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Lavagem da Madeleine completa 20 anos e reúne 15 mil pessoas nas ruas de Paris

Com música, dança e cultura brasileiras, o cortejo da Lavagem da Madeleine tomou as ruas de Paris neste domingo (4), reunindo cerca de 15 mil pessoas, segundo a polícia. Organizada pelo artista e produtor cultural baiano Roberto Chaves, o evento comemora sua 20ª edição em Paris em clima de alívio, após os dois anos de pandemia que restringiram sua realização, e muita animação.

A já tradicional Lavagem da Madaleine completa 20 anos e desfila com diversas alas e cerca de 15 mil pessoas no domingo , 4 de setembro de 2022.
A já tradicional Lavagem da Madaleine completa 20 anos e desfila com diversas alas e cerca de 15 mil pessoas no domingo , 4 de setembro de 2022. © Paloma Varón/RFI
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Por Paloma Varón, da RFI

Inspirado na centenária Lavagem do Bonfim, em Salvador, o evento parisiense conta com diferentes blocos e alas, como a das baianas, o maracatu, diferentes grupos de batucada e a ala Mulheres da Resistência, que há três anos homenageia mulheres que se destacam na política e na História. Este ano o evento voltou a ter um trio elétrico no desfile.

Como acontece em Salvador, ao final do cortejo de 3,4 km entre a praça da República e a Igreja da Madeleine houve a lavagem dos degraus da Igreja, no 8º distrito de Paris, feita pelas baianas, na presença do babalorixá Pai Pote, que vem de Santo Amaro (BA) a cada ano para o evento e do padre católico Brien McCarthy.

Considerada a maior festa cultural brasileira na Europa, a Lavagem da Madeleine prega a paz e convivência entre as religiões, baseada no sincretismo religioso do evento baiano. Também como na Lavagem do Bonfim, a maioria dos participantes vai vestida de branco para o evento em Paris. 

Lavagem da Madeleine: 20 anos

Lavagem da Madeleine: 20 anos

Mensagem de paz e convivência interreligiosa

Para o criador deste evento, Roberto Chaves, conhecido como Robertinho, "é uma alegria e uma prova de resistência poder comemorar os 20 anos desta lavagem. A gente que é afrodescendente, que é do candomblé, é acostumado a ser da resistência... Mas no final é [uma] vitória", comemora. "Estamos levando uma mensagem de paz para o mundo, os babalorixás, o padre da igreja... é o profano e o religioso se unindo pela paz: muita emoção", resume. 

Robertinho Chaves (de azul), Pai Pote, a madrinha Cristina Córdula e o vigário Brien McCarthy durante o ritual de lavagem das escadarias da Igreja da Madeleine, em Paris, em 4 de setembro de 2022.
Robertinho Chaves (de azul), Pai Pote, a madrinha Cristina Córdula e o vigário Brien McCarthy durante o ritual de lavagem das escadarias da Igreja da Madeleine, em Paris, em 4 de setembro de 2022. © Paloma Varón/RFI

Este ano, o evento trouxe da Bahia, além do pai de santo, o diretor do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologia Aplicada da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Danillo Barata. Ele apresentou em Paris, como parte da programação da Lavagem, seu documentário "Bembé do Mercado, 130 anos", filme sobre um ritual baiano que inicia o processo de pedido de reconhecimento como patrimônio junto à Unesco.

"Bembé do Mercado é um candomblé de rua que foi criado em 13 de maio de 1889, em Santo Amaro, na Bahia, um ano após a Abolição da Escravatura. Ele já é patrimônio imaterial do Estado da Bahia e do Brasil, reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Agora estamos na luta pelo reconhecimento como patrimônio mundial pela Unesco", conta Barata à RFI

O diplomata brasileiro Murilo Vieira Komniski, chefe de gabinete da Presidência da Conferência Geral da Unesco, participou do cortejo da Lavagem da Madeleine e faz campanha para que esta tradição brasileira seja reconhecida mundialmente. "Nós apoiamos a Lavagem há 20 anos e também o processo de patrimonialização de Bembé do Mercado pela Unesco. Bembé do Mercado representa o diálogo intercultural e interreligioso, a cultura de paz e o combate ao racismo", afirma Komniski, que desfilou na comissão de frente da Lavagem. 

O embaixador brasileiro em Paris, Luís Fernando Serra, voltou do Brasil neste domingo (4) pela manhã e foi direto para a Lavagem. "São 20 anos de luta para conseguir este espetáculo, que é único na Europa, e eu acho que é o único no mundo fora do Brasil. Tudo isso se deve à tenacidade, ao empenho e ao esforço de Roberto Chaves, que já foi condecorado pelo Senado francês por indicação da Embaixada. Espero que continue assim por mais 20 anos, no mínimo; estou muito feliz de participar hoje", disse Serra. 

Mulheres da Resistência 

A ala Mulheres da Resistência trouxe dezenas de mulheres que vestiam camisetas e seguravam cartazes homenageando outras mulheres, como Benedita da Silva, Dilma Rousseff, Zuzu Angel, Leci Brandão, Antonieta de Barros, Nita Freire, Sueli Carneiro, Maíra Azevedo e Beatriz Nascimento, entre as brasileiras, e Anne Hidalgo (prefeita de Paris), Simone Veil (ex-ministra da Saúde e responsável pela lei que descriminalizou o aborto na França, em 1975), e a vereadora Geneviève Garrigos, entre as francesas. 

