Só faltava a gota d’água. E ela se chama Catar. A Fifa, o órgão máximo do futebol mundial, está ameaçada de morrer afogada num mar de lama. Há poucos dias da cerimônia de abertura da Copa no Brasil, o Sunday Times inglês lançou uma verdadeira “bomba” acusando o antigo presidente catariano da Confederação Asiática e vice-presidente da FIFA, de ter comprado o voto de uma boa parte do Comitê Executivo para atribuir ao Catar a organização da Copa de 2022.
E a compra dos votos não foi nada barato: 5 milhões de dólares em propinas. Na época, em 2010, o próprio presidente da organização, Joseph Blatter, havia declarado que dar esse presente para o Catar havia sido um “erro” e que as “pressões políticas”, da França e da Alemanha a favor dos catarianos haviam sido mais do que pesadas. E muita gente já havia achado estranho entregar a organização da Copa para um pequeno emirado do Golfo sem nenhuma tradição futebolística e onde os times terão que jogar numa temperatura de 50 graus à sombra. A coisa era tão absurda que o Catar prometeu construir arenas com ar condicionado no campo. Uma solução maluca que já desmoronou e que obrigou a Fifa a pensar em realizar a Copa no inverno europeu, no mês de dezembro. É areia demais, até para o caminhaozão da Fifa. Foi aberto um inquérito e começa a pressão para votar tudo de novo.
Esse último episódio na história dos escândalos de corrupção da Fifa é só mais um sinal alarmante da degenerescência da organização do futebol mundial. Até os anos 1970, o futebol internacional era um esporte lindo, um jogo de grandes times nacionais sem floreios. Hoje virou uma máquina caça-níqueis, uma potência mundial mobilizando bilhões de dólares, acima de qualquer controle. Quase um Estado à parte frente aos Estados nacionais, com suas regras próprias, suas exigências cada vez mais exorbitantes, seus contratos de publicidade e audiovisuais mirabolantes.
Foi o brasileiro João Havelange, presidente da Fifa durante 24 anos, que transformou o jogo num verdadeiro negócio da China. Foi ele que abriu as portas para as federações do mundo inteiro, transformando o jogo em esporte mundial e dobrando o número de participantes nas Copas do mundo. Foi ele também que inventou várias copas e torneios e abriu o caminho para os contratos milionários com as televisões do mundo. Com ele o jogo virou sobretudo um espetáculo – e cada vez mais caro.
Todos os países que organizaram uma Copa do mundo nas últimas décadas tiveram problemas de corrupção, de pressão política e de orçamentos estourados. Sediar a Copa é visto agora como um negócio bilionário para poucos e como um instrumento de orgulho e propaganda nacional para os governantes de turno. Rios de dinheiro são gastos com a desculpa esfarrapada de que as infra-estruturas criadas para o certame vão beneficiar o país e as populações locais. Na maioria dos casos isso foi sempre um ledo engano. O craques viraram estrelas milionárias de um espetáculo mundial e a maioria dos jogadores selecionados nos escretes nacionais jogam no exterior.
Os interesses financeiros no futebol são hoje tão impressionantes que conquistar o direito de organizar uma Copa virou uma guerra de foice no escuro. E a corrupção acaba correndo solta com a multiplicação de federações de países pobres e dirigentes escolhidos por clientelismo, todos ávidos de levar o “seu”.
Apesar da paixão que o planeta ainda tem pelo futebol e pelo talento de suas estrelas, fica cada vez mais difícil engolir toda a podridão que vem junto com a organização das Copas, com as suspeitas de jogos comprados de antemão e de árbitros corruptos. Até o Brasil está começando a manifestar e denunciar os desmandos e escândalos financeiros da Copa. Se a “pátria de chuteiras” está perdendo a fé no jogo é que a coisa vai muito mal. O caso do Catar estourou a boca do balão. Se o país perder o direito de organizar a Copa de 2022, isso significa que toda a estrutura de governo da Fifa vai ter que ser mudada. Vai sobrar cartão vermelho para muita gente.
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