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O Mundo Agora

A guerra é compatível com a democracia

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Muita gente acredita que guerra não é compatível com democracia. Sempre acrescentando o adjetivo “verdadeira” à palavra "democracia". Ninguém sabe o que é uma democracia “de verdade”, já que por definição trata-se de um sistema político aberto onde todas as opiniões, até as mais inaceitáveis, competem para atrair a adesão da sociedade.Só as ditaduras se acham encarnações da “verdade”. A única verdade final da democracia é o próprio processo de debates e múltiplas pressões que tentam influenciar o jogo. Só os regimes autoritários podem decretar que não têm mais papo.  

Vítimas do ataque com armas químicas na região de Goutha, perto de Damasco.
Vítimas do ataque com armas químicas na região de Goutha, perto de Damasco. REUTERS/Bassam Khabieh/Files
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É bom lembrar essas coisas nesse momento dramático em que o presidente da maior potência do mundo, Barack Obama, decidiu pedir formalmente o beneplácito do Congresso para uma intervenção na Síria. É arriscado: ele pode perder o voto.

O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, outra grande e velha democracia, também utilizou esse procedimento e... perdeu. Os pacifistas e idealistas estão convencidos de que se não existissem lobbies econômicos e políticos, o “povo” sempre seria contrário à guerra e portanto nenhum governo democrático aceitaria entrar num conflito armado. A guerra seria só o resultado de uma conspiração de interesses particulares escusos que jogam cinicamente com o sangue alheio.

Só que não é tão simples. Até os pacifistas mais convictos – salvo aqueles que tem vocação para o martírio – aceitam a ideia de que é legítimo se defender contra uma ameaça mortal. Mas para isto é preciso ter capacidade de enfrentá-la. “Se queres a paz, prepara a guerra”, diz o provérbio romano. Se não há império da lei na ordem interna sem polícia, não pode haver paz entre Estados sem forças armadas. Pela simples razão de que sempre haverão aqueles que vão utilizar a violência a serviço de suas ambições. Infelizmente o mal existe. A própria Igreja católica proclamou, já no século XIII, a doutrina da “guerra justa”, desde que essa seja sob a responsabilidade do poder público, que a causa seja justa e que sua intenção seja o triunfo do bem comum.

Nos dias de hoje uma série de condições jurídicas e morais devem ser preenchidas para que um conflito armado possa ser classificado como “justo”. O problema, como sempre, é a interpretação dessas condições. E aí as posições são infinitas e dependem das circunstâncias, do interesse de cada um, do lado onde cada um se encontra. Uma coisa parece evidente: num mundo de Estados soberanos são os governos que devem decidir da guerra e da paz. E nas democracias essa decisão passa por um debate público. É por isso que em quase todas as Constituições democráticas, declarar a guerra a outro Estado é uma prerrogativa do Legislativo.

Mas aqui também a coisa não é simples. No mundo da globalização de tudo, inclusive da violência, a maioria das ameaças não vem de Estados soberanos, mas de organizações terroristas e criminosas não governamentais – as ONGs do crime. Além do mais, depois das horrendas catástrofes das duas guerras mundiais do século XX, os Estados soberanos decidiram criar organismos e doutrinas de segurança coletiva, cujo símbolo máximo é Conselho de Segurança e a Carta da ONU. As ameaças do terrorismo de massa e das armas de destruição em massa, necessitam respostas rápidas e concludentes. Não dá para esperar longos debates públicos e parlamentares. Nenhum cidadão perdoaria o seu próprio governo se este não agisse com prontidão para combater o perigo. E é por isso que até nas democracias, o chefe de Estado pode – e deve – agir militarmente em caso de necessidade sem passar pelo Legislativo. Sem falar nos conflitos convencionais que podem desestabilizar regiões vitais para o bem estar econômico do mundo ou que provocam uma quebra dos valores morais e dos direitos humanos aceitos formalmente pelos Estados membros da ONU.

É claro que a estrita legalidade pede para que qualquer intervenção armada receba a chancela das Nações Unidas. Mas o que fazer quando um membro do Conselho de Segurança com direito de veto bloqueia qualquer decisão coletiva por interesse próprio? O mal só ganha quando o bem não faz nada. A guerra faz parte da vida humana, nas democracias e nas ditaduras. A diferença é que nas sociedades democráticas o poder político tem que dar satisfações aos cidadãos. Uma prática democrática que não passa nem pela cabeça de Vladimir Putin, de Xi-Jiping ou do ayatolá Khamenei, todos fervorosos cúmplices dos massacres perpetrados pelo ditador sírio Bachar Al-Assad.

Clique acima para ouvir a crônica completa de Alfredo Valladão.
 

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