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Após 5 anos de governo, Macron tem desafio de superar "antimacronismo"

Ao vencer em 2017, Emmanuel Macron prometeu reconciliar os franceses. Cinco anos depois, para se reeleger precisa convencer a população de que “não vale a pena votar nos extremos”, como martela desde a primeira eleição. O balanço dos cinco anos de governo Macron tem resultados positivos na economia e gerenciamento da Covid-19, mas as fraturas sociais estão expostas e o candidato, chamado de "presidente dos ricos", corteja votos da esquerda e dos ambientalistas para derrotar, novamente, a extrema direita nas urnas.

O presidente francês Emmanuel Macron, candidato à reeleição nas eleições presidenciais francesas de 2022, fala durante um comício de campanha, em Marselha, no sul da França. Em 16 de abril de 2022. REUTERS/Christian Hartmann
O presidente francês Emmanuel Macron, candidato à reeleição nas eleições presidenciais francesas de 2022, fala durante um comício de campanha, em Marselha, no sul da França. Em 16 de abril de 2022. REUTERS/Christian Hartmann REUTERS - CHRISTIAN HARTMANN
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Porém, se o balanço do governo apresenta resultados concretos, nem sempre essas ações são suficientes para conquistar os franceses, exigentes e não afeitos a reeleger seus presidentes. A pesquisa YouGov publicada no dia 1º de abril sobre o mandato de cinco anos de Emmanuel Macron aponta um índice de popularidade para o chefe de Estado em 37%. O resultado é três pontos abaixo em relação à sondagem divulgada em fevereiro, um dia após a eclosão da guerra na Ucrânia, quando a popularidade do presidente francês havia saltado nove pontos.

Os dados de 2022 estão em alta se comparados aos do ano passado. Em 2021, as opiniões positivas sobre a gestão de Macron oscilavam entre 28% e 33%. Os números atuais só perdem para 2018, quando a satisfação chegava a 41%, e principalmente para julho de 2017, quando o mais jovem presidente da Vª República estava em "estado de graça", com 43% de aprovação.

Entretanto, ainda que os dados sejam favoráveis para o centrista, o que se nota nas ruas é um forte sentimento anti-Macron que contradiz o resultado esperado pelas ações de seu governo. Uma pesquisa publicada pelo Journal du Dimanche em 16 de abril mostra que o Presidente da República é mais popular entre aposentados (50%), maiores de 65 anos (59%) e altos executivos (48%), que votaram esmagadoramente nele no primeiro turno.

Porém, a popularidade de Macron diminui entre os desempregados (25%, -10 pontos em um mês), os trabalhadores (28%, -7 pontos) e principalmente entre os jovens (34%), onde se observa uma queda de 17 pontos em relação à última sondagem. É nessa faixa de eleitores que se ouve com frequência a expressão “Nem Le Pen, nem Macron”.

Mudança de rota

No livro o “Momento Macron”, recentemente lançado na França, o escritor e editor Olivier Mongin e a conseillère régionale (o equivalente ao cargo de deputada estadual) Lucile Schmid analisam o homem público “de carreira atípica” que ocupou repentinamente o cenário nacional. Ex-diretor do Banco Rothschild, que foi ministro da Economia do socialista François Hollande, Macron se apresentou “como um homem de ruptura, um revolucionário”, dizem os autores. Aos 44 anos, ele continua sendo um dos mais jovens presidentes da França, mas a realidade do mundo atual pode exigir um realinhamento de rota, sugerem os autores.

De acordo com a obra, o objetivo de Emmanuel Macron era trazer “o velho mundo ao estilo francês” para o “novo mundo” da economia e da geopolítica. Mas a aspiração acontece “na hora errada” ou "contra a corrente", acreditam Mongin e Schmid. Para os analistas, “o descompasso entre as reformas que ele havia planejado e as expectativas sociais de uma sociedade francesa fraturada”, assim como “o contraponto entre a sua prática solitária e vertical de poder e a necessidade de renovação democrática” fizeram desmoronar “as ambições progressistas do jovem presidente em uma Europa atualizada, com um programa comum de política de migração e segurança”.

“Uma panela de pressão” que a crise dos coletes amarelos ilustrou muito bem, completam os ensaístas. A pandemia, a crise climática, as negociações migratórias, os ataques terroristas e o retorno da guerra na Europa só aumentaram a lista dos desafios do presidente.

Crescimento Econômico

Na Economia, o quinquênio Macron é apontado como um cartão de visitas pelos ministros encarregados de defender o balanço do governo. A França registrou alta de 7% do PIB, em 2021, o maior aumento em 52 anos, conforme o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee). Isso, claro, depois de uma recessão de 8%, em 2020, em consequência da pandemia de coronavírus. Porém, o Insee ressalta que a economia francesa “ultrapassa claramente" o patamar em que estava antes da crise sanitária.

