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Afeganistão: talibãs tomam nove capitais, forças de segurança se entregam e civis fogem

O Talibã tomou na noite desta terça-feira (10) a cidade de Faizabad, no extremo nordeste do Afeganistão, a nona capital provincial a cair em suas mãos em menos de uma semana, informou nesta quarta-feira (11) um deputado local. Em Kunduz, ocupada neste fim de semana, as forças de segurança se entregaram aos insurgentes nesta manhã.

Famílias afegãs que fugiram das províncias de Kunduz e Takhar, devido aos combates entre o Talibã e as forças de segurança, instalam-se em um campo em Cabul, em 9 de agosto de 2021.
Famílias afegãs que fugiram das províncias de Kunduz e Takhar, devido aos combates entre o Talibã e as forças de segurança, instalam-se em um campo em Cabul, em 9 de agosto de 2021. AFP - WAKIL KOHSAR
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"Ontem à noite, as forças de segurança que lutaram contra o Talibã por muitos dias estavam sob grande pressão. Eles deixaram Faizabad e se retiraram (para distritos próximos). Os talibãs agora assumiram o controle da cidade. Os dois lados sofreram muitas perdas", declarou à AFP Zabihullah Attiq, deputado da província de Badakhshan, onde Faizabad é a capital. A cidade nunca havia sido conquistada pelos talibãs, mesmo durante sua ascensão ao poder, na década de 1990.

Já em Kunduz, centenas de membros das forças de segurança, que haviam se refugiado próximo ao aeroporto local, depois que a cidade no nordeste do país foi dominada, neste fim de semana, se renderam ao Talibã, informou um conselheiro provincial à AFP. "Esta manhã, centenas de militares, policiais e membros das forças de resistência (milícias) que estavam próximos ao aeroporto se renderam ao Talibã com todo o seu equipamento", informou Amruddin Wali, vereador da província de Kunduz.

"A maioria dos soldados que estavam instalados no aeroporto se renderam", confirmou à AFP um militar presente no local, que pediu anonimato. "O Talibã nos cercou, eles atiraram contra nós. Não havia como responder", explicou. "Minha unidade, com 20 soldados, três veículos e quatro caminhonetes, acabou de se render. Estamos apenas esperando nossa carta de perdão. Há uma grande fila", acrescentou.

Na terça-feira, o Talibã também ocupou Farah, no oeste, e Pul-e-Khumri, no norte, a 200 km de Cabul. Desde sexta-feira (6), eles somam as capturas de Zaranj (sudoeste), Sheberghan (norte), reduto do famoso chefe da guerra Abdul Rachid Dostom, e especialmente Kunduz, a grande cidade do nordeste, além de três outras capitais do norte, Taloqan, Sar-e-Pul e Aibak.

Presidente em Mazar-i-Sharif

O presidente afegão, Ashraf Ghani, chegou a Mazar-i-Sharif, a grande cidade no norte do país sitiada pelo Talibã, nesta quarta-feira, para tentar coordenar a resposta aos insurgentes, que agora controlam mais de um quarto das capitais provinciais do país.

Ele deve "verificar a situação geral de segurança na zona norte" e "se encontrar com oficiais de segurança, líderes jihadistas, autoridades ​​e outras figuras influentes", informou o palácio presidencial em um comunicado.

Era previsto que Ghani se encontrasse com Mohammad Atta Noor, o ex-governador da província de Balkh, onde Mazar-i-Sharif é a capital, um homem forte da região, que prometeu “resistir até a última gota de sangue", assim como como Abdul Rachid Dostom, seu ex-vice-presidente.

Imagens postadas durante a noite nas redes sociais mostram o marechal Dostom, um poderoso líder da etnia uzbeque, embarcando em um avião para Mazar-i-Sharif com um grande contingente de homens armados.

O Talibã, que está convergindo de diversas direções para Mazar-i-Sharif, atacou bairros nos arredores da cidade na terça-feira, mas foi repelido, de acordo com um jornalista da AFP. A perda de Mazar-i-Sharif seria catastrófica para o governo, que não teria mais controle sobre toda a parte norte do país. Também permitiria ao Talibã desviar seus esforços para outras regiões e talvez até mesmo para a capital Cabul.

Washington demonstra irritação

Washington esconde cada vez menos sua irritação com a fraqueza do exército de Cabul, que os americanos vêm treinando, financiando e equipando há anos. O porta-voz da diplomacia americana, Ned Price, destacou que as forças governamentais eram "muito superiores em número" às do Talibã e que tinham "o potencial de infligir perdas mais importantes". “Essa ideia de que o avanço do Talibã não pode parar não é a realidade no terreno”, avaliou.

