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Eleições legislativas da França: como votam jovens de Grenoble, a capital verde da Europa?

Grenoble, no sudeste da França, eleita neste ano a Capital Verde da Europa, é um dos principais redutos da esquerda no país. Com pouco mais de 160 mil habitantes, a cidade conta com um dos maiores polos universitários e científicos do continente, o que faz dela uma localidade povoada por jovens. A RFI foi até lá saber como a faixa etária dos 18-34 anos pretende votar nas eleições legislativas, nos próximos 12 e 19 de junho.

Cerca de 30% da população de Grenoble tem entre 15 e 29 anos, segundo dados do Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos da França (Insee).
Cerca de 30% da população de Grenoble tem entre 15 e 29 anos, segundo dados do Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos da França (Insee). © Daniella Franco/RFI
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Daniella Franco, enviada especial da RFI a Grenoble

Caminhar pelas ruas do centro de Grenoble é realizar uma imersão em um universo quase exclusivamente jovem um tanto incomum em cidades de médio porte na França. Segundo dados do Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos da França (Insee), cerca de 30% da população de Grenoble tem entre 15 e 29 anos. Quase 40% de seus habitantes são alunos e estudantes.

De forte posicionamento progressista, os “grenoblois” - como são chamados os moradores locais - votam tradicionalmente na esquerda. No período após a Segunda Guerra Mundial, a cidade foi dirigida majoritariamente pelo Partido Comunista e Socialista, com apenas três administrações de direita nas últimas oito décadas. Uma das grandes figuras da esquerda francesa, Hubert Dubedout fez história na prefeitura local, entre 1965 a 1983, tornando a cidade um laboratório social e um modelo nacional do socialismo municipal.

Vanguardista, nos últimos anos Grenoble vem levando o sentimento da urgência ecológica para as urnas. Célebre por seus projetos em prol do meio ambiente, a cidade recebeu no início deste ano da Comissão Europeia o título de Capital Verde da Europa. Desde 2014, ela é dirigida por um ecologista, Éric Piolle, do partido Europa Ecologia Os Verdes (EELV).

Nupes e a esperança em Mélenchon

 

No primeiro turno da eleição presidencial, realizada no último mês de abril, o candidato Jean-Luc Mélenchon, do partido A França Insubmissa (esquerda radical), obteve 38,94% dos votos em Grenoble, muito à frente do presidente Emmanuel Macron, que ficou com 25,31% no local. Nos resultados gerais, em toda a França, Mélenchon obteve 21,95% contra 27,84% para o líder centrista.

Com essa percentagem de votos, o esquerdista chegou muito perto de ir para o segundo turno da eleição presidencial, ficando poucos pontos atrás de Marine Le Pen, do partido Reunião Nacional, de extrema direita, que obteve 23,3%. O resultado frustrou os eleitores progressistas, entre os quais muitos deixaram de ir votar no segundo turno, totalizando uma abstenção de mais de 28%, um recorde desde 1969.

No entanto, a Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes) – recente coalizão da esquerda formada para as eleições legislativas – dá um novo fôlego aos eleitores. A expectativa é tamanha que o pleito chegou a ser apelidado pelas mídias e especialistas de “terceiro turno” da eleição presidencial.

Apesar de a maior taxa de abstenção no primeiro turno da eleição presidencial – cerca de 40% – ter sido registrada entre os eleitores de 18 a 34 anos, eles garantem que irão às urnas para as legislativas. Caso obtenha maioria na Assembleia Nacional, o primeiro-ministro deverá vir da Nupes, obrigando Macron a participar de um governo de “coabitação”, entre a centro-direita e a esquerda. Jean-Luc Mélenchon começou há várias semanas uma barulhenta campanha para ser nomeado chefe de Estado, uma ideia vista com entusiasmo por parte do eleitorado da França.

Campanha para a mobilização dos moradores de Grenoble às eleições legislativas de 12 e 19 de junho.
Campanha para a mobilização dos moradores de Grenoble às eleições legislativas de 12 e 19 de junho. © Daniella Franco/RFI

Jovens eleitores de Grenoble apoiam a Nupes

 

A RFI saiu às ruas de Grenoble para conversar com jovens eleitores e saber quais são suas expectativas e motivações para as eleições legislativas de 12 e 19 de junho. A cidade é a maior do departamento da Isère, que conta com dez distritos eleitorais, onde serão eleitos dez dos 577 deputados e deputadas da Assembleia Nacional da França. Sozinha, Grenoble conta com dois distritos eleitorais, e elegerá dois deputados ou deputadas.

“Sim, estou animado para as eleições legislativas”, diz o estudante Esteban, de 18 anos. “Acho que elas não deveriam ser negligenciadas, já que vão resultar na eleição do primeiro-ministro e dos deputados, que votam as leis. Também é a ocasião de eleger um verdadeiro contrapoder ao Executivo, que é representado pelo presidente da República. Eleger deputados, para mim, é algo muito importante e é uma pena que essas eleições sejam consideradas menos relevantes do que a eleição presidencial”, afirma.

