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Festival de Angoulême promove debate sobre história, censura e representatividade nos quadrinhos brasileiros

O Festival de Angoulême, na França, teve nesta sexta-feira (27) uma mesa redonda totalmente dedicada aos quadrinhos brasileiros. A iniciativa é do programa Brasil em Quadrinhos, que divulga no mundo a produção feita no país, e contou com a participação dos quadrinistas Lelis, André Diniz e Marcelo Quintanilha, o tradutor especialista em quadrinhos Erico Assis, o editor Rogério de Campos, e a coordenadora da Bienal do quadrinho de Curitiba Luciana Falcon. 

Na mesa de debates sobre os quadrinhos brasileiros (da esquerda para direita) Lelis, André Diniz, Rogério de Campos, Marcello Quintanilla, a tradutora, Érico Assis e Luciana Falcon, no Festival de Angoulême, em 27 de janeiro de 2023.
Na mesa de debates sobre os quadrinhos brasileiros (da esquerda para direita) Lelis, André Diniz, Rogério de Campos, Marcello Quintanilla, a tradutora, Érico Assis e Luciana Falcon, no Festival de Angoulême, em 27 de janeiro de 2023. © Ana Carolina Peliz - RFI
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Ana Carolina Peliz, enviada especial da RFI à Angoulême

A mesa "La bouleversante bande dessinée brésilienne" ("Os surpreendentes quadrinhos brasileiros", em tradução livre) levou o debate sobre o mercado dos quadrinhos no Brasil, representatividade e censura para o festival, o mais importante do gênero na Europa. 

Rogério de Campos, da editora Veneta, notou que existe atualmente uma maior abertura dos quadrinhos às mulheres, com maior representatividade também de minorias. Segundo ele, para tirar as HQs do mercado alternativo, "é necessário integrar socialmente não só os quadrinhos, mas, de maneira geral, a literatura". 

"Os grandes, como a Amazon, dominam amplamente os negócios, de romances também. A estrutura para novos autores é muito precária. Quem lança novos autores são pequenas editoras, que vendem em pequenas livrarias", lamenta. 

"Tradicionalmente é assim, mesmo na Europa, e no Brasil não existe nem uma preocupação social de valorização do pequeno editor, da pequena livraria, incentivo aos novos autores. Não existe nada disso, então eu acho que é um problema de bibliodiversidade", disse o editor à RFI, defendendo que a arte pode ajudar a dar novas ideias. "A gente não se enxerga como país nos quadrinhos. Isso é necessário para a saúde mental do país. É um país muito esquizofrênico", completou.

O quadrinista Lélis resumiu a situação com humor. "O Brasil está assim como eu: na beirada do palco, estou quase caindo, mas eu sou teimoso, e eu quero ficar no palco. Essa é a situação. Voilà, c’est fini", disse, ao se referir ao lugar em que estava sentado à mesa, causando risadas no público.

O quadrinista e ilustrador Lelis, na mesa "La bouleversante bande déssinée brésilienne", no Festival Internacional de Histórias em Quadrinhos de Angoulême, em 23 de janeiro de 2023.
O quadrinista e ilustrador Lelis, na mesa "La bouleversante bande déssinée brésilienne", no Festival Internacional de Histórias em Quadrinhos de Angoulême, em 23 de janeiro de 2023. © Ana Carolina Peliz - RFI

 

Dificuldades

O quadrinista André Diniz, que vive atualmente em Portugal, salientou os lados positivos da ausência de um mercado. "Não há, no Brasil, um mercado de HQs que obrigue os ilustradores a trabalhar de maneira comercial, o que dá liberdade aos autores", diz.

Ele está em Angoulême para apresentar seu último trabalho, "T.A.T.T.O.O", publicado no Brasil pela Darkside, que tem como tema a depressão e a estafa "epidemia das grandes cidades", contou à RFI

O relato é baseado em sua própria experiência com a doença. "Eu gosto de pegar o melhor do mundo real e o melhor da ficção. Ou, o pior, neste caso", ironiza o autor. 

Diniz ressalta que o quadrinho é um livro caro. "A editora vai pagar pela impressão do livro que vende e também o que não vende. Metade do preço ou mais vai ficar com distribuidor e loja, e o autor ganha 10% do total", explica, afirmando que é "muito difícil viver somente de histórias em quadrinhos até mesmo em países desenvolvidos".  

A censura foi outro tema abordado durante o debate. Para Rogério, ela ainda existe, mas mudou de figura. "Hoje existe uma censura econômica. As grandes empresas criam standards de produção e muitas coisas não têm chance de publicar", disse. "Também existem os distribuidores que não querem distribuir coisas porque consideram pornográfico ou não é cristão", completou. Para ele, agora existe uma censura privada, não mais estatal.

Os quadrinistas Lelis e Andre Diniz, o editor Rogério de Campos e o autor Marcello Quintanilla, na mesa de debates sobre os quadrinhos brasileiros, no Festival de Angoulême, em 27 de janeiro de 2023.
Os quadrinistas Lelis e Andre Diniz, o editor Rogério de Campos e o autor Marcello Quintanilla, na mesa de debates sobre os quadrinhos brasileiros, no Festival de Angoulême, em 27 de janeiro de 2023. © Ana Carolina Peliz - RFI

 

Divulgação no exterior

A coordenadora da Bienal de Curitiba, que participa do Brasil em Quadrinhos, contou como foi a criação do programa, que nasceu durante o governo Bolsonaro. "Foi um grande desafio. Queríamos abordar todos os temas, independentemente da censura", diz.

Ela conta que ficou receosa de trabalhar com o governo do ex-presidente, que ao assumir o Planalto, acabou com o Ministério da Cultura.

"A gente teve uma ação vinda do Itamaraty, então para nós foi uma surpresa, mas ao mesmo tempo fomos tateando para saber se tinha alguma ideologia política por trás dessa iniciativa. Na verdade, era o contrário", relata. "Era um movimento de resistência para alavancar a produção de quadrinhos brasileira com o apoio do governo federal, ainda que tenham [os autores dos quadrinhos] uma linguagem crítica tão severa ao governo federal. Teve e continua tendo", diz.

O programa Brasil em Quadrinhos foi uma ação desenvolvida pelo departamento cultural do Ministério das Relações Exteriores, para divulgar a produção brasileira no exterior. 

"O Itamaraty desenvolve diversas linhas de apoio para diversas áreas artísticas – literatura, arquitetura, música. O quadrinho nunca tinha sido apoiado no sentido de divulgação", explica Falcon. "O quadrinho tem uma presença bastante grande no exterior, a gente vê justamente pelas premiações internacionais do brasileiros, e a ideia é ampliar essa promoção."  

O convite do Itamaraty foi feito através na Bienal dos Quadrinhos de Curitiba, que acontece em setembro. O evento surgiu há 10 anos e conta com diversas atividades em torno das HQ, com debates e exposições. "O recorte que a gente faz na bienal é o do quadrinho autoral, para falar sobre temáticas brasileiras", explica. 

Além de participar de Festivais internacionais como o de Angoulême, o Brasil em Quadrinhos também promove parcerias entre editoras nacionais e internacionais, em coproduções.

 

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