Acessar o conteúdo principal
O Mundo Agora

Eleições estão sendo usadas contra a democracia

Publicado em:

O voto independentista no Leste da Ucrânia cria mais um precedente perigoso para a legitimidade dos processos eleitorais no mundo. E vem confirmar mais uma vez que votar não basta para conferir legitimidade à vontade popular e aos dirigentes eleitos.  

Referendo em Luhansk, 11 de maio de 2014.
Referendo em Luhansk, 11 de maio de 2014. REUTERS/Valentyn Ogirenko
Publicidade

O primeiro problema para um referendo separatista é a sua compatibilidade com as leis e a Constituição do Estado soberano no qual ele se encerra. Certamente minorias locais têm direitos que devem ser respeitados, mas as maiorias nacionais também têm direitos. Nesse quesito, o melhor exemplo de conduta democrática é o próximo referendo sobre a soberania da Escócia. Londres não acha graça nenhuma na independência escocesa mas, apesar dos milhares de problemas que isso acarretaria, acabou negociando com Edimburgo uma forma legal para que o voto possa acontecer legitimamente.

Já na Catalunha, uma pequena maioria quer passar por cima da Espanha inteira e organizar um voto nacionalista. E claro, o poder central em Madrid que também foi eleito democraticamente pelos espanhóis - inclusive pelo eleitorado catalão - já avisou que era ilegal e não reconheceria o resultado. Quem seria o poder mais legítimo? Vem crise pesada por aí.

No mundo inteiro existem incontáveis grupos e minorias locais que andam namorando a idéia de divorciar de um estado central considerado opressor. Só na Rússia são vários, sobretudo no Cáucaso. E sem falar dos tibetanos e uigures na China, os karens na Birmânia, os curdos e dezenas de outros mundo afora. Mas, nos Estados autoritários, a contradição é resolvida na porrada. Putin não hesitou em massacrar dezenas de milhares de pessoas para impedir a independência da Chechênia e a grande maioria das minorias do planeta não pode nem sonhar com separatismo que, na hora, o cacete baixa.

Referendos sem legitimidade

E aí vem o segundo grande problema: não há referendo legítimo sem total liberdade de expressão (até para os que não querem independência), sem garantias de segurança individual para os eleitores, sem acesso amplo à mídia audiovisual e sem monitoramento e controle feito por instituições independentes. Nada disso aconteceu no Leste da Ucrânia onde até imprensa internacional ou ucraniana foi proibida de cobrir o acontecimento. Os grupos pró-russos realizaram uma paródia de voto, protegidos por forças especiais russas e intimidando qualquer tipo de oposição. A legitimidade do voto é nula, mesmo se em três ou quatro cidades muita gente foi às urnas. Trata-se de mais um passo na estratégia de Moscou de sabotar voto nacional do dia 25 de maio na Ucrânia. Quanto aos liderzinhos pró-russos locais, eles só fizeram utilizar o formalismo de um voto fajuto para se lançar numa carreira de aprendizes de ditadores.

Eleições tornaram-se arma contra a democracia

E aí está o terceiro e grave problema. As eleições estão sendo cada vez mais utilizadas contra os valores e as práticas democráticas. Antigamente, as ditaduras, comunistas ou fascistas utilizavam o voto para justificar os seus regimes totalitários. Hoje, nos países onde não há tradição de instituições fortes, qualquer caudilho que ganha uma eleição está convencido que isto lhe dá direito ao poder absoluto. E que a oposição – qualquer oposição – é inimiga do povo que só ele representa. E esse delírio leva à manipulação e ao desvirtuamento de todos as instituições democráticas, e à idéia de que quem não está de acordo deve ser exterminado ou calado para sempre.

Na América Latina, o melhor exemplo é o regime bolivariano da Venezuela. A Ucrânia é mais um prego no caixão da idéia fundamental de que a política civilizada é aquela em que há diálogo sério entre situação e oposição e onde existe alternância pacífica no poder. E essa triste realidade faz com que hoje, todos os Estados soberanos estão ameaçados de se desintegrarem.

 

 

 

 

 

 

 

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.