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'Multialinhada', Índia acerta compra de caças Rafale e é convidada de honra da festa nacional francesa

Convidado de honra da festa nacional da França, o 14 de Julho, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, chegou esta quinta-feira (13) a Paris, onde é recebido com tapete vermelho. A visita reforça a relação estratégica entre os dois países – Nova Délhi acaba de confirmar a intenção de comprar 26 caças Rafale, de fabricação francesa.

Narendra Modi é recebido com honras militares no aeroporto de Roissy pela primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne. (13/07/2023)
Narendra Modi é recebido com honras militares no aeroporto de Roissy pela primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne. (13/07/2023) AP - Bertrand Guay
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RFI com agências

Ao descer do avião no aeroporto de Roissy, nesta manhã, Modi foi recebido com honras pela primeira-ministra Élisabeth Borne. Nesta sexta, durante o desfile militar na avenida Champs Élysées, ele estará na tribuna ao lado do presidente Emmanuel Macron, com quem terá um jantar oficial.

Paris e Nova Délhi estão ligadas há 25 anos por uma sólida parceria estratégica, que é particularmente ilustrada no campo de armamentos. Pouco após a chegada do premiê, o ministro da Defesa indiano, Rajnath Singh, declarou que seu país concorda "em princípio” com a aquisição de 26 aviões de combate fabricados pela Dassault. Nova Délhi tem uma tradição de equipar a sua aeronáutica com modelos franceses: antes do Rafale, em 2015, o país já havia utilizado o Mirage na década de 1980, ainda presente em dois esquadrões nacionais.

O ministro indiano também deu aprovação inicial para a MDL (Mazagon Dock Shipbuilders), da Índia, e o Naval Group, da França, construírem três submarinos da classe Scorpène, conforme informaram à agência Reuters duas fontes familiarizadas com os detalhes do acordo.

O valor desses contratos ainda é desconhecido, mas Rajnath Singh disse no Twitter que "o preço e outras condições de compra serão negociados com o governo francês após levar em consideração todos os aspectos relevantes, incluindo o preço comparativo de compra de aeronaves semelhantes" por outros países.

Visão diplomática semelhante sobre a China

O primeiro-ministro indiano e Emmanuel Macron devem conversar sobre uma nova estratégia conjunta para garantir a estabilidade no região do Indo-Pacífico. Os dois países têm certa convergência de pontos de vista nas relações internacionais. Paris quer ser uma potência de equilíbrio, multiplicando os canais de diálogo e desejando ser uma ponte entre o bloco ocidental e o resto do mundo.

"A necessidade estratégica de gerenciar a ascensão da China é compartilhada por Nova Délhi e Paris. Nenhuma das duas tem uma visão hostil sobre como querem ter uma relação com Pequim, mas não significa que ela seja próxima, nem sem dificuldades – como vimos em 2020, com as tensões na fronteira do Himalaia”, explica à RFI Frédéric Grare, pesquisador no Conselho Europeu de Relações Internacionais e autor de “India Turns East: International Engagement and US-China”. "Há uma necessidade, tanto de Délhi quanto de Paris, de fazer com que a China seja uma parceira da melhor forma possível."

Os novos contratos de Defesa também possibilitam à Índia continuar a reduzir a dependência de armamentos russos – desde 2014, com a primeira invasão da Ucrânia, Nova Délhi já diminuiu em 25% as compras militares de Moscou, ressalta Grare.

"Temos o mesmo desejo de autonomia estratégica. Nossos dois países estão profundamente comprometidos com o direito internacional e queremos que o mundo seja multipolar", disse Modi em entrevista ao jornal francês Les Echos, durante a qual também destacou que a Índia vê a França como "uma de suas principais parceiras globais”.

ONGs de direitos humanos criticam visita

Essa parceria vai muito além da Defesa e inclui as áreas espacial, nuclear civil, tecnológica, combate ao terrorismo, segurança cibernética, mudança climática e energias renováveis, entre outras. Mas a visita de Modi também está na mira de organizações de direitos humanos, que criticam a França por receber com toda a pompa um líder acusado de comandar uma política cada vez mais de extrema direita em seu país.

"Com o seu governo nacionalista hindu, Narendra Modi continua a minar os direitos humanos e a democracia", denunciam os signatários de uma coluna publicada na semana passada pelo jornal comunista L'Humanité. Uma manifestação de opositores acontece na tarde desta quinta em Paris.

“No 14 de Julho, celebramos a liberdade, celebramos a igualdade e, portanto, há claramente uma escolha feita para mostrar à Índia que a França está pronta para ter um relacionamento mais profundo e estratégico", disse Philippe Bolopion, chefe de gabinete do Observatório de Direitos Humanos. Na opinião dele, essa relação “deve estar alicerçada em bases sólidas, valores comuns, e o respeito pelos direitos humanos é um desses valores”.

"A ascensão de Narendra Modi ao poder na Índia coincide com grandes mudanças geopolíticas no mundo, que agora se tornou um lugar profundamente polarizado. Não nos esqueçamos que há pouco tempo Narendra Modi era persona non grata na maioria das capitais mundiais por causa de seu envolvimento nas ações antimuçulmanos no estado de Gujarat, em 2002, que deixaram pelo menos 2 mil mortos”, relembra o cientista político Balveer Arora, em entrevista à RFI. "Foi somente após sua eleição em 2014 que Modi pôde viajar novamente para os Estados Unidos”, afirma o ex-reitor da Universidade de Jawaharlal Nehru, na capital indiana.

O francês Frédéric Grare pondera as críticas. "O convidado não é Modi, é a Índia. É ela que é a convidada de honra, quaisquer que sejam os questionamentos que possamos ter em relação ao regime”, destaca. “A França e os ocidentais não estão aqui rejeitando os seus próprios valores por interesse. Nenhuma política estrangeira é feita apenas sobre valores. As funções e os deveres de um Estado não são os mesmos que os de uma ONG”, complementa.

Assim como Brasil, Índia é 'multialinhada'

No posto de maior potência demográfica mundial e gigante econômica, a Índia é cada vez mais cortejada. Algumas semanas atrás, Narendra Modi recebeu as raras honras de uma visita de Estado a Washington.

"Cada vez mais, a Índia é percebida como um contrapeso às ambições de poder da China, o que aumentou a atratividade deste país aos olhos de seus parceiros europeus e americanos. Nosso mundo está mais uma vez dividido em dois campos, com a China e a Rússia de um lado e o Ocidente e seus aliados do outro”, sublinha Arora. "A Índia é um dos poucos países a ignorar essa linha, sendo membro tanto da Organização de Cooperação de Xangai, liderada pela China, quanto do agrupamento de países emergentes, o BRICS, enquanto também faz parte do Quad, o grupo informal antiChina liderado pelos Estados Unidos.”

O professor observa que essa posição intermediária, antigamente descrita como "não alinhada”, hoje é chamada de “multialinhada" – a exemplo também da diplomacia brasileira no governo Lula.

Com informações da AFP e Reuters

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