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“Marine Le Pen propõe uma destruição da democracia francesa”, diz professor da Unicamp

O único debate da campanha presidencial francesa, na noite de quarta-feira (20), serviu como um alerta para o eleitorado francês sobre o “risco que uma vitória da extrema direita representaria para o país”. Essa é a opinião do professor de filosofia política da Unicamp Marcos Nobre. Em entrevista à RFI, ele argumenta que “Marine Le Pen propõe uma destruição da democracia francesa e da União Europeia”.

Emmanuel Macron e Marine Le Pen durante o debate presidencial na noite de 20 de abril de 2022.
Emmanuel Macron e Marine Le Pen durante o debate presidencial na noite de 20 de abril de 2022. © AFP / LUDOVIC MARIN
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“É muito grave se alguém com o passado e opiniões de Le Pen ganhar a eleição presidencial da França. Você coloca a França, que é um país simbolicamente importante, economicamente e socialmente importante, no campo da internacional autoritária”, diz o professor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Nobre alerta que “quando se tem a extrema direita no segundo turno, não é uma eleição normal”. Para o professor, “é um risco para a democracia, para a economia e para União Europeia. E tem repercussões mundiais. Não se pode brincar com esse tipo de coisa”, alerta o acadêmico da Unicamp.  

“A extrema direita, na sua visão autoritária da sociedade, sempre se apresenta como campeã da liberdade e da democracia. E quando chega ao poder, destrói ambas”, analisa o professor de filosofia política. ”Isso é o que vemos na história da extrema direita no século 20”, completa.

“O fato de Le Pen querer proibir o véu em espaço público foi a forma como isso apareceu, mas representa toda a tradição autoritária de onde ela vem”, adverte. “Ela fez uma relação entre o véu, uma religião, terrorismo e os estrangeiros e isso é gravíssimo, porque mistura xenofobia, com a ideia de que estrangeiros são perigosos, eliminação de algumas religiões, estava tudo misturado e isso é um perigo”, reforça.

Visão da Europa

De acordo com Nobre, Marine Le Pen desconversa sobre a União Europeia, mas propõe o isolacionismo francês. O acadêmico cita o momento em que Macron chega a comparar a atitude da rival com a de um “condômino, que não pode pintar o prédio sem consultar outras pessoas. Mas é um jeito dela de minar a UE”, exemplifica Nobre.

Nobre observa que a líder do partido Reunião Nacional conseguiu fazer a “desdiabolização” de sua candidatura. “Mas ela não é moderada, ela só parece. E ela foi ajudada por Éric Zemmour, também da extrema direita, porque perto dele, ela parecia de fato moderada”, compara Nobre.

O professor de filosofia política, contudo, não acredita que o debate tenha impacto na decisão do eleitorado no domingo (24), data do segundo turno da eleição presidencial francesa – ainda que o duelo tenha servido para expor mais a fundo as características dos dois candidatos.

“A duas candidaturas foram para o debate para não perder o eleitorado que já têm. Não foi destinado a virar votos ou buscar votos de pessoas que não pretendem ir votar. Foi para fixar o que cada um já tem”, sublinha Nobre. “Não teve aceno ao eleitorado de Jean-Luc Mélenchon”, por exemplo, candidato da esquerda radical e terceira força no primeiro turno.

“Do lado do Macron, ele teve uma estratégia assertiva, o que se deve ao fato de que ele já esperava ser atacado, por ser presidente em exercício; mas atacou antes”, resume Nobre, observando que, desta vez, Le Pen foi capaz de se manter calma, ao contrário de 2017, quando também disputou o segundo turno com Macron.

“A impressão é que Macron não tenta fugir da idéia de ser arrogante, não vejo um movimento concreto para desfazer a imagem que ele mesmo criou”, aponta. “Os momentos em que ele quase desprezou Le Pen foram evidentes”, relata. “Do lado dela, vimos uma humildade calculada, pois ela não é assim”, completa.

Marcos Nobre
Marcos Nobre © Arquivo pessoal

Tecnocrata X porta-voz do povo

Nobre acredita que Marine Le Pen soube se posicionar diante do seu público. “Eu sou o povo francês e o senhor Macron é o representante das elites, dos que estão distantes do povo. Nisso ela foi bem-sucedida”, diz. “É algo que combina com o projeto dela de governar por referendo, plebicito, etc, de querer falar diretamente com o povo”. 

"Le Pen disse: 'você é o homem dos números e eu ouço o sofrimento das pessoas'. O tecnocrata contra a pessoa perto do povo que pode governar sem mesmo precisar do Judiciário ou do Legislativo”, observa.

Ao citar o contexto atípico da eleição francesa de 2022, com a crise sanitária e a invasão da Ucrânia pela Rússica, Nobre destaca a relação de Le Pen com Moscou. “Nesse momento, o Macron levou a Le Pen para as cordas. Como apoiar a anexação da Crimeia? E o empréstimo do partido dela com bancos russos?”, pergunta. Mas ao responder “não somos ricos”, Le Pen insiste em se aproximar do francês mais pobre, analisa.

O fato de quase não ter havido campanha presidencial na França no primeiro turno, em razão da epidemia de Covid-19, da guerra na Ucrânia e dos compromissos de Macron como atual ocupante da presidência rotativa do Conselho Europeu, favoreceu ambos os candidatos, avalia Nobre. A ausência do enfrentamento entre os candidatos, entretanto, prejudicou Jean-Luc Mélenchon, "que é bom de debate”, salienta.

De olho em 2027

Se em 2017 Marine Le Pen foi muito mal no segundo turno, Nobre acredita que o que vemos hoje é resultado de muita preparação. “Ela passou cinco anos tentando se recuperar e agora consegue chegar ao segundo turno. Mas ela não está jogando tudo nessa eleição, ela pensa em 2027”, acredita o especialista.

Apesar de os números das últimas pesquisas eleitorais apontarem vantagem para o presidente Emmanuel Macron, será “uma vitória complicada”, segundo Nobre. “Le Pen voltou para o jogo político e se estabelece como uma alternativa aceitável por parte da direita. Ela se posiciona bem para 2027”, aposta.

“Quando se tem crise, é melhor não mudar de comandante. Isso é muito frequente e pode acontecer nesta eleição”, diz Nobre, referindo-se ao atual presidente. “Mas se passa a crise e a guerra, Macron vai ter que dar respostas para essa parte da população que votou Le Pen, essa parte do eleitorado que não quer mais votar numa candidatura com a qual não se identifica apenas para barrar a extrema direita”, analisa.  “Se o Macron vai ouvir ou não isso, não sabemos. Mas se ele não ouvir, em 2027 a extrema direita virá muito forte”, antecipa.

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