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Como a extrema direita de Le Pen usa a 'luta contra o antissemitismo' para limpar sua imagem na França

Entre as cerca de cem mil pessoas que marcharam "pela República e contra o antissemitismo" em Paris no domingo (12), uma presença sem precedentes chamou a atenção: a da líder da extrema direita francesa, Marine Le Pen. Afinal, seu pai, o fundador da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, foi condenado por incitação ao ódio racial após declarar em 1996 que as câmaras de gás usadas para matar judeus durante o Holocausto eram um "detalhe da história" da Segunda Guerra Mundial.

Marine Le Pen na marcha contra o antissemitismo em Paris, em 12 de novembro de 2023.
Marine Le Pen na marcha contra o antissemitismo em Paris, em 12 de novembro de 2023. AFP - GEOFFROY VAN DER HASSELT
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Mas a presença na marcha de Paris da duas vezes finalista da eleição presidencial é um novo passo espetacular na estratégia de "limpeza de imagem" de seu partido (de extrema direita), que busca respeitabilidade na corrida para as eleições futuras, dizem os analistas franceses.

Essa é uma estratégia adotada em outros lugares da Europa por outras figuras da extrema direita que não hesitam em destacar a luta contra o antissemitismo para justificar sua postura anti-imigração e refutar qualquer acusação de racismo.

Embora alguns a acusem de oportunismo e hipocrisia, os analistas acreditam que a estratégia adotada por Marine Le Pen está se mostrando altamente eficaz, rompendo gradualmente o teto de vidro que até agora a impediu de chegar ao poder.

Longe do pai

Desde que chegou ao primeiro plano do cenário político, Marine Le Pen tem se distanciado constantemente da retórica violenta de seu pai, a quem sucedeu em 2015. Ela mudou o nome do partido de Frente Nacional para Reunião Nacional (Rassemblement National, RN) três anos depois, e conseguir eleger quase 90 deputados na Assembleia Nacional francesa.

Até a manifestação de domingo, os outros partidos se recusavam categoricamente a aceitar que a sigla de extrema direita participasse de protestos ao lado deles. 

Ponto de virada

No domingo, 12 de novembro, "uma barragem se rompeu", de acordo com analistas, que veem isso como um ponto de virada na história do partido fundado em 1972.

Embora relegados à retaguarda da manifestação liderada pelos presidentes das duas câmaras e por dois ex-chefes de Estado, Marine Le Pen e outros membros da extrema direita francesa puderam desfilar, sendo um pouco incomodados apenas pelo Golem, um grupo de jovens judeus. "Estamos exatamente onde precisamos estar", declarou Marine diante das câmeras.

Para Jean-Daniel Levy, do instituto de pesquisas Harris Interactive, a líder "tinha tudo a ganhar com sua presença nessa manifestação".

"O que isso significa para [as eleições de] 2027 é que as razões para se opor à eleição de Marine Le Pen são ainda mais fracas hoje do que eram há pouco tempo", disse o cientista político à Reuters.

A parlamentar ecologista Sandrine Rousseau expressou sua preocupação com o que ela considerou um "ponto de inflexão", denunciando um partido, o Reunião Nacional (RN), "tenta limpar sua imagem diante do antissemitismo com o qual nasceu".

Satisfação

As pessoas próximas a Marine Le Pen expressaram sua satisfação. "Em várias ocasiões, Marine Le Pen foi aplaudida no auditório da Assembleia Nacional", disse um membro de sua comitiva à Reuters.

"O povo francês sabe que Marine Le Pen rompeu definitivamente com Jean-Marie Le Pen nessa questão [do antissemitismo]. As tentativas de diabolização não funcionam mais".

O ex-primeiro-ministro de Emmanuel Macron, Edouard Philippe, e o ex-presidente Nicolas Sarkozy aprovaram a presença do RN no desfile. O primeiro declarou no canal de TV BFMTV que "quando se trata de antissemitismo, eu aceito qualquer um".

A estratégia adotada por Marine Le Pen pode ser encontrada em outros lugares da Europa, especialmente na Itália, onde o governo de extrema direita de Giorgia Meloni tem sido resolutamente pró-israelense desde o início do conflito entre o Estado judeu e o Hamas, uma postura adotada há muito tempo para ganhar respeitabilidade.

O fator Meloni e a nova geração

Membro de um movimento neofascista quando era adolescente, no ano passado Giorgia Meloni se comprometeu a combater "todas as formas de discriminação e antissemitismo", prestando homenagem aos jornalistas judeus perseguidos pelas leis raciais da era fascista.

Na Alemanha, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha expressou solidariedade a Israel e pediu ao governo que tomasse medidas para evitar o "antissemitismo importado" de migrantes muçulmanos, embora os serviços de segurança tenham denunciado antissemitismo dentro do partido.

Na Grã-Bretanha, a ala direita do Partido Conservador, que está no poder, adotou uma postura ferozmente pró-Israel, chegando ao ponto de descrever as manifestações de apoio aos palestinos como "marchas de ódio".

Na França, figuras importantes da comunidade judaica chegaram a declarar que houve "sinceridade na mudança de campo de Le Pen".

"DNA da extrema direita é o antissemitismo"

"Para mim, o DNA da extrema direita é o antissemitismo. Portanto, quando vejo um grande partido de extrema direita abandonando o antissemitismo e a negação do Holocausto e se aproximando dos valores republicanos, fico muito feliz. Tomo nota e observo esses avanços do Reunião Nacional", disse Serge Klarsfeld, historiador e advogado francês que ficou conhecido como "caçador de nazistas".

As organizações judaicas são mais prudentes, como Yonathan Arfi, presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França (CRIF), que denunciou "uma forma de apropriação, instrumentalização" do evento.

Coincidentemente, o processo de difamação de Marine Le Pen contra seu ex-conselheiro econômico, Jean-Richard Sulzer, que disse em 2021 que seu partido estava discriminando os judeus ao colocá-los em posições inelegíveis nas listas eleitorais, ocorre ao mesmo tempo que esse debate na França.

"Ninguém se deixa enganar pela intenção da extrema direita, que é apoiar melhor uma comunidade para excluir melhor outra", disse o porta-voz do governo francês Olivier Véran a repórteres na quarta-feira.

Para Jean-Daniel Lévy, a estratégia de Marine Le Pen conseguiu, no entanto, mudar as percepções de parte do público e tem como objetivo  "reverter a natureza do debate" ao sugerir que que "o perigo não é mais a extrema direita, mas o islamismo ou o Islã político".

(Com AFP)

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