No quinquênio, o crescimento atingiu, em média, 0,43% ao ano. Isso é mais do que no período do presidente Nicolas Sarkozy (0,29%), mas menos do que sob o governo de François Holande (0,76%), calcula o site francês Mediapart.

A taxa de desemprego, atualmente em 7,4%, nunca esteve tão baixa em 15 anos. Cerca de 1 milhão de vagas abertas no quinquênio e esse é um dos argumentos mais fortes da campanha eleitoral do centrista. O presidente ainda liberalizou o mercado de trabalho, facilitando contratações, mas também demissões. No entanto, “a qualidade dos empregos criados, muitas vezes na área de serviços, levanta a questão sobre as condições de trabalho e os salários, em uma categoria da população que é mais sujeita a sofrer com a inflação”, acrescenta o Mediapart.

Inflação em alta

Impulsionados pelo aumento dos custos da energia, os preços ao consumidor subiram 3,6% em fevereiro, em relação aos 12 meses precedentes. Em janeiro, a alta já havia sido de 2,9%, segundo dados do Insee. Esse nível de inflação não era visto na França desde a crise financeira de 2008.

Alimentados pela escalada das tensões entre a Rússia e a Ucrânia, os preços da energia, particularmente do petróleo, continuam subindo, alcançando de mais de 21% em um ano. O governo reagiu reduzindo o preço na bomba de 15 centavos por litro. A carestia do preço dos combustíveis inflama ainda mais a revolta dos coletes amarelos, os franceses das camadas mais populares e que dependem do automóvel no seu dia a dia. Os protestos realizados pelo grupo durante vários sábados seguidos a partir de outubro de 2018, muitas vezes com cenas de violência, simbolizam o descontentamento de uma parte da população.

O governo respondeu à crise dos coletes amarelos com uma declaração de “estado de emergência econômica e social” na França. O plano incluiu o aumento do salário mínimo em € 100 por mês, a partir de 2019, sem custo para os empregadores. As horas extras passaram a ser isentas de impostos ou encargos.

Porém, certas medidas defendidas com o intuito de dar mais competitividade geraram polêmica. A substituição do Imposto Solidário sobre a Fortuna (ISF) pelo Imposto sobre o Patrimônio Imobiliário (IFI) ajudou a forjar a ideia de “presidente dos ricos”, uma imagem reforçada pela diminuição dos impostos para as empresas, de 33,3% para 25%.  

O sentimento anti-Macron que paira em uma parte do eleitorado, contudo, precisa ser analisado dentro do atual ambiente de descrédito nas instituições e autoridades. Segundo o livro sobre o balanço dos cinco anos de Macron, elas “já não cumprem o seu papel de mediadoras entre o topo e a base”.

Apoio “custe o que custar”

Na pandemia, o governo francês adotou uma estratégia de salvar a máquina produtiva “a qualquer custo”, abrindo as torneiras do Estado para manter os trabalhadores em casa e, ao mesmo tempo, impedir as falências. As escolas da França também permaneceram abertas durante a maior parte da crise sanitária, ao contrário do que aconteceu em outros países.

Um plano de relance da economia de € 100 bilhões está em andamento. Desse valor, € 72 bilhões já foram investidos em 2021, especialmente na relocalização da produção na França, projetos de modernização da indústria frente à exigência climática e formação profissional.

Esses planos de apoio à economia, no entanto, aumentaram o déficit público que chegou a 7% das riquezas nacionais e a dívida francesa se aproxima de 113% do PIB, conforme dados do ministério do Orçamento. Mas a França lida com a questão ancorada em sua boa reputação e credibilidade no mercado.  

Já os críticos da política industrial de Macron alertam que a participação da indústria no PIB caiu de 20% para 10%. “Vender, comprar, fundir, dividir, desmantelar, esta é a gramática financeira do presidente Macron”, escreve o site Mediapart.

O presidente francês Emmanuel Macron discursa no principal local de produção da GE Steam Power System, onde revelou planos para construir novos reatores nucleares no país como parte de sua estratégia energética para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Em Belfort, em 10 de fevereiro , 2022.
O presidente francês Emmanuel Macron discursa no principal local de produção da GE Steam Power System, onde revelou planos para construir novos reatores nucleares no país como parte de sua estratégia energética para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Em Belfort, em 10 de fevereiro , 2022. REUTERS - POOL

Saúde

No momento em que a pandemia de Covid-19 ocupa grande parte do debate, obrigando os Estados a reverem políticas públicas ligadas à saúde, o balanço neste setor ganha destaque. Emmanuel Macron havia prometido, durante a campanha de 2017, melhorar o acesso à saúde e mais prevenção. Sobretudo, o presidente havia prometido uma reforma nos hospitais, o que acabou acontecendo sob a pressão da crise sanitária. No verão de 2020, o primeiro-ministro Jean Castex anunciou o plano "Ségur de la santé". O governo colocou na mesa € 8,3 bilhões para revalorizar o salário dos médicos, enfermeiros e cuidadores e € 19 bilhões em investimentos e recuperação de dívidas para hospitais.

