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Entenda por que curdos acusam a Turquia por ataque em Paris, que matou três membros dessa comunidade

Desde os ataques de 23 de dezembro, em Paris, que mataram três pessoas curdas, representantes dessa comunidade acusam a Turquia de envolvimento no que consideram um "ato terrorista". Na noite de segunda-feira (26), a Justiça francesa indiciou o autor dos ataques, mas rejeitou a acusação terrorista, despertando nos curdos da França um sentimento de insegurança. 

Membros da comunidade curda participam de manifestação, em Paris, em 24 de dezembro.
Membros da comunidade curda participam de manifestação, em Paris, em 24 de dezembro. AFP - JULIEN DE ROSA
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A decisão da Justiça francesa, de indiciar o autor confesso do ataque por "crime racista" e não por ato terrorista, não foi bem recebida pela comunidade curda, como já era esperado.

"Ele (o autor) estava fortemente armado, foi a Saint-Denis, que é uma cidade com uma grande comunidade estrangeira, e não encontrou ninguém, e, por 'coincidência', pegou um táxi e veio para a Rua d’Enghien, uma das mais calmas (da cidade), e atacou curdos no Centro Democrático Curdo, onde todo dia passam pessoas designadas como alvo por Erdogan", disse à RFI, Beridan Firat, porta-voz do Centro Democrático Curdo e do Movimento de Mulheres Curdas. 

"Ele ataca uma mulher, a pioneira do Movimento democrático curdo, uma mulher que combateu contra o Daesh e que foi ferida em Raqqa", continua a Firat.

"Vocês acreditam? Eu não acredito. Erdogan estava por trás do triplo assassinato de janeiro de 2013. Sabemos, estava escrito em documentos do juiz de instrução, mas o serviço secreto francês classificou esses documentos como ultra-secretos", lamenta. "Queríamos que esse segredo fosse levantado para que a Justiça possa fazer o seu trabalho. E se tivesse sido feito justiça, hoje não estaríamos aqui", afirma. 

Assassinato não elucidado

Firat se refere ao assassinato, há exatos 10 anos, de três militantes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), no mesmo bairro de Paris. Sakine Cansiz, cofundadora do partido, que se beneficiava de asilo político na França, Fidan Dogan, representante do Congresso Nacional do Curdistão e Leila Soylemez, que vivia na Alemanha e passava alguns dias na França, foram assassinadas em 9 de janeiro de 2013. 

Na época, o envolvimento de membros dos serviços secretos turcos no assassinato levou à pista de um assassinato político. 

O suspeito, Omer Guney, preso por "assassinato relacionado à organização terrorista", morreu em Paris, em 2016, de câncer, cinco semanas antes do começo de seu processo. A investigação não conseguiu estabelecer quem comandou os três assassinatos. 

Duas personalidades conhecidas 

Entre as vítimas do ataque de 23 de dezembro, está Emine Kara, de 48 anos, que deveria participar de uma reunião de preparação do décimo aniversário do assassinato das três militantes curdas. Mas este encontro foi adiado no último momento devido a um problema de transportes.

Kara, originária da província de Sirnak na Turquia, fugiu do país com sua família em 1994. Ela passou muitos anos em um campo de refugiados no Iraque, antes de se instalar no campo de Makhmour, no norte do país, onde vivem 12.000 refugiados curdos da Turquia. Em 2014, ela combate o Estado Islâmico (EI) no norte e no leste da Síria, segundo o Conselho Democrático Curdo da França. Ela participou da reconquista de Raqqa e combateu em Kobané, no Curdistão sírio.

Pessoas seguram cartazes com fotos de Evin Goyi (Emine Kara) durante uma manifestação em Paris, em 24 de dezembro.
Pessoas seguram cartazes com fotos de Evin Goyi (Emine Kara) durante uma manifestação em Paris, em 24 de dezembro. REUTERS - SARAH MEYSSONNIER

Após a queda do EI, em 2019, Kara, que também é conhecida por seu no me de guerra, Evin Goyi, veio para a França para receber tratamento por ferimentos de guerra.

Desde sua chegada no país, ela se engajou no movimento de mulheres curdas na França, onde chegou a ser responsável nacional. Ela fez uma demanda de asilo político, mas segundo a porta-voz do Conselho democrático Curdo na França foi rejeitada.

Outra vítima, Mir Perwer, era um cantor curdo reconhecido. Ele estava refugiado na França e ficou conhecido por difundir suas composições melancólicas que falavam de liberdade e pátria nas redes sociais. Perseguido em seu país de origem, a Turquia, onde foi condenado a 30 anos de prisão, ele obteve asilo na França.

Mas por que eles acusam a Turquia? 

A repressão ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que reivindica a soberania do Curdistão, se intensificou nos anos 1980, na Turquia, causando uma escalada de violência com atentados do PKK, levando muitos curdos a se exilarem em outros países. 

A chegada do atual presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ao poder não amenizou as tensões, ao contrário, se acompanhou de uma perseguição sistemática ao PKK, não somente na Turquia, mas também em outros países. 

O acolhimento de refugiados políticos curdos é um dos grandes pontos de desacordo entre a Europa e Ancara. Em 16 de maio de 2022, Erdogan anunciou que vetaria a adesão da Suécia e da Finlândia à Otan porque estes países "deixavam entrar terroristas em seus Parlamentos".

O papel decisivo dos curdos na luta contra o EI reforçou a relação entre a França e o Curdistão. Na Síria, a milícia curda das Unidades de Proteção do Povo (YPG) foi, desde 2014, uma das principais forças que combateram o grupo jihadista com o apoio aéreo da coalizão internacional. 

Um povo sem nação

Os curdos são um povo sem Estado e seu território se divide entre quatro países: a Turquia, o Irã, o Iraque e a Síria. Como sempre foram alvo de perseguições, se refugiaram em diversas regiões do mundo, entre elas os Estados Unidos, a Europa do Norte, a Alemanha e a França. 

Atualmente, 150 mil pessoas dessa comunidade vivem em solo francês, a maioria vinda da Turquia, país que não os reconhece e não permite o uso de seu idioma. 

Entre 25 e 35 milhões de curdos estão espalhados pelo globo e constituem o maior grupo de pessoas apátridas do mundo. 

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