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Como extrema direita pretende conquistar eleitores da esquerda na França?

No próximo dia 24, a França volta às urnas para decidir se prefere ter como presidente pelos próximos cinco anos o centrista Emmanuel Macron (República em Marcha) ou a representante da extrema direita Marine Le Pen (Reunião Nacional). Ambos tentam conquistar os eleitores dos candidatos derrotados, principalmente os da esquerda, que chegam no segundo turno desta eleição sem um representante oficial.

Marine Le Pen durante seu discurso após a divulgação dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial.
Marine Le Pen durante seu discurso após a divulgação dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial. AP - Lewis Joly
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Em sua terceira campanha presidencial, Marine Le Pen nunca esteve tão próxima de chegar ao Palácio do Eliseu. Além de ter amealhado sua maior pontuação no primeiro turno (23,15%), a candidata pode contar com o apoio do eleitorado ultradireitista conquistado por Éric Zemmour e Nicolas Dupont-Aignan, outros 9 pontos percentuais, e tem potencial para receber votos de outras alas, inclusive dentre os 21,95% de eleitores da esquerda radical, grupo com forte rejeição a Macron.

Para o segundo turno, entre 20% e 30% dos apoiadores de Jean-Luc Mélenchon, líder da esquerda radical com o partido França Insubmissa, indicam que podem escolher um voto útil em Le Pen para evitar um segundo mandato do centrista.

A líder da extrema direita tem concentrado esforços para atrair o voto das classes populares desde o início de sua campanha, ao eleger o aumento do poder aquisitivo como sua principal proposta e deixar em segundo plano nos discursos suas ideias sobre a população de imigrantes e questões culturais.

Sedução da esquerda

Por mais de um ano, o ponto de encontro de insatisfeitos da direita e da esquerda com o governo Macron foram as manifestações dos coletes amarelos.

O movimento, que teve início ainda em 2018, tinha como tema catalisador a queda no poder aquisitivo das famílias francesas. Os protestos começaram pela implementação de um imposto ecológico que tornava mais caro os combustíveis e, em seguida, reuniram demandas por mais serviços públicos. Diante de uma reforma da aposentadoria proposta pelo governo de Macron que ampliava o tempo de trabalho, o projeto também virou alvo de ataques e manifestações deste grupo.

Essa insatisfação das camadas populares continuou presente no país e foi agravada pela crise da pandemia de Covid-19, seguida pelo aumento de preços causado pela invasão à Ucrânia. A França, como outros países da zona euro, vive um cenário de pico de inflação e perda do poder de compra.

Marine Le Pen soube visar esse grupo de insatisfeitos, que reunia pessoas de direita, de esquerda ou contrários à política tradicional, ao escolher o poder aquisitivo como sua proposta central.

Em seus discursos, a ultradireitista fala em justiça social, solidariedade, aumento de salários –com corte de impostos e contribuições sociais—e ampliação do mínimo de aposentadoria.

“Ela puxou o programa econômico do partido para a esquerda", desenvolvendo uma espécie de "populismo-social de crise", analisa Gilles Ivaldi, pesquisador do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po) especializado em populismo.

Contra Macron, Le Pen usa a insatisfação já existente por propostas aplicadas durante seu mandato, como seu polêmico projeto de reforma das aposentadorias, e reforça em suas falas a imagem do presidente como alguém próximo às elites e longe do povo.

Bom resultado entre coletes amarelos

Dessa maneira, Le Pen conseguiu atrair votos dos insatisfeitos no primeiro turno. Entre os coletes amarelos e apoiadores, a candidata da extrema direita teve a maior parte dos votos (41%), segundo pesquisa Elabe publicada pelo canal de televisão BFMTV.

Nesse grupo, o esquerdista Mélenchon ficou em segundo lugar no primeiro turno, com 24% dos votos, muito à frente do atual presidente (11%).

Na primeira fase da eleição, Le Pen conseguiu conquistar até mesmo bastiões da esquerda, como o departamento da Dordonha, no interior do país. Pela primeira vez, a extrema direita conseguiu a maioria dos votos no primeiro turno de uma presidencial nesse território.

Em 2017, Le Pen obteve nessa região do sudoeste francês 20,93% do eleitorado. Dessa vez, a candidata abocanhou mais cinco pontos no primeiro turno, subindo para 25,7%.  

Justiça social e apagamento do sobrenome

Para o segundo turno, a candidata aprofunda sua estratégia. Ainda no domingo (10), Le Pen discursou em um púlpito com a frase “o povo vota, o povo ganha” e não economizou palavras para falar sobre justiça social e solidariedade.

A escolha no segundo turno, segundo ela, seria: “ou a divisão, a injustiça e a desordem, impostas por Macron em benefício de alguns, ou a reunião dos franceses em torno da justiça social e da proteção”.

Sua equipe de campanha também escolheu apagar o sobrenome Le Pen dos cartazes, evitando a rejeição ao extremismo representado pelo histórico familiar de seu pai, Jean-Marie Le Pen. E propõe um país “para todos os franceses”.

A ênfase nos franceses não é à toa, já que seu programa de governo deste ano não é menos nacionalista e contra imigrantes que em outros anos. A candidata quer, entre outras coisas, proibir o uso do véu, acessório adotado por mulheres muçulmanas, cortar benefícios sociais dados a quem não é francês, mesmo a refugiados, restringir vistos a imigrantes e limitar as possibilidades de naturalização de filhos de estrangeiros nascidos no país.

Intolerância sob holofote de Macron

Em resposta, o candidato à reeleição insiste na inconsistência do programa econômico de Le Pen e aposta em um discurso que sublinha a intolerância da extrema direita para atrair votos da esquerda para a chamada “frente republicana”.

Macron chama de “totalmente demagógico” o programa econômico da candidata, criticando sua proposta de subvencionar com impostos os preços de diversos produtos. “Nós tínhamos esquecido quem ela realmente é. Ela vai dividir nosso país e expulsar milhões de mulheres e homens”, destacou o presidente durante uma entrevista nesta semana.

A França Insubmissa, assim como a maioria dos partidos franceses, pede para que seus eleitores não deem nenhum voto à extrema direita, como repetiu quatro vezes Jean-Luc Mélenchon em seu discurso após sua derrota no primeiro turno.

Até o momento, as pesquisas de intenção de votos apontam uma ligeira vantagem de Macron, com 54%, diante de 46% de Le Pen.

O que farão seus eleitores, no entanto, só saberemos após o segundo turno da eleição presidencial.

(Com agências de notícias)

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