Acessar o conteúdo principal

Família de paranaense morta na França espera que violência do crime eleve a pena do réu

Começou na manhã desta terça-feira (12), no Tribunal de Créteil, região metropolitana de Paris, o julgamento de José Rodrigo Martin, de 30 anos, que matou a companheira, Franciele Alves da Silva, em 25 de setembro de 2020, em Champigny-sur-Marne, a 15km da capital francesa. O pai da vítima, Jurandir Silva, de 64 anos, voltou ao país quase três anos após o seu primeiro depoimento na França.

Jurandir Silva, de 64 anos, é pai de Franciele, assassinada pelo marido em 2020, na região metropolitana de Paris. Ele veio do Paraná para o julgamento do genro à espera de justiça.
Jurandir Silva, de 64 anos, é pai de Franciele, assassinada pelo marido em 2020, na região metropolitana de Paris. Ele veio do Paraná para o julgamento do genro à espera de justiça. © Luiza Ramos\RFI
Publicidade

Jurandir, que é aposentado e vive no Paraná, contou à RFI que o encontro presencial com os netos Noah, de 8 anos, e Liam, 5, durou mais de duas horas. Os meninos estão com uma família designada pelo serviço social e continuam em custódia do Estado francês desde o crime.

Segundo a psicóloga responsável pelas avaliações periódicas das crianças, ambos são muito frágeis emocionalmente e têm alguns atrasos de desenvolvimento motor, de fala e sociabilização por terem presenciado o crime muito pequenos, aos 5 e 2 anos de idade, respectivamente, no apartamento do terceiro andar, de menos de 30 m², onde viviam.

Nenhum dos dois fala português e Jurandir precisou de uma intérprete para conversar com os netos, mas isso não os impediu de abraçar e beijar o avô: "deu para matar um pouco da saudade", disse o aposentado ao mostrar fotos do encontro e revelar que os meninos o chamam de 'papi', o equivalente a vovô em português.

O pai da vítima veio do Brasil acompanhado do irmão Agnaldo Silva, de 53 anos, e da cunhada Rosane dos Santos, tios de Franciele. Eles vieram por intermédio da associação Mulheres na Resistência, presidida por Nellma Barreto, que presta apoio à família desde 2020.

Agnaldo, que conviveu com a sobrinha desde pequena, deve depor na quarta-feira (13) e comentou sobre os indicativos que ela dava ao pai sobre o medo que sentia do marido. "Ela dava vários sinais, ela fez até uma procuração para que o pai dela assumisse a guarda dos filhos caso acontecesse alguma tragédia com ela. Ela já estava prevendo que isso poderia acontecer", lamentou o tio à reportagem da RFI.

Rosane Santos e Agnaldo Silva, tios de Franciele, devem depor entre quarta e quinta-feira no Tribunal de Créteil.
Rosane Santos e Agnaldo Silva, tios de Franciele, devem depor entre quarta e quinta-feira no Tribunal de Créteil. © Luiza Ramos\RFI

"Eu só espero que ele (Rodrigo) seja condenado e que pague merecidamente aquilo que ele fez (...) Vamos agora resolver esse problema e depois nós vamos para outra etapa que será lutar, fazer o possível para levar as crianças para o Brasil, era o desejo da minha filha", anunciou o pai de Franciele, acrescentando ser um momento "muito difícil" para todos os familiares.

O 1º dia de tribunal

A sessão do primeiro dia teve início pontualmente às 10h de Paris (6h de Brasília) com o sorteio do tribunal do júri popular composto por oito representantes da população civil. A juíza presidente da mesa, Catherine Sultan, chegou acompanhada de outros dois juízes assessores, como manda a legislação francesa em caso de crimes graves. 

O réu, José Rodrigo Martin, chegou escoltado por dois policias e uma intérprete e não olhou para a família de Franciele, sentada na primeira fila da tribuna. Ele foi brevemente interrogado pela juíza para falar sobre a motivação do casal, que havia mudado do Paraná para a França no começo de 2019.

Segundo Rodrigo, o casal teria começado a namorar quando Franciele já estava grávida de três meses do filho mais velho, de quem o réu não é pai biológico, mas disse "nunca ter feito distinção" e o criava como seu próprio filho.

