Acessar o conteúdo principal

Tragédia em Petrópolis: prevenção deve considerar risco gerado por aquecimento global, diz cientista

A tragédia causada pelas chuvas em Petrópolis, que deixou até agora mais de cem mortos, está sendo considerada como a pior chuva desde 1932: foram mais de 240 milímetros de precipitação em duas horas – um recorde histórico, segundo o governo do Estado. A RFI Brasil entrevistou o pesquisador Aurélien Ribes, da Météo France, a Agência Francesa de Meteorologia. Ele falou sobre os efeitos das mudanças climáticas nas ocorrências de enchentes, que serão cada mais comuns em regiões quentes do planeta.

Vista área dos estragos provocados pelas chuvas em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Vista área dos estragos provocados pelas chuvas em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Florian PLAUCHEUR AFP
Publicidade

Taíssa Stivanin, da RFI

O pesquisador francês Aurélien Ribes é um especialista em mudanças climáticas e integra o laboratório do Centro Nacional de Pesquisas Meteorológicas do país. Ele lembra que ações de prevenção, que levam em conta o aumento do risco de enchentes, gerado pelo aquecimento global, são essenciais para diminuir as consequências das catástrofes, como a ocorrida em Petrópolis, na região serrana do Rio.

RFI – Como o aquecimento global influencia a ocorrência desse tipo de catástrofe?

Aurélien Ribes – Como mostra o último relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, grupo de cientistas da ONU que analisam mudanças climáticas), os episódios de precipitações extremas vão ser cada vez mais intensos em climas mais quentes. Isso já era previsto há muito tempo, havia sido anunciado em outros relatórios e provado com dados confiáveis. O fenômeno atinge praticamente todas as regiões continentais, e o Brasil faz parte.

Nesses eventos, a mesma quantidade de água que cairia em um ano cai em apenas um dia, por exemplo. O que aconteceu em Petropólis integra esse contexto: uma quantidade enorme de água que cai em pouco tempo. É exatamente esse tipo de situação que esperamos. Quanto mais a atmosfera é quente, mais vapor d’água ela possui. Essa é uma lei da Física que conhecemos há muito tempo. Quanto mais aquecemos a atmosfera, maior é a capacidade dela de estocar vapor d’água, que pode cair em forma de chuva.

RFI – O Brasil, em decorrência de sua situação geográfica, é então um país onde esse risco provocado pelas mudanças climáticas ainda é maior?

AR – As inundações podem ocorrer em praticamente todas as regiões, mas a quantidade de chuva não é a mesma. Em uma zona intertropical e úmida pode cair mais chuva, mas, no caso  do Brasil, esse risco não é provavelmente o mesmo em todas as regiões. A topografia e o fato de a área ser montanhosa também influenciam na gravidade do fenômeno: o fluxo da água é bem mais rápido e há risco de desabamento. Temos um fenômeno parecido no sul da França, em áreas de alto relevo, quando a chuva cai em grande quantidade, em pouco tempo e o fluxo da água, como expliquei, é muito rápido, podendo causar grandes estragos.

O especialista em clima Aurélien Ribes, da Météo France, a Agência Francesa de Meteorologia
O especialista em clima Aurélien Ribes, da Météo France, a Agência Francesa de Meteorologia © Divulgação

RFI – Quando as chuvas começaram a se tornar mais frequentes e intensas, segundo as conclusões do IPCC?

AR – Não é fácil estabelecer uma data. As mudanças climáticas, incluindo a alta de temperaturas, as precipitações e outras variáveis, são progressivas. O homem passou a lançar de maneira massiva gases poluentes na atmosfera a partir do século 19. Desde então, o ritmo não para de crescer. Os primeiros dados sobre o aumento da temperatura terrestre começaram a aparecer na segunda metade do século 20. Hoje, estamos aproximadamente a 1,2º C de média mundial. As chuvas então se tornaram mais fortes em relação à época em que o mundo era um pouco menos quente. Mas as precipitações serão mais intensas à medida que a temperatura mundial aumentar. Toda emissão “a mais” vai ampliar esse fenômeno, então nunca é tarde para limitar a gravidade do problema.

RFI – As medidas de prevenção serão suficientes para evitar esse tipo de tragédia?

AR – Há diversas ações em nível local, como não construir moradias em áreas de inundações ou em terrenos com risco de desabamento. Mas o problema não existe somente no Brasil, pode ocorrer em outros países, como foi o caso da França, em 2020, no sudoeste, onde fortes chuvas atingiram a região e casas foram inundadas, com mortes. Em outro nível, a prevenção seria limitar o aquecimento global e a emissão de gases que provocam o efeito estufa. Mas o aumento do risco das inundações apenas começa a ser levado em conta pelos Estados. Isso ainda é algo novo, e não sei se já foi totalmente integrado nas políticas locais.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.