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Educação/França

“Curso técnico não garante emprego”, diz especialista em abandono escolar na França

Até então ausente do Grande Debate Nacional, iniciativa do presidente francês Emmanuel Macron para tentar metabolizar a crise deflagrada pelos coletes amarelos, a juventude entrou de vez na pauta do Palácio do Eliseu. Nesta quinta-feira (7), o chefe de Estado se reuniu na Borgonha com cerca de mil jovens para discutir “educação, emprego e cidadania”, dentro do contexto das reivindicações dos franceses. O fenômeno do abandono escolar (décrochage scolaire, em francês) atinge hoje cerca de 100.000 mil jovens na França e, mesmo em franca diminuição, ainda preocupa as autoridades: números oficiais mostram que aqueles que abandonaram os estudos têm 50% de chances de ficarem desempregados, contra 11% dos que que completaram o Ensino Médio. O décrochage é ainda acompanhado de efeitos colaterais como uma crescente dessocialização, como explicou o sociólogo François Dubet, em entrevista à RFI.

De cada três jovens de 19 anos sem ensino médio completo, dois estão fora dos bancos escolares.
De cada três jovens de 19 anos sem ensino médio completo, dois estão fora dos bancos escolares. Pixabay
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Mais do que nunca, o presidente francês Emmanuel Macron quer conversar com os jovens. Motivos não faltam: segundo o Instituto francês de Estatística e Estudos Econômicos (Insee), menos de um em cada cinco eleitores com menos de 29 anos não votou nos dois turnos das eleições presidenciais de 2017 na França. O abandono escolar desemboca em fenômenos como a dessocialização e o desinteresse pela cidadania, segundo uma das autoridades no assunto na França, o sociólogo e professor da Universidade de Bordeaux, François Dubet, especialista em marginalidade juvenil.

“Há alguns anos, eram cerca de 170.000 jovens que abandonavam os estudos antes de concluir o 2° grau, hoje falamos em 100.000. O que fez soar o alarme de que algo não ia bem foi a percepção de que milhares de jovens eram incapazes de entrar no mercado de trabalho. Antigamente, quem abandonava os estudos ainda conseguia trabalhar em fábricas ou em lavouras. Hoje em dia, isso se tornou muito difícil”, relata. “O abandono escolar virou um problema porque os diplomas ficaram cada vez mais indispensáveis para se trabalhar na França”, diz.

Para o sociólogo, outro ponto relevante foi a evidente correlação entre jovens que abandonam a escola e delinquência juvenil. “Houve um momento importante de luta contra a marginalização destes meninos. E, finalmente, houve também o fator econômico. No fundo, custa muito caro escolarizar jovens que não concluem uma formação ao fim do processo. Houve então a luta contra a delinquência, o desejo de que eles sejam um pouco mais qualificados para terem alguma chance no mercado de trabalho e o custo dos estudos. Um investimento muito caro e que deve ser útil à sociedade”, explica.

No Brasil, em cada três jovens de 19 anos sem ensino médio completo, dois estão fora dos bancos escolares.
No Brasil, em cada três jovens de 19 anos sem ensino médio completo, dois estão fora dos bancos escolares. Pixabay

Segundo Dubet, uma série de ações coordenadas foi responsável pela diminuição de casos de abandono escolar na França. “Primeiro, houve uma sensibilização dos professores, formamos estes profissionais para que eles pudessem identificar alunos com esse perfil. Depois, criamos as ‘escolas da segunda chance’ e sistemas que pudessem absorver esses estudantes, para que eles retomem o gosto pela escola”, conta. “Paramos de considerar o abandono escolar como algo normal”, diz o professor.

Ensino profissionalizante

Para Dubet, o ensino profissionalizante não seria exatamente a solução para o abandono escolar ou a falta de emprego no Brasil. “Dizer que o curso técnico seria a solução para esse problema seria uma mentira”, avalia, repercutindo a declaração do presidente brasileiro Jair Bolsonaro de que inserir “algo técnico no Ensino Médio melhora a economia”.  “Esta declaração é puramente ideológica. O Brasil ainda possui um número grande de crianças analfabetas, sem ensino elementar básico, muito distantes de qualquer formação profissional”, analisa. “Tanto na França, quanto no Brasil, o problema central continua sendo o desemprego. Curso técnico não garante emprego para ninguém”, diz.

“Na França, onde o ensino é obrigatório até os 16 anos, no entanto, esses sistemas de formação profissionalizante, em alternância com a escola, costumam apresentar resultados positivos. Sistemas com jovens em estágios dentro de empresas, em paralelo à retomada da escola, costumam funcionar, porque, nesse caso, os estudantes possuem uma motivação para voltarem a estudar”, diz o sociólogo.

Para Dubet, o segredo está no reforço da escolarização elementar. “Na França, todos os jovens são obrigados a irem à escola até os 16 anos, aprendem línguas, matemática, e essa formação não é simples, além de custar bastante caro. Depois, alguns irão à universidade, outros partirão para formações profissionais, o sistema é obviamente desigual, mas, pelo menos, eles terão aprendido o básico que a sociedade francesa se obriga a lhes ensinar”, afirma. “O escandaloso seria determinar que os pobres passassem diretamente ao ensino profissionalizante e os outros seriam encaminhados para a universidade”, avalia.

Causas e perfil

O especialista em marginalidade juvenil lembra que as pesquisas mostram que o abandono escolar é fruto de um desinteresse causado por um fracasso repetido. “No fim, quem decide abandonar se sente humilhado pelos professores e colegas e questiona as razões de continuar na escola”, afirma. “Existem também aqueles que continuam a ir à escola, mas que já se encontram completamente fora do jogo escolar. É o efeito de fracassos que se acumulam e que se tornam insuportáveis”.

Dubet lembra que as causas sociais do abandono escolar são “muito importantes”. “Esse fenômeno é mais frequente em populações mais pobres ou famílias em situação de vulnerabilidade. O que existe em comum é uma ausência de interesse porque as pessoas se sentem excluídas do jogo escolar na França”, diz. “Historicamente, no entanto, existe menos abandono que no passado. A diferença é que antigamente havia trabalho, e considerávamos mais ou menos normal que uma parte dos jovens parem de estudar para trabalhar”. Ele afirma também que, hoje em dia, um aluno que deixa a escola é estigmatizado como “alguém problemático para trabalhar”.

Dubet relembrou os conflitos com a polícia nos subúrbios franceses em 2005, quando jovens em situação de desescolarização foram apontados como “responsáveis pelos violentos confrontos”. “O abandono escolar começa a causar problemas quando não existe mais emprego, quando o desemprego se torna ameaçador. Outro ponto é que o tempo de estudo continua a se prolongar. Na realidade, a escolaridade é obrigatória na França até 16 anos, mas se alguém de 17 ou 18 anos não estuda ou trabalha, classificamos esse jovem imediatamente como décrocheur”, afirma.

Sobre o perfil desses alunos, Dubet afirma que existe abandono escolar em todas as classes sociais francesas, mas a maioria dos casos considerados problemáticos dizem respeito a jovens do sexo masculino vindos de populações pobres. “Normalmente, este tipo de jovem é imediatamente ligado à imagem da delinquência”, afirma.

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