Acessar o conteúdo principal

Ex-militante de esquerda, novo premiê francês será testado por Macron como possível sucessor

Para o cientista político Thomás Zicman de Barros, pesquisador na Universidade do Minho, em Portugal, e na Sciences Po de Paris, "o primeiro-ministro na França serve um pouco como um fusível". "Sempre que há uma crise, ele é aquele elemento que queima, que o presidente joga fora para se preservar, colocando outro nome a cada momento do mandato", lembra. Resta saber se a data de validade de Gabriel Attal, 34 anos, ultrapassará as eleições europeias, ameaçadas pela sombra da extrema direita.

O então ministro francês da Educação e da Juventude, Gabriel Attal, observa o presidente francês Emmanuel Macron falando com a imprensa na escola de ensino médio Gambetta em Arras, nordeste da França, na sexta-feira, 13 de outubro de 2023.
O então ministro francês da Educação e da Juventude, Gabriel Attal, observa o presidente francês Emmanuel Macron falando com a imprensa na escola de ensino médio Gambetta em Arras, nordeste da França, na sexta-feira, 13 de outubro de 2023. AP - Ludovic Marin
Publicidade

O doutor em Ciências Políticas, Thomás Zicman de Barros, destaca, em entrevista à RFI, que "é bom lembrar quem Gabriel Attal veio substituir". "Ele substitui a Élisabeth Borne, escolhida como primeira-ministra do Emmanuel Macron ali, mais ou menos na época da sua reeleição, logo após ele ser reeleito presidente em 2022", relembra.

"Em diversos momentos, Borne correu o risco de perder esse cargo. Vamos lembrar que na França temos esse regime, que é o semipresidencialismo, em que um presidente indica um primeiro-ministro, que é então aprovado pelo parlamento, pela Assembleia Nacional. O Macron agora chega ao seu quarto primeiro-ministro e porque ele muda tanto de chefes de governo?", questiona Barros.

Troca-troca ministerial

O especialista recorda que "sempre que há uma crise, sempre que há um problema, o chefe de governo é aquele elemento que se queima primeiro, que o presidente joga fora para se preservar, colocando então um outro nome a cada momento do seu mandato". 

"Agora o Macron está no seu segundo mandato... Ele escolhe um primeiro-ministro de acordo com as necessidades da época e, eventualmente os troca quando há crises políticas ou necessidade de mudar o rumo do governo", sublinha, ressaltando a tentativa do campo presidencial de "renovar" politicamente suas premissas.

Cai não cai: Élisabeth Borne, a equilibrista

"A Élisabeth Borne já tinha 'perigado', para usar um termo mais popular, perder o seu cargo logo depois de ser nomeada, quando o Macron perdeu e não conseguiu ter uma maioria absoluta na Assembleia Nacional, naquelas eleições logo depois das presidenciais", lembra Thomás Zicman de Barros. 

"Naquele momento, algumas pessoas já questionaram se ela deveria continuar. Depois, ao longo do ano passado, em 2023, houve uma crise muito grande ligada à reforma da aposentadoria, com um grande número de protestos. E, com a perda da maioria, ele tem dificuldade de aprovar pautas no parlamento", destaca Barros.  

"Mas a Élisabeth Borne conseguiu aprovar [a reforma] a partir de mecanismos que são bastante controversos. Existe uma cláusula da Constituição que permite o governo aprovar leis sem o voto do parlamento. Mas ela conseguiu então aprovar essas leis e, mais recentemente, agora no finzinho do ano passado, uma última crise ligada à reforma da lei de migração, o governo acabou sendo obrigado a ceder e aprovar uma reforma bastante controversa. Alguns a consideram, inclusive, como inconstitucional, um texto que endureceu a lei de imigração", pontua. 

"Fusível queimado"

"Não era apenas o fusível que estava queimado, mas a instalação elétrica inteira [do governo Macron] estava com problemas", argumenta o cientista político, especialista em populismo e extremas direitas. Para ele, a impulsão da também jovem liderança da extrema direita francesa, Jordan Bardella, do partido de Marine Le Pen, o Reunião Nacional (RN) nas pesquisas de opinião para as eleições europeias de 2024, ajudou a defenestrar Borne do governo francês.

"Nesse ano, daqui a seis meses exatamente, nós teremos as eleições europeias. São eleições talvez menos importantes quando a gente pensa nos grandes calendários da política francesa, mas são eleições às quais o Macron é muito apegado", destaca Barros. "E, nesse momento, a extrema direita francesa está na frente nas pesquisas. O Macron, então, resolveu escolher um novo primeiro-ministro, que terá, entre outros desafios, governar, levar o país à frente durante esse processo eleitoral. Ele será testado nesse momento como possivel futuro sucessor de Macron", diz.

