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França

Mudança de discurso de Marine Le Pen seduz eleitorado gay na França

A líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, continua praticamente empatada com o centrista Emmanuel Macron na corrida presidencial, duas semanas antes do primeiro turno da eleição presidencial. A candidata do partido Frente Nacional (FN) atrai um eleitorado cada vez mais amplo, entre eles gays e lésbicas, seduzidos pelo discurso mais inclusivo da legenda, que durante muito tempo foi taxada de homofóbica.

Ao banalizar a imagem da extrema-direita, Marine Le Pen tem atraído um novo eleitorado
Ao banalizar a imagem da extrema-direita, Marine Le Pen tem atraído um novo eleitorado REUTERS/Regis Duvignau
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A foto de Marine Le Pen ao lado de Vladimir Putin no final de março deu a volta ao mundo. Mas imagem que mais deu o que falar após a visita a Moscou foi a selfie da candidata do FN ao lado de Vitali Milonov. O deputado russo, autor de uma lei sancionando o que classifica de “propaganda homossexual”, é uma personalidade conhecida por suas declarações abertamente homofóbicas e antissemitas. A fotografia provocou polêmica e, logo após sua difusão nas redes sociais, o vice-presidente da Frente Nacional, Florian Philippot, se apressou em declarar que a candidata à presidência francesa não sabia que se tratava de Milonov. “Ela aceita dezenas de selfies por dia e não conhece a identidade de todos com que é fotografada”, disse o braço direito de Marine Le Pen.

O episódio pode parecer irrelevante, mas traz novamente à tona um assunto delicado nas altas esferas do FN: a relação do partido com a comunidade gay. Afinal, se durante anos a legenda defendeu a família tradicional e lançou críticas violentas contra os homossexuais, de uns anos para cá o Frente Nacional tem se aproximado aos poucos desse eleitorado.

“Desde 2010 o FN vem tentado seduzir os gays”, afirma Marie-Pierre Bourgeois, jornalista e autora do livro “Rose Marine – Enquête sur le FN et l’homosexualité” (Rosa Marine – Investigação sobre o FN e a homossexualidade, em tradução livre). “Ela é consciente de que a comunidade LGBT (gays, lésbicas, bi e trans) corresponde a 6,5% da população com idade de votar, e que é uma verdadeira clientela eleitoral a ser conquistada”, ressalta a jornalista.

A guinada de 2010 citada pela autora corresponde a um discurso de Marine Le Pen, no qual a atual presidenciável dizia que “em alguns bairros da França, é muito difícil ser mulher, homossexual, judeu, ou apenas francês e branco”. Um ano mais tarde, ao assumir a direção do partido no lugar do pai, Jean-Marie Le Pen, a nova líder do FN repete a dose: “Que seja homem ou mulher, heterossexual ou homossexual, cristão, judeu, muçulmano ou ateu, somos, antes de mais nada, franceses”. E mesmo se esse discurso pode parecer inclusivo, os analistas políticos veem na menção aos gays uma nova mensagem forte, dirigida a uma parte da população até então pouco representada pelos políticos da França.

Cruzada contra os muçulmanos

Porém, esse discurso também traz embutida a ideia de que as regiões periféricas do país viveriam uma espécie de guerra, na qual de um lado estariam os franceses brancos e, do outro, minorias étnicas e religiosas, apresentadas como hostis ao modo de vida ocidental e muitas vezes contrárias à homossexualidade. “A gente vê nesses tipos de frase uma estratégia, usada pelos partidos populistas de extrema-direita, que consiste em jogar as pessoas umas contra as outras. Em sua cruzada contra o Islã e os muçulmanos, ela instrumentaliza todos os outros que podem se sentir mais vulneráveis e ameaçados”, argumenta Christophe Martet, jornalista correspondente europeu do site Hornet e ex-presidente na França da ONG que de luta contra a Aids Act Up.