"Não me arrependo da minha decisão" de deixar o Afeganistão, assegurou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, nesta terça-feira. Os afegãos "devem ter vontade de lutar" e "devem lutar por si mesmos, por sua nação".

Enquanto os combates também se intensificam no sul, em torno de Kandahar e em Lashkar Gah, Doha sediou um encontro internacional nesta terça-feira com representantes do Catar, Estados Unidos, China, Reino Unido, Uzbequistão, Paquistão, Nações Unidas e União Europeia. As negociações foram prolongadas nesta quarta-feira e o enviado americano, Zalmay Khalilzad, deve motivar o Talibã "a cessar sua ofensiva militar e a negociar um acordo político".

O processo de paz entre o governo afegão e o Talibã foi iniciado em setembro passado no Catar, como parte do acordo alcançado em fevereiro de 2020 entre os insurgentes e Washington, que prevê a saída total de tropas estrangeiras do Afeganistão até 31 de agosto. Mas as discussões estão paradas.

Cenas de horror

A violência obrigou dezenas de milhares de civis a fugir de suas casas em todo o país, com o Talibã acusado de inúmeras atrocidades em locais sob seu controle. Abdulmanan, uma pessoa deslocada de Kunduz, conta que presenciou o Talibã decapitar um de seus filhos. “O Talibã agarrou um dos meus filhos pela cabeça, como se ele fosse uma ovelha, eles o decapitaram com uma faca e jogaram sua cabeça para longe. Não sei se seu corpo foi comido por cães ou enterrado."

Em um parque no centro de Cabul, centenas de deslocados dormem no chão, traumatizados. Friba, de 36 anos, lembra-se de cães perambulando ao redor de cadáveres perto da prisão de Kunduz, cidade de onde fugiu com seus seis filhos no domingo.

Marwa, de 25, vem de Taloqan, outra capital de província tomada no domingo. Em lágrimas, ela diz que os insurgentes sequestraram sua prima de 16 anos no dia anterior para casá-la à força com um combatente. “Quando há duas meninas na família, eles levam uma para casar, quando são dois meninos, eles pegam um para fazê-lo combater”, acrescenta a jovem viúva, com um cateter sujo preso na mão por causa de um ferimento na perna. "Estou tão triste que sempre penso em atear fogo no meu corpo."

Nas localidades que conquistaram, os insurgentes foram acusados ​​de cometer crimes de guerra e diversas organizações internacionais, incluindo a ONU, pediram investigações. "Três dias atrás, o Talibã matou um barbeiro porque pensaram que ele estava trabalhando para o governo. Mas ele era apenas um barbeiro", lamenta Mirwais Khan Amiri, 22, que chegou ao parque no sábado, também vindo de Kunduz. "Eles estavam matando todos que trabalhavam para o governo, mesmo aqueles que haviam renunciado há 5 anos."

E ao trauma agora se soma a falta de tudo. No parque, não há nem dez tendas para abrigar os deslocados, que as reservam para as crianças. A maioria das pessoas não tem nada como abrigo além de alguns panos pendurados nas árvores. Uma menina de dois anos, parecendo muito doente, está deitada no chão perto de seu avô: "Ela pegou um resfriado à noite", disse Mohammad Khan, de 70 anos.

Sem ajuda

Nenhuma organização humanitária está presente. Os próprios deslocados começaram a listar seus nomes, esperando que as autoridades venham, para pedir sua ajuda. Um homem tenta vender mosquiteiros para os desabrigados - cerca de US$ 3 a peça. Mas ninguém tem dinheiro.

Bibi Ma, uma viúva, está sozinha com sua filha e 11 netos. “Não tenho dinheiro para cuidar deles. Eles pedem para ver o pai”, lamenta. Mas seu pai morreu há quatro dias, quando um foguete caiu na porta de sua casa, em Kunduz.

“Não nos deram nem um centavo até agora”, lamenta Azizullah, também de Kunduz, que perdeu “sete ou oito vizinhos” e denuncia “a forma brutal de combate” do Talibã. “Eles entraram nas casas à força e matam aqueles que tentam detê-los", lembra ele." Se continuarem assim, sem se preocupar com ninguém, logo estarão em Cabul. E aí, para onde podemos fugir?".

De acordo com o governo afegão, 60 mil famílias já foram deslocadas pelos combates nos últimos dois meses e 17 mil foram registradas em Cabul. Ao todo, o Afeganistão tem mais de 5 milhões de deslocados internos, incluindo pelo menos 359 mil que fugiram em 2021, informou a Organização Internacional para as Migrações (OIM), nesta terça-feira.

(Com informações da AFP)

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