Carisma

O especialista lembra que "Gabriel Attal tem muitas características que o torna uma figura popular. Aliás, ele é um dos ministros mais amados, mais admirados do governo do Macron", afirma Barros. 

"Primeiro, ele é homossexual assumido e muito jovem, ele é o mais jovem primeiro-ministro da história da França. Ele parece uma figura com muita energia. Ele tem uma trajetória como militante de esquerda, e foi um dos primeiros a aderir ao macronismo. Isso dá um novo verniz para o governo Macron, que estava muito associado à Borne, uma mulher que tem quase o dobro da idade do Attal. Macron tenta, ao nomear o Gabriel, dar um sopro de juventude a seu mandato", diz.

Sucessão

"Uma observação que eu acho importante falar é que o Gabriel Attal também surge no horizonte como um possível sucessor do próprio Macron", lembra Zicman de Barros. Na França, o presidente só pode ser reeleito uma vez. O Macron já foi reeleito e para as eleições de 2027 ainda faltam três anos. Além disso, existe uma disputa no grupo do Macron pra ver quem seria o candidato desse grupo, que sem dúvida vê com força o Attal e suas pretensões presidenciais", avalia.

"Não é fácil a cadeira do primeiro-ministro, ela queima, ele é esse fusível do qual nós falávamos... Mas o Attal também é essa figura jovem que ressoa muito com o próprio estilo do Macron. Macron foi eleito presidente aos 39 anos. Agora, esse primeiro-ministro, aos 34 anos, pode vir a ser um possível sucessor do Macron, e o Macron pode ter isso já em mente ao nomeá-lo agora", diz Barros.

Ex-socialista que ganhou parte da direita

"Segundo as pesquisas de opinião, Attal é um dos ministros mais bem avaliados", diz o especialista. "Ele começou na politica na sua juventude. Ele nasceu em Paris, filho de uma família privilegiada da elite francesa, estudou em algumas das melhores escolas privadas de Paris. Mas ele foi primeiro um militante de esquerda, e depois acabou migrando mais para centro-esquerda, para o centro. Hoje, para a centro-direita. Ele não causa uma repulsa na parte da esquerda e da centro-esquerda, que em muitos momentos não gosta, está descontente com Macron porque ele é jovem, porque ele tem esse passado de militante socialista", contextualiza Barros.

"Ele também conseguiu um apoio, uma certa admiração da direita francesa, como ministro. Ele foi porta-voz do governo. Ocupou também uma função de ministro das Contas Públicas e, mais recentemente, como ministro da Educação. E ele quis levar à frente uma série de medidas e ideias do Macron para restabelecer a autoridade na escola, porque existe essa ideia de que na França os alunos não respeitam mais os professores", lembra o especialista.

"Faz um pouco mais de um mês, ele anunciou a volta do uniforme em muitas escolas, primeiro como uma forma de teste, mas o objetivo é reintroduzir o uniforme na escola, tudo no sentido de restabelecer a autoridade dentro da escola. Ele também quis proibir alguns trajes ligados ao mundo Islâmico, uma questão polêmica que agradou a direita. Então, um pedaço da direita também o vê com bons olhos", sublinha. 

Attal X Bardella: duelo de lideranças gays no futuro?

"É muito interessante ver que há similaridades entre esses dois perfis, né?", questiona o cientista político Thomás Zicman de Barros. "Nós estamos falando aqui do novo primeiro-ministro e do Jodan Bardella, que é o líder, o presidente do partido de extrema direita, o RN. Quais são os paralelos? Bem, o Gabriel Attal é o mais jovem primeiro-ministro da história, com 34 anos e o Bardella não tem nem 30 anos e já é presidente do partido da Marine Le Pen. Le Pen presidiu o partido por muito tempo, ainda é a grande liderança, mas o presidente que administra o dia a dia do partido é o Bardella; além disso, Attal e Bardella também são abertamente homossexuais. Então tem essa mudança de paradigma. Talvez há 20 anos, homossexuais assumidos não viessem a ocupar essas funções. Então há muitos paralelos e todos eles querendo atrair um eleitorado com uma promessa de renovação da cena politica francesa", destaca. 

Riscos

Para o especialista, a indicação de Gabriel Attal como chefe do governo francês comporta também riscos variados. "Há riscos porque qualquer primeiro-ministro hoje vai ter que lidar com um parlamento no qual ele não tem maioria. Macron tem o maior grupo político, mas não consegue sozinho aprovar leis. Nesse sentido, Attal terá ainda que provar a sua capacidade de articulação política para compor maiorias", aponta.

"O fato de ele ter 34 anos, por um lado anima o eleitorado. Por outro lado, coloca dúvidas sobre a capacidade dele, a experiência para governar o país, que querendo ou não, é marcado por protestos, por muitas críticas", recorda o pesquisador.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.