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Crise na Ucrânia completa um ano sem perspectiva de paz

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Há exatamente um ano, o governo do então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovitch, desistia de assinar um acordo de livre comércio e associação política com a União Europeia (UE) em prol das relações econômicas com a Rússia. Este foi o estopim para a maior crise política vivida pela Ucrânia desde sua independência da ex-União Soviética, em 1991. A situação, de acordo com especialistas ouvidos pela RFI, ainda está muito longe de um desfecho.

A praça Maidan, no centro da capital Kiev, abrigou os principais protestos contra a política do ex-presidente Viktor Yanukovitch e se tornou o símbolo da contestação ucraniana.
A praça Maidan, no centro da capital Kiev, abrigou os principais protestos contra a política do ex-presidente Viktor Yanukovitch e se tornou o símbolo da contestação ucraniana. (©Reuters)
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O anúncio da desistência do acordo com a UE, em 21 de novembro de de 2013, resultou em uma imensa revolução popular pró-Europa que levou milhares de ucranianos às ruas. A praça Maidan, no centro de Kiev, foi transformada em fronte de guerra e e virou o símbolo da constestação ucraniana.

Apesar da dura repressão, os protestos se prolongaram por vários meses e resultaram na queda de Viktor Yanukovitch em 22 de fevereiro deste ano. Os violentos confrontos dos manifestantes com a polícia terminavam em dezenas de mortos a cada semana. O mais brutal deles, em meados de feveiro, durou três dias e resultou na morte de mais de cem pessoas.

Pouco depois, Yanukovitch fugiu para a Rússia e foi destituído pelo Parlamento ucraniano. Em maio, o bilionário pró-Europa, Petro Porochenko, foi eleito em primeiro turno. Um mês depois, o acordo com a UE era assinado.

Rebelião separatista

Se de um lado o movimento de contestação cresceu ao longo dos meses, de outro, a população pró-russa, orquestrada por Moscou, se enfureceu com a possibilidade de cortar os laços com a antiga pátria.

Para o professor de História Contemporânea da USP e especialista na história da Rússia e da ex-União Soviética eurasiana, Ângelo Segrillo, o fenômeno é explicado com as origens da população ucraniana e um processo histórico que data de centenas de anos. “Os ucranianos, russos e bielorussos eram um povo só nos séculos 9 ao 12, na época do Estado Kievano. Com o domínio mongol, a Rússia se manteve um Estado unitário, mas a Ucrânia foi separada durante vários séculos entre os impérios russo, austríaco e otomano. Com essa herança, o país esteve sempre dividido entre o ocidente e o oriente”, ressalta.

“A Ucrânia tem hoje 20% de população de origem russa e a influência de Moscou ainda é muito forte no país que, até 1991, pertencia à ex-União Soviética. Os descendentes sempre defenderam a manutenção dessas relações com a Rússia, enquanto os ucranianos tinham uma tendência maior em se ligar com a Europa – o que foi aumentando com a revolta que começou no final do ano passado”. Para Segrillo, não há dúvidas que a revolução da praça Maidan é a consequência de um país que vem sendo internamente dividido há centenas de anos.

Por isso, ele defende que, caso as lideranças não encontrem uma solução em prol da coexistência pacífica, a Ucrânia se divida definitivamente em pró-Europa e pró-Rússia. “Desde a época da União Soviética, muitos historiadores apostavam nessa separação. É necessário que os negociadores de ambas as partes se esforcem para obter um status quo de convivência, porque as tendências neste momento caminham em direção à divisão do país”, acredita.

Anexação da Crimeia e independência do leste

Em março, a Crimeia é anexada à Rússia, sob aplicações de sanções pelos países ocidentais e promessas de retaliação de Moscou. Em maio, é a vez de Donetsk e Lugansk, no leste, declararem sua independência. Na região, em julho, o voo MH17, da Malaysia Airlines, que fazia o trajeto Amsterdã-Kuala Lumpur, com 298 pessoas a bordo, é abatido por um míssil de origem russa. Os separatistas e Moscou se esquivam da responsabilidade da tragédia.

Durante o conflito na Crimeia e no leste, Kiev denuncia diversas vezes a invasão militar russa, veementemente negada por Moscou. Um cessar-fogo é estabelecido no início de setembro, mas os combates continuam na região. No total, mais de 4 mil pessoas morreram desde o início do conflito. Entre elas, mil mortes foram registradas desde a trégua.

No dia 2 de novembro, um novo golpe contra Kiev: os separatistas de Lugansk e Donetsk organizam suas próprias eleições, apesar do desacordo dos países ocidentais e do governo ucraniano.

Saída para o conflito

O diretor do Observatório Franco-Russo de Moscou, Arnaud Dubien, especialista na questão russo-ucraniana, é pessimista sobre uma saída para o conflito nos próximos meses. “Não há mais nenhuma confiança nos atores políticos e nenhuma vontade entre as duas partes de discutir os verdadeiros problemas na Ucrânia. Então, esse impasse vai continuar, mas ele é muito perigoso porque as violências não tiveram fim até agora. A qualquer momento, podemos ter uma ‘derrapada’ trágica", analisa.

Para Dubien, o mais preocupante é a radicalização do debate político na Ucrânia, que, segundo ele, retarda a evolução da democracia. “Esta não foi a primeira revolução no país e a crise mobilizou uma parte da sociedade civil ucraniana, o que não é algo ruim em si. Os extremismos, no entanto, são alarmentes em uma nação que continua em guerra, traumatizada, e isso atrasa o amadurecimento democrático”, finaliza.

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