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Paris 2024: Associações denunciam "trabalho não declarado" com uso de voluntários nos jogos olímpicos

Os Jogos Olímpicos de Paris acontecem de 26 de julho a 11 de agosto de 2024. A organização precisa de 45 mil voluntários para receber o público, os atletas e a mídia. Apesar das críticas aos organizadores dos jogos por contratar mão de obra sem salários, candidatos do mundo inteiro tentam participar da seleção. 

Duas mulheres passam diante dos anéis olímpicos que decoram o prédio da prefeitura de Paris, em 2 de setembro de 2022.
Duas mulheres passam diante dos anéis olímpicos que decoram o prédio da prefeitura de Paris, em 2 de setembro de 2022. AFP - BEHROUZ MEHRI
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Baptiste Coulon, da RFI

Se formando para trabalhar com eventos, Boris, que vive no sul da França, tem cerca de 20 anos e já está acostumado a fazer missões voluntárias no mundo da música. Para ele, que é apaixonado por esportes, os Jogos Olímpicos são a oportunidade perfeita para testar o voluntariado em um evento diferente.

“Os Jogos Olímpicos são o maior evento esportivo do mundo, não há equivalente para mim. É o melhor", diz entusiasmado. "Mal posso esperar para saber se serei aceito como voluntário. A concorrência é grande, mas acho que vale a pena. E mesmo que eu não seja escolhido, pelo menos tentei", diz.

Boris é uma das 300.000 pessoas que se inscreveram para se tornarem voluntários das Olimpíadas de 2024. Ele completou um longo questionário de personalidade e se ofereceu como voluntário prioritariamente nas competições de basquete, natação ou atletismo. A seleção será acirrada: são "apenas" 45 mil vagas, ou cerca de 15% de chance de ser selecionado. Os resultados serão conhecidos no final do ano.

A organização está satisfeita com a empolgação dos voluntários. “Em comparação com os Jogos de Tóquio em 2020, há 50% a mais de candidatos, com 101 departamentos franceses representados e mais de 190 países", diz Alexandre Morenon-Condé, diretor do programa de voluntariado da organização dos Jogos Olímpicos. 

"Estamos muito surpresos em ver o entusiasmo internacional em torno do programa de voluntariado. Não esperávamos ver um volume tão grande de candidatos internacionais. Isso comprova o forte apelo do projeto Paris 2024, de Paris e da França internacionalmente", diz.

Críticas ao trabalho voluntário

Mas dos 300.000 inscritos, quantos poderão pagar o transporte até Paris e alugar um alojamento durante as duas semanas de competição? A previsão é que os preços dos aluguéis explodam durante o evento. 

No entanto, a organização dos Jogos Olímpicos não ajudará os voluntários nestas despesas. Serão pagos apenas alimentação e transporte do local de hospedagem até os lugares das competições. Os 45.000 voluntários não serão pagos, pois é um trabalho voluntário.

Por essa razão, a organização de Paris 2024 vem sendo criticada. Em coluna publicada no site Basta!, no dia 3 de abril, diversos coletivos e associações contrárias à realização das Olimpíadas de Paris, entre eles o Saccage 2024 e o movimento cidadão Youth for Climate, denunciam as consequências econômicas, ecológicas, sociais e democráticas do evento. 

Para as associações, fazer 45.000 pessoas trabalharem de graça é como um "trabalho não declarado". “Os voluntários teriam cargos, missões, superiores hierárquicos e sua presença seria fundamental para o bom funcionamento dos Jogos. Os 'voluntários' estariam, portanto, à disposição do Cojop [Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Paris], realizariam seu serviço cumprindo as diretrizes sem poder exercer livremente suas ocupações pessoais: a presunção de trabalho assalariado é total", observam os assinantes da coluna.

“Os Jogos Olímpicos são uma marca de propriedade privada que vai render dinheiro, lucros e que não paga impostos na França, denuncia Antoine (nome alterado), membro do coletivo Saccage 2024. "Nos vendem a história de que haverá benefícios econômicos incríveis para pequenos comerciantes, enquanto a experiência nos mostra que não é esse o caso. E por trás disso, vamos pedir a 45.000 voluntários para vir e trabalhar para os Jogos Olímpicos de graça. É escandaloso!", diz revoltado. 

O jovem decidiu se candidatar com o objetivo de se infiltrar na organização das Olimpíadas para realizar ações militantes. “Primeiro, você pode se registrar e não ir. Também é possível fazer greve, ou fazer mal o trabalho, ou muito devagar, ou receber turistas apontando a direção errada. Você pode ir e conversar com outros voluntários e contar a eles a verdadeira face dos Jogos Olímpicos. As possibilidades são muitas”, explica Antoine. 

A participação permitirá a estes ativistas, sobretudo, de provar o potencial trabalho não declarado que denunciam. O Saccage 2024 também não exclui uma ação perante a Justiça do Trabalho.

Estatuto do voluntariado olímpico

A organização das Olimpíadas de 2024 rejeita as críticas. “O desafio não é remunerar ou não remunerar, mas permitir que 45 mil pessoas vivenciem os Jogos por dentro e nos bastidores do maior evento esportivo internacional", comenta Alexandre Morenon-Condé. 

"Em 2004 tive a sorte de ser voluntário nos Jogos Olímpicos de Atenas, na Grécia, era estudante e tive de me mudar para outro país, arranjar alojamento, o que não foi fácil, e claramente mudou a minha vida. Criei relacionamentos incríveis, e são emoções que levarei por toda a minha vida", relata. "A única coisa que resta à organização para defender os Jogos é apostar em elementos intangíveis, como o orgulho, a oportunidade de participar de um evento internacional e o legado", responde Antoine.

Diante das críticas, para mostrar que tem autorização para contratar voluntários, a organização também lança mão do Estatuto do Voluntariado Olímpico e Paralímpico, regida pela lei relativa à organização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2018, e seu artigo 8º. 

Em 40 páginas, o documento detalha e enquadra as condições dos voluntários e suas missões e é assinado por cada candidato durante a inscrição, de acordo com Morenon-Condé. "Trabalhamos muitos meses neste estatuto com todos os serviços do Estado envolvidos e, em particular, a Direção Geral do Trabalho, além de outros, para definir este estatuto e garantir que não existisse qualquer situação possível de requalificação [do voluntariado para o trabalho assalariado]", insiste. 

Sem provas

"É pouco provável que a condição de trabalho não declarado seja reconhecida por um tribunal", conclui Eva Touboul, advogada francesa especializada em direito trabalhista, após a leitura do estatuto. 

“A menos que eles possam provar que fazemos esses voluntários trabalharem dentro de uma estrutura, de instruções muito claras, que os fazem trabalhar dentro de um ritmo, que podem sancioná-los, por exemplo. Não há trabalho", garante ela. 

"Acima de tudo, eles estarão livres para partir. O estatuto os autoriza a sair quando quiserem, sem compensação devida à Paris 2024. Isso é realmente o que os distingue dos assalariados", explica. 

"A adesão ao estatuto não exclui o direito dos voluntários olímpicos e paralímpicos de retirar seu compromisso a qualquer momento, por qualquer motivo", especifica o documento.

Por isso, para Eva Touboul, há poucas chances de que a Justiça decida a favor dos ativistas em caso de denúncia de trabalho clandestino. 

No entanto, isso não desencoraja os ativistas entrevistados a agir. Mas a organização alerta: serão realizadas investigações administrativas sobre cada voluntário sorteado para evitar qualquer transtorno.

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