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O Mundo Agora

Tragédia do boeing da Malaysia Airlines na Ucrânia enfraquece Putin

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Vladimir Putin inaugurou na Ucrânia uma nova maneira de guerrear. Mandar tropas contra um país vizinho com uniformes sem identificação, como se fossem soldados sem pátria, saídos do nada. Treinar, apoiar e armar com armas cada vez mais sofisticadas grupos irregulares de rebeldes locais, misturados e comandados por forças especiais russas camufladas em guerrilheiros. Uma tática de mentira estratégica sustentada por fortes concentrações de tropas e material “oficiais” coladas à fronteira. Com esses estratagemas, o Kremlin podia continuar alimentando a ficção que não tinha nada a ver com pato. E que o esquartejamento de uma nação independente vizinha era simplesmente obra de revoltosos internos que, como por acaso, adoram a Rússia. E a mãe-Rússia não poderia ficar indiferente às “justas” reivindicações destes “patriotas” que tiveram só o azar de nascer do outro lado da fronteira.

O presidente russo, Vladimir Putin disse que a tragédia do voo da Malaysia Airlines não deve ser usada com fins políticos.
O presidente russo, Vladimir Putin disse que a tragédia do voo da Malaysia Airlines não deve ser usada com fins políticos. REUTERS/Michael Klimentyev/RIA Novosti/Kremlin
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Não há dúvida de que essa nova forma de guerra deu bons resultados num primeiro momento. Putin deglutiu descaradamente a Criméia (a primeira grande e aberta anexação de território na Europa desde o fim da Segunda Guerra mundial). E conseguiu também manter um estado de guerra interna no Leste da Ucrânia, um trunfo precioso para cercear qualquer tentativa de política independente por parte do Estado vizinho.

Putin terá que tomar distância dos separatistas

O problema é que essa mistura de mercenários, milícias violentas e indisciplinadas, criminosos de guerra reciclados e forças especiais desgarradas, supridos com armas pesadas como se fosse um exército regular, é brincar com fósforo dentro de um barril de pólvora. Deu no que tinha que dar com a derrubada do avião da Malaysia Airlines. Intencional ou erro de tiro, a destruição do avião de linha por um míssil de longo alcance fornecido pelos russos, acabou de vez com qualquer desculpa esfarrapada do Kremlin.

Putin está agora acuado a deixar o vizinho ucraniano decidir o seu futuro e vai ter, de maneira ou outra, que se distanciar dos ditos revoltosos “independentistas” comprometendo seriamente a sobrevida dos próprios. E até a própria conquista da Crimeia pode se tornar um pedregulho no sapato do presidente russo. Putin realizou a façanha de colocar todos os líderes europeus e os americanos contra ele e pode chegar a ter que pagar um preço altíssimo, político e econômico. A Rússia está ameaçada de sair do imbróglio ucraniano bem mais fraca do que entrou.

“Feitiço virou contra o feiticeiro”

A inovação russa foi usar, de maneira maciça, pedaços do exército “oficial” como se fossem combatentes apátridas. A ideia já havia sido testada recentemente pelo Irã na Síria. Teerã, que arma e sustenta o Hezbolah libanês, mandou a milícia xiita intervir no território sírio para apoiar o governo de Bashar Al-Assad, e estabeleceu uma hierarquia militar dentro do próprio exército sírio, comandado por oficiais da Guarda Revolucionária iraniana, clandestinos e sem uniformes nacionais. Aí também o tiro saiu pela culatra. Dar uma sobrevida ao regime ditatorial sírio, abriu o caminho para os grupos islamitas sunitas ultrarradicais que agora estão ameaçando diretamente o regime pró-iraniano xiita no Iraque. Em vez de saírem reforçados da aventura na Síria, os aiatolás de Teerã criaram uma baita e perigosa ameaça nas suas próprias fronteiras.

Guerras irregulares e manipulações de extremistas locais sempre existiram. Mas nesse século XXI, onde tudo é monitorado e vem a público, quando um Estado soberano começa guerrear como se fosse um grupo terrorista ou um bando de mercenários, é quase impossível manter a disciplina e o foco estratégico. O feitiço acaba sempre se virando contra o feiticeiro. Os americanos que o digam quando armaram o grupo de Bin Laden no Afeganistão para enfrentar a ocupação russa nos anos 1980 e acabaram chorando os mortos das Torres Gêmeas e combatendo guerras perdidas no Oriente-Médio durante mais de uma década.

Clique no ícone acima para ouvir a crônica de Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos de Paris

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