Em sua cruzada contra o Islã e os muçulmanos, ela instrumentaliza todos os outros que podem se sentir mais vulneráveis e ameaçados

Christophe Martet

Outro aspecto que chama a atenção é a presença, nos últimos anos, de militantes gays assumidos no alto escalão do FN. Em dezembro de 2012, Sébastien Chenu, um ex-militante do partido Os Republicanos, que fundou uma associação de defesa dos direitos homossexuais na legenda do ex-presidente Nicolas Sarkozy, anunciou sua entrada no Frente Nacional. Na mesma semana, uma foto de Florian Philippot, em férias com seu companheiro na Áustria, tira o vice-presidente do FN à força do armário, dois anos após a revelação da homossexualidade de Steeve Briois, prefeito de Hénin-Beaumont e ex-secretário geral do partido de Marine Le Pen. O assunto alimentou durante dias as rodas de conversas parisienses, onde se falou até de um possível lobby gay na extrema-direita francesa.

Marine Le Pen, entre Florian Philippot (d) e Sébastien Chenu (e) durante uma convenção do partido Frente Nacional
Marine Le Pen, entre Florian Philippot (d) e Sébastien Chenu (e) durante uma convenção do partido Frente Nacional ERIC FEFERBERG / AFP

Eleitores gays em alta no FN

Com ou sem lobby, a estratégia parece ter funcionado, pois uma pesquisa divulgada no ano passado revela que 32,45% dos casais gays teriam votado para a Frente Nacional nas eleições regionais de 2015. “Os últimos estudos datam de 2016, mas eu vejo que o aumento do eleitorado gay do FN continua”, diz Marie-Pierre Bourgeois, que cobre a atualidade do partido para a imprensa francesa.

Questionado sobre o tema, Sébastien Chenu minimiza o fenômeno: “O FN é um espelho do que acontece na sociedade, independentemente das preferências dos indivíduos. E como Marine Le Pen está em alta nas intenções de voto nos últimos anos, é normal que isso também se manifeste na população homossexual”, que tradicionalmente era mais próximo dos partidos de esquerda.

Os homossexuais pedem uma forma de proteção do Estado ou de uma autoridade, e Marine Le Pen encarna essa autoridade

Sébastien Chenu

Porém, Chenu, que faz parte do Conselho da região Norte-Pas-de-Calais Picardie e cuida dos assuntos ligados à cultura no FN, reconhece uma afinidade recente do eleitorado gay com seu partido. “Os homossexuais fazem parte de uma categoria da população que tem o sentimento de que estão expostos à violência, seja social ou física, em alguns bairros e cidades da França. Eles pedem uma forma de proteção do Estado ou de uma autoridade, e Marine Le Pen encarna essa autoridade”, diz o militante, retomando o discurso da segurança nas periferias. “Além disso, em um meio tão asséptico, como é o caso da política, Marine defende uma certa liberdade de tom. E eu acredito que essa maneira de ser agrada os homossexuais que, em um momento de suas vidas privadas, tiveram que lutar para poder viver de forma livre”, defende o militante.

Frente Nacional é contra o casamento gay

Porém, se por um lado a alta cúpula do FN tenta se aproximar dos gays para a eleição presidencial, o partido não mudou sua postura sobre algumas das reivindicações de parte desses eleitores. Marine Le Pen – assim como o ex-primeiro-ministro François Fillon, que aparece em terceiro lugar nas pesquisas de opinião da corrida presidencial –, é contra o acesso da inseminação in vitro às lésbicas e à barriga de aluguel para casais de homens. Além disso, a candidata da Frente Nacional contesta o casamento gay e pretende, se for eleita, revogar a lei, instaurando um novo pacto de união civil, não muito diferente do PACS, em vigor na França desde 1999.