Ao lado dele, o amigo Thibault, também de 18 anos, não esconde seu engajamento. “Vou votar na Nupes, a Nova União Popular Ecológica e Social. Minha escolha foi feita rapidamente desde que soube que havia uma aliança da esquerda, já que há uma verdadeira frente de esquerda que se organizou há pouco tempo. O mais importante não é a novidade em si, mas sobretudo é a primeira vez em muitos anos que há uma chance de termos uma maioria de esquerda na Assembleia Nacional”, salienta.

Para a universitária Noélie, de 19 anos, a formação da Nupes também não passou despercebida. Evocando a questão do burquíni nas piscinas municipais de Grenoble - uma causa defendida pelo prefeito ecologista Eric Piolle - a jovem justifica seu voto na esquerda. “Autorizar o burquíni é um avanço para a liberdade das mulheres e de seus corpos. Eu, pessoalmente, se for à piscina e tiver uma mulher de burquíni, não vejo como isso pode me incomodar. É por isso que eu tenho vontade de apoiar essa luta e votar na esquerda, para que não nos retirem nosso direito ao aborto, por exemplo, que está ameaçado em vários países e a França pode entrar nessa onda também”, diz.

O servidor público Antoine, de 24 anos, vai votar para a Nupes, mas critica a falta de debate na campanha para a eleição presidencial, que teve início no último 30 de maio. “Ainda não me informei sobre o programa do meu candidato, será mais um voto por princípio do que por interesse especificamente”, explica.

Para ele, até a formação da coalizão da esquerda, havia uma mobilização “limitada” dos jovens para este pleito. “Uma parte das problemáticas abordadas pela Nupes nos mobiliza mais, como meio ambiente e o mundo do trabalho, por exemplo. Para ser sincero, nas últimas eleições legislativas, em 2017, eu não sabia em quem iria votar, como uma boa parte de meus amigos. No meu círculo, muita gente deixou de ir votar porque não tinha interesse, ou então escolheram o candidato menos pior. Outros reivindicaram a abstenção como uma forma de protesto contra o sistema eleitoral”, resume.

Campanha para a mobilização dos moradores de Grenoble às eleições legislativas de 12 e 19 de junho.
Campanha para a mobilização dos moradores de Grenoble às eleições legislativas de 12 e 19 de junho. © Daniella Franco/RFI

Abstencionistas e de esquerda

 

Segundo uma pesquisa recente da Fundação Jean Jaurès, os jovens franceses são cada vez mais abstencionistas, mas têm ideais cada vez mais de esquerda. Tristan Haute, professor de Ciência Política da Universidade de Lille, afirma que o fenômeno se deve a uma relação cada vez mais crítica desta camada da população em relação à prática eleitoral.

“Não é que eles pensem que a democracia deveria desaparecer, ao contrário. Na verdade, eles têm o sentimento que o voto deles é inútil ou ineficaz. E é entre eles que encontramos hoje outros tipos de práticas políticas, como participação em boicotes, petições e manifestações. Percebemos isso em movimentos de destaque no espaço público francês recentemente, como as marchas pelo clima, os protestos contra o racismo e as violências policiais, onde vimos um engajamento importante das gerações mais jovens”, aponta.  

Para a estudante Alia, de 19 anos, há também um problema de falta de representatividade em relação aos candidatos. “Hoje os políticos saem de universidades elitistas de Paris e eles não representam a grande maioria da população francesa. Tem uma espécie de centralização do poder em Paris que faz que os políticos não se deem conta do que acontece fora de lá e que faz com que os jovens tenham dificuldades de se reconhecer na política de hoje”, defende.

Isso não impede que as jovens gerações acompanhem o debate político. É o caso de Alice, de 17 anos, que ainda não vota, mas já tem uma opinião formada sobre a Nupes.

“Tento me interessar um pouco por política. Hoje temos uma coalizão dos partidos ecologista, comunista e socialista. Isso é bom porque permite a partidos que são mais ou menos pequenos ter importância e se fortalecer juntos. Mas, por outro lado, é uma pena porque isso reduz a oferta de partidos políticos que podemos ter.”

Ao lado dela, o colega, Nicolas, também de 17 anos, discorda. “Ao contrário da minha amiga Alice, que pensa que agrupar todos os partidos de esquerda em um só reduz a possibilidade de escolha e que isso é algo negativo, para mim, isso é bom porque permite reunir muita gente que tem mais ou menos as mesmas ideias, mas que antes estavam separadas por posicionamentos um pouco divergentes. Talvez, juntando todos, isso vá nos permitir a ter na Assembleia Nacional uma maioria mais ou menos de esquerda para combater os deputados de direita ou do partido de extrema direita Reunião Nacional.

Em toda a França, quase 49 milhões de eleitores são convocados para votar nas eleições legislativas em 12 e 19 de junho. Mais de 12 milhões têm entre 18 e 34 anos.

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