"Para nós é muito especial estar aqui, é o nosso terceiro ano na Lavagem da Madeleine. Viemos este ano com o tema mulheres na política e nas redes, que é muito relevante, por ser um ano político, é o ano em que precisamos estar na luta, na resistência, buscando os nossos direitos, lutando por igualdade, combatendo a violência doméstica, o racismo", disse Nellma Barreto, fundadora da ala.

A vereadora de Paris Geneviève Garrigos foi ao mesmo tempo participante e homenageada: "Eu estou muito honrada por fazer parte das mulheres políticas homenageadas pelo coletivo Mulheres da Resistência. Este ano, há um significado especial porque em três dias vai ser o bicentenário da Independência do Brasil, e nós vemos como a cultura brasileira é viva, mas também a sua resistência ao longo destes anos", afirma. 

"É incrível estar no meio destas mulheres e poder participar deste movimento. A gente espera com impaciência as eleições em outubro para que Lula seja eleito, porque os anos de Bolsonaro no poder foram uma catástrofe para os direitos humanos, para os mais pobres, para os afrodescendentes, para o meio ambiente, pela sua gestão da Covid. Hoje eu estou aqui para apoiar uma mudança de política no Brasil e a resistência brasileira para que todas essas violações graves terminem", sublinha a vereadora do Partido Socialista de Paris.

A cineasta Leila Xavier também foi à Lavagem para denunciar "todas as atrocidades que a gente está sofrendo com este governo de Bolsonaro, que é racista, tem provocado o empobrecimento da população brasileira, foi negligente com a Covid... a lista é longa", disse ela, que homenageou a historiadora e ativista do movimento negro no Brasil, Beatriz Nascimento. 

A ala Mulheres da Resistência desfilou pela terceira vez na Lavagem da Madeleine e homenageou mulheres que se destacam na política, nas redes e na História. Criada em 2019 pela produtora cultural Nellma Barreto, a ala é formada por um coletivo homônimo de mulheres brasileiras em Paris.
A ala Mulheres da Resistência desfilou pela terceira vez na Lavagem da Madeleine e homenageou mulheres que se destacam na política, nas redes e na História. Criada em 2019 pela produtora cultural Nellma Barreto, a ala é formada por um coletivo homônimo de mulheres brasileiras em Paris. © Paloma Varón/RFI

Influenciadores digitais como embaixadores

Este ano, a Lavagem, que tem como madrinha a brasileira Cristina Córdula, apresentadora de programas na televisão francesa, contou também com uma novidade: dois embaixadores do evento, os influencers brasileiros Ana Carolina Dalcolmo e Ton Britto.

"É a primeira vez que participo da Lavagem como embaixadora, mas venho há anos para o evento e, neste ano, pós-pandemia, a gente volta com tudo. Estou muito orgulhosa da conquista de Robertinho Chaves, de trazer a cultura de Salvador para Paris", declara Dalcolmo, que convidou outros influencers brasileiros e franceses para participarem desta 20ª edição do evento. 

Como já é tradição em Paris, após a chegada do cortejo às escadarias da Igreja da Madeleine, o vigário e o pai de santo rezaram juntos um “Pai Nosso”, primeiro em francês, depois em português, acompanhados pelo público em volta. Em seguida, Pai Pote iniciou o ritual de candomblé, dando o sinal verde para as baianas começarem a lavar as escadas com água de alfazema. 

Ritual de purificação

Depois da lavagem das escadarias, dezenas de pessoas fizeram fila em frente ao Pai Pote em busca gotas de água de alfazema, o banho de cheiro, parte do ritual de purificação. "Que maravilha estar aqui de novo depois da pandemia, comemorando os 20 anos desta Lavagem", disse o babalorixá, que participa do evento desde 2002. 

Cristina, da ala das baianas, também participa da Lavagem da Madeleine há 20 anos: "Na primeira Lavagem, fui eu que abri o cortejo, cantando com um afoxé daqui de Paris. E este ano foi maravilhoso, esta retomada depois da pandemia, foi um sucesso total", avalia. 

Marvenúzia, outra integrante da ala das baianas, veio de Genebra, na Suíça, especialmente para o evento. "Eu venho há 10 anos para participar da Lavagem. A organização deste ano foi magnífica", disse a baiana. 

Entre o público que acompanhou o cortejo, pessoas de todas as idades e nacionalidades. "Nós viemos de Thiais, no subúrbio de Paris, para ver este evento, que descobrimos num site sobre o que fazer em Paris, e estamos adorando, o clima é fantástico", apontaram o francês Louis e a malinesa-senegalesa Bidane. 

Claudine, que vem há quatro anos para o evento, trouxe desta vez sua amiga Jacqueline. "Eu fui ao Brasil há uns anos e desde então venho à Lavagem para curtir este clima brasileiro em Paris."

Criado por Giba Gonçalves há 25 anos, o grupo de percussão Batalá participa da Lavagem da Madeleine desde que o evento foi criado, há 20 anos.
Criado por Giba Gonçalves há 25 anos, o grupo de percussão Batalá participa da Lavagem da Madeleine desde que o evento foi criado, há 20 anos. © Paloma Varón/RFI

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