O homem chegou a pedir "desculpas" à família de Franciele e disse que sofre muito na cadeia por ter matado "a mulher de sua vida". O advogado de Rodrigo, Antonino Carbonetto, tenta defender a tese de crime passional, que na França pode gerar pena de prisão a partir de 15 anos - com possibilidades de redução de pena - enquanto a de crime premeditado pode começar em 30 anos de reclusão.

A defesa do réu

A mãe de Rodrigo, Rosa Garcia dos Santos, brasileira que vive na França há mais de dez anos, depôs ainda pela manhã defendendo que o filho sempre foi "um menino muito bom e calmo" e que ela se dava bem com a nora Franciele. Fato contestado pela defesa da vítima.

Rosa dos Santos afirmou realizar visitas três vezes por semana ao filho na penitenciária de Fresnes, a segunda maior prisão da França, em Val-de-Marne, ao sul de Paris. Mas com os netos, ela revelou não tem contato desde junho deste ano, nem mesmo por videochamadas monitoradas como acontece com o avô Jurandir e parte da família paranaense da mãe periodicamente.

A informação foi confirmada pela psicóloga responsável pela avaliação das crianças, que constatou que os contatos com a avó paterna deixavam Noah e Liam muito frustrados e tristes pela falta de diálogo, já que apesar de morar na França, a mulher fala mal o francês e havia sempre problemas de conexão de internet. A família de Franciele, apesar de precisar de intérprete para conversar com os dois meninos, mantem contato regular virtualmente com Noah e Liam.

Outra testemunha de defesa do réu, a esposa do mestre de obras onde Rodrigo trabalhava e com quem o mesmo deixou os meninos logo após ter esfaqueado Franciele, alegou que a vítima "não se comportava como uma mulher casada" e gostava de "fazer festa". 

"Ela não teve chances"

Um dado chocante revelado nesta terça-feira, foi a violência do crime. Ao contrário de informações iniciais, a perícia analisou que Rodrigo atingiu Franciele 15 vezes com uma faca e desferiu cinco cortes e não apenas cinco facadas, como havia sido divulgado. Oito punhaladas foram efetuadas na mesma ferida, no tórax de Franciele, na altura do coração, segundo a análise dos legistas.

As fotos apresentadas ao júri mostraram a casa da família de um quarto e uma cozinha conjugada com a sala com muito sangue por todos os cômodos. A faca de cozinha usada no crime foi encontrada torta devido à força perpetrada pelo autor.

A análise legista detalha ainda que pelos ferimentos, Franciele teria enfrentado Rodrigo de pé e teria tentado se defender diante do ataque. Mas, segundo o perito, Franciele "não teria chances de sobreviver" dada a violência dos golpes. Ela chegou a ser socorrida por bombeiros que a retiraram do quarto onde foi encontrada e realizaram procedimentos na sala do apartamento, mas a mãe de Noah e Liam não resistiu aos ferimentos.

Testemunhas do andar debaixo do prédio, responsáveis por chamar a polícia, contaram ainda que os meninos desceram as escadas com Rodrigo e que os dois estariam aos prantos e sujos de sangue. O casal de vizinhos revelou que o réu teria levado as crianças para a casa do patrão e solicitado que eles chamassem a polícia.

Rodrigo Martin se entregou no dia seguinte, 26 de setembro de 2020, à polícia e confessou ter matado a mulher na véspera.

Ao contrário do Brasil, o feminicídio não tem definição jurídica na França, mas casos considerados premeditados podem alcançar pena máxima.

Nesta quarta-feira, estão previstos os depoimentos do acusado e do pai de Franciele, além de apresentação de provas da defesa da vítima, representada pelas advogadas francesas Caroline Toby e Rebeca Rlahoud-Heilbronner.

Em apoio ao caso de Franciele, estiveram no tribunal, nesta terça-feira (12), representantes das associação Mulheres na Resistência, associação cultural Autres Brésils, pessoas engajadas na defesa dos direitos femininos e de imigrantes, e os familiares de Franciele vindos do Brasil.
Em apoio ao caso de Franciele, estiveram no tribunal, nesta terça-feira (12), representantes das associação Mulheres na Resistência, associação cultural Autres Brésils, pessoas engajadas na defesa dos direitos femininos e de imigrantes, e os familiares de Franciele vindos do Brasil. © Luiza Ramos\RFI

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.