França: maior festival de HQs começa com autores de mangás, após polêmica sobre banalização da pedofilia
O Festival Internacional de Histórias em Quadrinhos de Angoulême (Fibda) abre suas portas ao público nesta quinta-feira (26). O principal evento do mundo dedicado a este gênero literário chega em 2023 à sua 50ª edição marcado por polêmicas, entre elas uma exposição cancelada por denúncias de pedopornografia, e homenagens a autores de mangás.
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A pequena Angoulême, de pouco mais de 40 mil habitantes, está pronta para acolher os milhares de fanáticos de HQs que se reúnem anualmente na cidade do oeste da França em um dos maiores festivais internacionais sobre o tema. De acordo com a organização, o evento deste ano é dedicado "à festa e ao futuro".
Além do prestigioso prêmio Fauve d’Or (felino de ouro, em tradução livre), concedido ao melhor álbum do ano, quase 90 HQs selecionadas por um júri concorrem nas categorias de revelação, melhor série, melhor HQ policial, infantil e juvenil. Desde 2022, uma nova categoria passou a fazer parte da premiação, a de melhor história em quadrinhos ecológica.
No ano passado, o brasileiro Marcello Quintanilla conquistou o Fauve d’Or por "Escuta, formosa Márcia", que conta os dilemas de uma mãe moradora de uma favela próxima ao Rio de Janeiro, cuja filha se envolve com o crime organizado.
Neste ano, autores brasileiros concorrem pelo prêmio de melhor história em quadrinhos alternativa, entre eles, Sergio Chaves e Lídia Basoli por "Café espacial"; Henrique Magalhães por "Maria magazine"; Christiano Mascaro e João Lin por "Ragu9"; Fábio Costa e Igos Souza por "Rocha navegável"; e Guilherme E Silveira por "Sem olhos".
Polêmica Bastien Vivès
A edição de 2023 é marcada pela polêmica envolvendo o autor francês Bastien Vivès. Ele assina as histórias em quadrinhos "Melons de la colère" ("Melões furiosos", 2011), na qual uma adolescente é estuprada, e "La décharge mentale" ("A descarga mental", 2018), que mostra relações sexuais entre menores e adultos. Apesar de terem sido publicadas há alguns anos, uma exposição que era consagrada à obra do quadrinista, inicialmente programada para o fim de janeiro dentro do Festival, teve de ser cancelada por causa de protestos.
Petições online — uma delas chegou a recolher 110 mil assinaturas — pediram o cancelamento da mostra individual e acusaram o autor de banalização e apologia da pedofilia em suas obras. O quadrinista parisiense é considerado o menino prodígio da HQ francesa. Vivès tem 17 livros publicados aos 38 anos, entre eles "Le goût du chlore" ("O gosto do cloro", em tradução livre) e "Polina", premiados internacionalmente, e a série de mangás "Lastman".
Em 2018, Vivès publicou "Petit Paul" ("Pequeno Paul"), história que tem como herói um menino de 10 anos dotado de um enorme pênis, cobiçado por adultos, que o obrigam a ter relações sexuais. Duas das maiores livrarias francesas se recusaram a vender essa HQ.
Apesar de premiado, Vivès não é unanimidade entre editores e quadrinistas. Considerado misógino por uma parte dos profissionais da área, ele também multiplicou declarações polêmicas e de caráter sexual em revistas e em redes sociais, uma delas dizendo que "o incesto o excitava".
De acordo com a direção do Fibda, a exposição foi cancelada devido a "ameaças físicas feitas" contra o desenhista.
Quadrinistas francesas criticaram a organização do Festival, que não se manifestou de maneira mais veemente sobre o caso. Um texto assinado por mais de 500 autoras, editoras e militantes feministas foi publicado no site de informações independente Mediapart, pedindo que o festival se comprometesse a que as futuras seleções e programações respeitem o direito das minorias e a igualdade de representações.
Com o cancelamento da exposição em homenagem à obra de Vivès, o Festival de Angoulême conseguiu silenciar o caso, tentando dar destaque a outras atrações que fazem parte da programação da edição de 2023.
Exposições: o mangá em destaque
O público é brindado com três exposições de mangás: "L’attaque des titans, de l’ombre à la lumière" ("O ataque dos titãs, da sombra à luz"), dedicada à série "Ataque dos titãs" de Hajime Isayama, "À corps perdus" ("Sem medo"), em homenagem ao mangaka Ryoichi Ikegami, e "Dans l’antre du délire" ("No antro do delírio"), em homenagem ao mestre do terror Junji Itó.
Além das exposições, uma programação em torno do gênero literário japonês foi organizada, com projeções, encontros com autores e o espaço Manga City, totalmente dedicado às histórias em quadrinhos e às culturas populares asiáticas. O palco Twitch do Festival também vai propor, na quinta-feira (26) e no domingo (29), uma programação dedicada ao mangá em live.
Além do mangá, fazem parte da programação do Fibda uma retrospectiva da obra da canadense Julie Doucet, uma mostra das HQs infanto-juvenis da autora marfinense Marguerite Abouet, e uma exposição que celebra as cores.
Como Angoulême não vive só de prêmios, polêmicas e exposições, o evento também conta com muitas horas de bate-papo entre fãs e autores, sessões de autógrafos, workshops para crianças e adultos, masterclasses, debates e shows, além de eventos paralelos que acontecem até domingo, 29 de janeiro, quando a cerimônia de entrega de prêmios encerra o programa.
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