosamente encabeçado por estudantes iranianas se espalhou pelo país e está longe de arrefercer, apesar da violenta repressão policial. O slogan "mulher, vida, liberdade" tornou-se o grito de mobilização para denunciar que reprimir as mulheres significa reprimir a vida de todos os cidadãos.

Desde 16 de setembro, data em que Mahsa morreu, milhares de pessoas expressaram nas ruas e nas redes sociais uma revolta fomentada por anos de crise econômica, discriminações e opressão do poder religioso exercido pelos aiatolás xiitas, que se instalaram no poder desde a Revolução Islâmica de 1979. 

Até quarta-feira (12), a ONG Iran Human Rights, com sede em Oslo, contabilizou 201 mortes na repressão aos protestos. Dessas vítimas, 28 eram crianças, segundo a organização. Apesar dos riscos, atos de repúdio continuam a ser organizados em universidades e dezenas de cidades do país, assim como greves no setor energético. Uma nova jornada de manifestações está marcada para a próxima segunda-feira, 17 de outubro, demonstrando que a mobilização continua firme. 

Uma iraniana, que não pôde ser identificada por razão de segurança, descreveu à reportagem da RFI como está a atmosfera no país, após semanas de manifestações.

"Depende do dia. Se houver uma convocação para manifestação, o ambiente é muito, muito pesado, com muitos policiais por toda a cidade, tentando intimidar os manifestantes. Todas as noites, às 21h, ouvimos pessoas gritando slogans de suas varandas ou de suas janelas. As pessoas gritam 'morte ao ditador' ou 'zan, zendeghi, azadi', que significa 'mulher, vida, liberdade'. É uma situação muito estranha. Outra noite, estávamos na rua e, de repente, vimos alguns policiais aparecerem do nada, correrem em direção a um menino e começar a espancá-lo. Ouvimos slogans e de repente percebemos o gás lacrimogêneo. Você vê muitas coisas diferentes na cidade, e a atmosfera muda de um dia para o outro."

A morte da estudante originária de Saqqez, no Curdistão iraniano, foi apenas o estopim para a explosão de uma revolta latente há vários anos. Mahsa Amini estava em Teerã para visitar familiares, acompanhada de um irmão. Depois de ser detida e levada para uma delegacia, ela foi transportada para um hospital, onde chegou em coma. As autoridades iranianas disseram que a jovem morreu de uma doença cerebral e não de "espancamento", segundo um relatório médico, rejeitado pelo pai da estudante. No entanto, uma fotografia de Mahsa, feita por uma jornalista no leito do hospital, mostra que ela tinha vestígios de ferimentos no rosto e no pescoço. A estudante foi enterrada no dia seguinte, em sua cidade natal.

Esgotamento de um sistema político

O incidente, vivido como uma imensa injustiça e discriminação, catalisou as frustrações de uma juventude exasperada pela falta de perspectivas de futuro. Palavras de ordem como "Morte à República Islâmica!" e "Morte a Khamenei!", o guia Supremo do Irã, têm incendiado as manifestações, registradas em ao menos 40 cidades do país. Nas universidades de Teerã, Tabriz, Yazd ou Isfahan, as estudantes filmam seus protestos.

Apesar da censura da internet e das redes sociais, imagens provenientes do Irã mostram mulheres arrancando seus véus, descobrindo seus cabelos, queimando o hijab (véu islâmico) ou desafiando a polícia. As mulheres iranianas exigem o fim de um sistema político-religioso que cerceia as liberdades e é profundamente discriminatório para com elas. Homens também almejam acabar com este regime opressor.

Em setembro, ainda no início da mobilização, Chahla Chafiq, escritora e socióloga iraniana exilada na França, havia assinalado, em entrevista à RFI: "A situação atual não afeta somente as mulheres; muito pelo contrário, é uma questão que envolve toda a sociedade, e é isso que está vindo à tona", afirmou a escritora.

Nas últimas décadas, o Irã registrou outros movimentos de protesto. Mas a duração e a escala da revolta do último mês, assim como a participação maciça de jovens e mulheres, são particularmente impressionantes.

"O caso de Mahsa Amini ultrapassou um limite", explica a jornalista franco-iraniana Mariam Pirzadeh, redatora-chefe no canal de TV France 24, do mesmo grupo da RFI. "Para esta geração, se manifestar e desafiar o governo é mais forte do que qualquer outra coisa. A juventude está disposta a enfrentar a morte e a prisão, ao invés de continuar a viver sob um poder autoritário", avalia Pirzadeh.

Repressão feroz

Um relatório da ONG Anistia Internacional, datado de 30 de setembro, revelou as manobras das autoridades iranianas para esmagar os protestos, por meio da mobilização da Guarda Revolucionária, da força paramilitar Basij, bem como das tropas de choque e de policiais à paisana. Imagens de vídeo documentam inúmeras violências cometidas pelos agentes do Estado. 

Pelo menos duas adolescentes morreram em circuntâncias suspeitas depois de participarem de protestos. Sarina Esmaeilzadeh, de 16 anos, aluna do ensino médio, aparece entre os mortos pelas forças de segurança iranianas entre 19 e 25 de setembro, segundo a Anistia Internacional. Nika Shakarami, também de 16 anos, desapareceu em 20 de setembro, quanto participava de uma manifestação em Teerã. O corpo da jovem foi encontrado enterrado no dia de seu 17º aniversário, em 1º de outubro. As circunstâncias da morte das duas meninas ainda não foram esclarecidas. A Justiça iraniana nega os relatórios da Anistia Internacional e diz que ambos os casos foram "suicídios", sem conexão com espancamentos da polícia. 

O principal palco dos protestos no Irã, no entanto, tem sido Sanandaj, a capital do Curdistão, província do noroeste do Irã de onde Mahsa Amini era originária. "Seja a voz de Sanandaj", diz um folheto distribuído por ativistas e postado nas redes sociais. 

"A multidão tomou conta de quase todas as ruas de Sanandaj. As forças de repressão abriram fogo diretamente contra as pessoas, usando metralhadoras", relatou Awyar Shekhi, da ONG curda Hengaw, a jornalista Oriane Verdier, da redação internacional da RFI.

Além da repressão física, as autoridades islâmicas do Irã também censuram as conexões de internet, monitoram a mídia e restringem o acesso às redes sociais, o principal meio de denúncia usado pelos iranianos para mostrar ao mundo o que acontece no país. O trabalho de apuração das ONGs de direitos humanos também é prejudicado por essas medidas.

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