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Morre Frederik de Klerk, ex-presidente da África do Sul que libertou Mandela

O último presidente branco da África do Sul, Frederik Willem de Klerk, morreu nesta quinta-feira (11), aos 85 anos. Ele ficou conhecido por ter libertado o ícone da luta contra o Apartheid, Nelson Mandela, após 27 anos de detenção e de ter compartilhado com ele o Prêmio Nobel da Paz, em 1993. No entanto, De Klerk nunca reconheceu o regime que segregava os negros sul-africanos como um crime contra a humanidade.

Frederik de Klerk cumprimenta Nelson Mandela após discussão sobre o fim do Apartheid, em dezembro de 1991.
Frederik de Klerk cumprimenta Nelson Mandela após discussão sobre o fim do Apartheid, em dezembro de 1991. AP - John Parkin
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Claire Arsenault, da RFI

"É com grande tristeza que a Fundação FW de Klerk anuncia a morte do ex-presidente de forma tranquila, em sua residência de Fresnaye, esta manhã, depois de lutar contra o câncer", anunciou a entidade em um comunicado. Frederik Willem (FW) de Klerk anunciou em março, no dia em que completou 85 anos, que sofria de um câncer que afetava os tecidos ao redor dos pulmões. Ele morreu em sua casa, localizada num subúrbio da Cidade do Cabo.

Quando De Klerk se tornou presidente da África do Sul, em 1989, seus amigos do Partido Nacional sabiam que ele cumpriria sua missão no cargo, mas não esperavam que ele seria responsável pela reviravolta política no país. De Klerk ainda era estudante quando se tornou membro da legenda, nos anos 1950 – a sigla legalizou o Apartheid em 1948. Ele seguiu os passos da sua tradicional família afrikaner, instalada no país desde 1686. Os afrikaners são descendentes dos primeiros colonos que chegaram à África no século 17: holandeses, alemães, franceses e outros não britânicos.  

Depois de terminar os estudos de Direito, De Klerk se instalou como advogado em Vereeniging, no sul de Transvaal. Mas o gosto pela política sempre esteve presente e, em 1972, aos 36 anos, ele se apresentou às eleições legislativas e foi eleito deputado. Este será o primeiro mandato de sua carreira. Seis anos depois, De Klerk foi nomeado ministro e continuou no cargo, sem interrupção, até 1989, quando foi eleito presidente da África do Sul.

Considerado um conservador, o que é um fato, Frederik De Klerk tinha consciência que seu país não podia mais manter sua política de segregação como se estivesse sozinho no mundo. No final dos anos 1980, a pressão internacional foi tamanha que o regime não pôde dar continuidade à sua política como se nada estivesse acontecendo. As revoltas se multiplicaram no país e as sanções e os boicotes de inúmeros países convenceram o presidente da urgência da mudança.  

Recém-eleito presidente da África do Sul, em 1994, Nelson Mandela troca um aperto de mãos com Frederik de Klerk.
Recém-eleito presidente da África do Sul, em 1994, Nelson Mandela troca um aperto de mãos com Frederik de Klerk. © Star Tribune via Getty Images - Star Tribune via Getty Images

Negociações

De Klerk decidiu, então, promover uma reviravolta: em 2 de fevereiro de 1990, na Cidade do Cabo, ele anunciou a suspensão da interdição ao Congresso Nacional Africano (ANC), movimento político de Mandela, e de outras 30 legendas, entre elas o Partido Comunista. "A hora das negociações chegou", declarou. Ao mesmo tempo, ele também anunciou o cancelamento do estado de emergência, a suspensão da pena de morte e a libertação imediata de todos os presos políticos.

De Klerk também prometeu uma modificação da Constituição que garantiria a todos os cidadãos os mesmos direitos, oportunidades e um tratamento igualitário. Sua intervenção de 30 minutos, diante do Parlamento, mudou o destino do país. Na época, poucas pessoas sabiam quais eram de fato as intenções do presidente sul-africano. Entre elas, Mandela, que aceitou que sua libertação fosse adiada por mais alguns uns dias. Os dois haviam se encontrado em segredo, cara a cara, pela primeira vez, em dezembro, no palácio presidencial. Na ocasião, Mandela havia sido retirado da sua cela na penitenciária de Robben Island e conduzido até o escritório do presidente passando pela garagem, no subsolo. Ambos consideraram que podiam trabalhar juntos.

Frederik de Klerk, então candidato do Partido Nacional, venceu as eleições em setembro de 1989. Na foto, ele participa de um comício.
Frederik de Klerk, então candidato do Partido Nacional, venceu as eleições em setembro de 1989. Na foto, ele participa de um comício. © Getty Images - William Campbell

Declaração polêmica

Nelson Mandela foi finalmente libertado em 11 de fevereiro de 1990. As negociações oficiais entre a ANC e o governo começaram no mês de março, mas as discussões já aconteciam há quatro anos. A partir de então, De Klerk e Mandela, apesar de terem continuado como adversários, iniciaram um processo para transformar a África do Sul em uma democracia multirracial, o que levaria os dois líderes a obter o prêmio Nobel da Paz, em 1993.

O Apartheid foi abolido oficialmente em 30 de junho de 1991 e De Klerk deu continuidade às negociações para estabelecer uma Constituição provisória. As primeiras eleições democráticas do país ocorreram em abril de 1994. Mandela foi eleito presidente pelo novo Parlamento e De Klerk se tornou vice, cargo que ele dividiu com Thabo Mbeki. Ele pediu demissão no ano seguinte, colocando um ponto final em sua carreira política ao deixar a direção do Partido Nacional, que perdeu toda a sua influência.

Mandela homenageou De Klerk em 2006 "por ter evitado um banho de sangue na África do Sul". Em 2008, o ex-presidente elogiou "a disciplina, a perseverança, a sabedoria e o conhecimento do ser humano" de Mandela. Isso não o impediu, em 2012, de se mostrar crítico em relação à imagem icônica criada em torno do herói da luta contra o Apartheid. "Ele não correspondia em nada à figura santa e bondosa que fazem dele", disse. "Ele era até mesmo brutal e injusto", ousou dizer De Klerk. Suas declarações geraram uma enorme polêmica.

Seu silêncio chamou a atenção quando Mandela foi hospitalizado, em 2013, e líderes do mundo todo deram declarações sobre a importância de suas ações. No final, De Klerk declarou que o líder era uma pessoa "notável" e citou a "herança importante" que Mandela deixaria após sua morte. As declarações não foram difundidas na África do Sul.

De Klerk deixa a imagem controversa de um presidente com um olhar ambíguo sobre o Apartheid, como explica o correspondente da RFI na África do Sul, Romain Chanson. Ele nunca qualificou o Apartheid, por exemplo, de crime contra a humanidade. Sua oposição a utilizar o termo causou polêmica em 2020, após uma entrevista na TV, apesar dele ter reconhecido que o regime tinha "devastado a vida de milhões de sul-africanos".

Consciente de que entraria para a história por ter libertado Nelson Mandela, o presidente Frederik de Klerk sabia que estava presenciando o fim do poder dos brancos na África no Sul.
Consciente de que entraria para a história por ter libertado Nelson Mandela, o presidente Frederik de Klerk sabia que estava presenciando o fim do poder dos brancos na África no Sul. www.weforum.org / Wikimedia commons

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