O balanço da campanha de vacinação contra a Covid-19 é considerado positivo, apesar do movimento dos antivax que saíram às ruas pregando a sua resistência à política de prevenção e restrições do governo. A França parece ter atingido a imunidade de rebanho, previamente estabelecida pelas autoridades de saúde em torno de 70% da população totalmente vacinada, ou seja, 47 milhões de franceses. O governo lançou as primeiras campanhas de reforço no outono de 2021, para combater novas ondas de contaminação.

O presidente francês Emmanuel Macron visita um centro de vacinação contra a Covid-19 em Paris. Em 6 de maio de 2021.
O presidente francês Emmanuel Macron visita um centro de vacinação contra a Covid-19 em Paris. Em 6 de maio de 2021. REUTERS - POOL

Porém, a crise sanitária aumentou as desigualdades sociais. Atualmente, 14,6% dos franceses, ou seja, mais de 9 milhões de pessoas, vivem abaixo da linha da pobreza.

A reforma da previdência não aconteceu. Emmanuel Macron havia prometido um “sistema universal de pensões com base no princípio de que € 1 contribuído abriria os mesmos direitos para todos”. O programa previa um aumento do prazo para a aposentadoria, de 62 para 65 anos. A meta voltou a integrar a programa de campanha do centrista. Porém, diante da resistência da população, o candidato já fala em rever essas regras.

Verde

A transição ecológica havia sido apresentada em 2017 por Emmanuel Macron como “o desafio do século XXI”. De lá para cá, o Estado foi condenado duas vezes, pelo tribunal administrativo de Paris e pelo Conselho de Estado, por sua inação climática.

A aposta de Emmanuel Macron sobre a energia nuclear também divide opiniões. Se para muitos as usinas nucleares são garantia de autossuficiência energética para a França, outros acreditam que a escolha represente um risco.

As metas não serão cumpridas em termos de energias renováveis. Com 19,1% de fontes limpas ​​na sua matriz energética em 2020, a França foi o único país da União Europeia a não ter respeitado os seus compromissos nesta área, fixados em 23% por Bruxelas.

Os ambientalistas ainda evidenciam a falta de ação do ministério da Agricultura ao não tomar nenhuma direção significativa em favor da retirada do mercado de agrotóxicos, ou medidas concretas para promover métodos que respeitem mais os ecossistemas. O glifosato, proibido aos particulares, ainda é autorizado nas lavouras.

Os temas ligados ao futuro do planeta foram discutidos na Convenção cidadã do Clima, um grande fórum de debates. Os franceses que participaram e dedicaram muitos fins de semana de trabalho em seu tempo livre a esta convenção se sentiram traídos. No final, Emmanuel Macron aceitou apenas algumas das propostas, limitando o alcance dessas iniciativas.  

Os participantes da Convenção Cidadã do Clima deram ao governo uma pontuação média de 3,8/10.
Os participantes da Convenção Cidadã do Clima deram ao governo uma pontuação média de 3,8/10. AP - Thibault Camus

Por outro lado, o Observatório Nacional de Renovação Energética aponta que 2,1 milhões de habitações, ou seja, 7% do total, se beneficiaram de ajuda pública para obras de renovação energética, como a substituição de sistemas de aquecimento e isolamento. Entretanto, a promessa de eliminação total das moradias mal isoladas, em dez anos, exige ainda, reformas em mais de 4,8 milhões de residências, segundo um balanço da Réseau Action Climat.

A meta de substituir os veículos antigos poluentes “criando um bônus de € 1.000 para comprar um carro novo ou usado menos poluente” foi mantida.

Apesar de sua juventude, Emmanuel Macron não é o candidato preferido dos jovens franceses, que votaram massivamente na esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon, no candidato verde, Yannick Jadot, ou na extrema direita. Para convencer essa fatia do eleitorado serão necessárias mais do que as incursões presidenciais no TikTok, Twitch e Instagram. Os analistas sugerem que o resultado da busca pelo primeiro emprego e o apoio à educação superior pesam mais do que a simpatia do jovem presidente.

Captura de tela do vídeo postado segunda-feira, 2 de agosto, por Emmanuel Macron no Instagram.
Captura de tela do vídeo postado segunda-feira, 2 de agosto, por Emmanuel Macron no Instagram. © Emmanuel Macron/Instagram

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