“As pessoas se perguntam como é possível ser homossexual e votar para um partido que é contra o casamento gay. Quando eu converso como os militantes do Frente Nacional, muitos dizem que são conscientes da oposição do FN ao tema mas, para eles, o mais importante é poder voltar para casa à noite com seu namorado ou namorada sem ser importunado na rua”, relata Marie-Pierre Bourgeois.

E, mesmo se Marine Le Pen pretende reformar o casamento gay, ela não participou dos protestos contra a união de pessoas do mesmo sexo que tomaram as ruas da França após a adoção da lei. “Ela não queria se associar a uma manifestação contra uma categoria de franceses, o que pode ter sido interpretado como uma posição equilibrada”, lembra Chenu. Muitos dizem que a ausência da líder do FN seria uma influência de Florian Philippot. Porém, essa não é a posição geral do partido, já que vários dos membros históricos, associados à sobrinha de Marine Le Pen, a jovem Marion Maréchal-Le Pen, foram vistos nos pelotões de frente das passeatas contra o casamento gay, mostrando que essa pretensa abertura ainda divide a Frente Nacional.

Jean-Marie Le Pen e suas declarações homofóbicas

Além disso, o que raramente é citado pela nova geração de militantes e eleitores do FN é o passado do partido, marcado por episódios de homofobia explícitos. Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, já disse que os homossexuais seriam como “sal em uma sopa: se não tem muito fica meio sem gosto, se tem demais, é intragável”. O líder histórico também declarou que “deve ter gays no FN, mas não os afeminados. Esses, a gente despacha!”.

Para Sébastien Chenu, tudo isso faz parte do passado. “Essas declarações de Jean Marie Le Pen foram feitas há 30 anos, ou seja, há mais de uma geração. Marine nunca fez nenhuma declaração desse gênero”, defende. “Esse discurso é muito datado e não fala às novas gerações”, completa o militante, lembrando que entre 80% e 90% dos militantes do FN aderiram ao partido após 2012, ou seja, bem longe dos deslizes homofóbicos de seu chefe histórico, que foi expulso da legenda e cortou relações com a filha.

Jean-Marie Le Pen chegou a ser condenado por algumas de suas declarações polêmicas
Jean-Marie Le Pen chegou a ser condenado por algumas de suas declarações polêmicas AFP

“O FN é um movimento que tem mais de 40 anos e todas as pessoas de cerca de 20 anos não tiveram muito acesso aos discursos extremos de Jean-Marie Le Pen, quando, em 1987 por exemplo, ele chamava os portadores do vírus da Aids de ‘aidéticos que transmitiam a doença pela saliva’”, confirma Christophe Martet. E como há um número cada vez maior de jovens (gays ou não) atraídos pelo FN, esse novo eleitorado “tem apenas a referência da Marine Le Pen que tentou banalizar a imagem do partido”. Mas, segundo o jornalista do site Hornet, as gerações com mais idade, entre 40 e 60 anos, continuam muito avessas à legenda extremista.

Além disso, Martet ressalta que a comunidade LGBT não deve ser vista como um bloco diferente dos demais. “Não há um modelo de gay ou de lésbica. Há uma pluralidade de homossexuais, com preocupações e trajetórias muito diferentes. Que seja em centros urbanos ou em zona rural, em diferentes classes sociais, confrontados ou não à homofobia ou à violência familiar, cada um teve uma experiência muito diferente”, ressalta o ex-presidente da Act Up na França, lembrando que esse aspecto torna difícil generalizar um eleitorado apenas em função de orientação sexual ou identidade de gênero.

Mesmo assim, ele ressalta que, segundo uma consulta feita pelo site Hornet, que se dirige ao público gay, 19% dos internautas franceses ouvidos pretendem votar em Marine Le Pen, contra 38% para Emmanuel Macron. Os números dão vantagem para o centrista, mas confirmam que, de acordo com a sondagem, se depender dos homossexuais a candidata da Frente Nacional mantém suas chances de chegar ao segundo turno da eleição presidencial.

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