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Livro revela gravidade dos testes nucleares feitos pela França na Polinésia nos anos 1970

Em 1974, uma nuvem radioativa resultante de um teste nuclear realizado pela França no atol de Moruroa atingiu o Tahiti, contaminando potencialmente quase 110 mil pessoas. Na época, o Exército francês não se pronunciou. Um jornalista e um pesquisador franceses publicam um livro sobre o tema após analisar novos dados, em conjunto com uma célula de investigação da Radio France e o web site Disclose.

Imagem do teste nuclear Dione, realizado no atol de Moruroa, pela França, em 1971.
Imagem do teste nuclear Dione, realizado no atol de Moruroa, pela França, em 1971. Getty Images - Galerie Bilderwelt
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Em 17 de julho de 1974, a França se prepara para realizar o 41o teste nuclear atmosférico na Polinésia Francesa, chamado de Centauro, no atol de Moruroa, situado a mais de 1.000 quilômetros do Tahiti. Mas nada acontece como previsto. O teste é um fracasso do ponto de vista técnico, a nuvem atômica atinge uma altitude menor do que o esperado (5.200 metros em lugar de 8.000) e, ainda mais grave, não vai na direção prevista pelas autoridades francesas.

O especialista em questões nucleares Sébastien Philippe, pesquisador e professor na universidade americana de Princeton, analisou os 2.000 documentos classificados do Exército francês abertos em 2013. Ele conseguiu informaticamente criar modelos da trajetória da nuvem atômica do teste Centauro. “Seguindo o trajeto da nuvem hora por hora, vemos claramente que em lugar de ir para o norte, em direção dos atóis de Tureia e de Hao, e de se dispersar no Pacífico como previsto, ela se dirige em linha reta em direção ao Tahiti”, explica. 42 horas mais tarde, a nuvem chega às ilhas de Tahiti e Sotavento.

Exército conhecia o risco

“Algumas horas depois da explosão, o Exército reconhece o risco que Centauro representava para as populações civis”, afirma o jornalista Tomas Statius, que realizou a investigação com Sébastien Philippe. “Eles (militares) sabiam que as massas de ar empurraram a nuvem para o Tahiti, mas decidiram não fazer nada. As autoridades locais e as populações civis não são prevenidas. Não foi pedido às populações civis que se protegessem ou que suspendessem o consumo de água ou de leite que se impregnam fortemente de substâncias radioativas”. A chuva que caiu nos dias seguintes sobre a ilha acelerou o depósito dos elements radioativos.

Na época, o teste Centauro foi mantido em segredo. Dois responsáveis do programa nuclear francês pediram demissão em seguida.

Valérie Voisin, de 58 anos, é uma vítima oficial do teste. Ela morava na época em Papara, no Tahiti. Seu pai trabalhava no Comissariado de energia atômica (CEA). Em 2019, o Comitê de indenização das vítimas do nuclear (Civen) reconheceu que seu câncer de mama tinha sido induzido pela radioatividade. Atualmente em remissão, ela convive com sequelas físicas. “Perdi meus dentes por causa da radioterapia”, afirma. “Tive problemas nos ossos, fraturas frequentes. Não é normal na minha idade. É como se eu tivesse um esqueleto de uma mulher de 90 anos.”

Questionado sobre Centauro, o presidente do Civen, Alain Chrisnacht, acredita que “os depósitos na península de Tahiti e nas comunidades próximas já são documentados. Não é novo. Nós aceitamos muitos pedidos de indenização de pessoas que estavam em certas zonas do Tahiti depois do teste Centauro.”

Subavaliação do impacto radiológico

Mas para Philippe e Statius, coautores do livro “Toxique” (Tóxico) sobre os testes nucleares na Polinésia Francesa, os dados utilizados para medir oficialmente a contaminação (reavaliados em 2006) continuam subavaliados. “Nós verificamos os dados das fontes utilizadas para avaliar o impacto radiológico e encontramos vários problemas”, explica Philippe. “Por exemplo, em relação ao valor da contaminação oficialmente considerado pela estação radiológica do Tahiti ou dos depósitos radiativos no solo. No Tahiti, a zona mais densamente povoada pode ter sido mais exposta que o que foi considerado nas hipóteses de cálculo de 2006. Reavaliando as doses, entram no grupo de pessoas que podem ser indenizadas toda a população do Tahiti em 1974”, ou seja, 110 mil pessoas, se forem incluídos Tahiti e ilhas Sotavento.

“Além do teste Centauro, existe uma subestimação da contaminação radiológica em duas vezes e meia”, acrescenta Statius, “principalmente nos seis testes considerados como os mais radioativos. Por exemplo, os cientistas do Comissariado para a energia atômica não incluíram na avaliação que os habitantes das ilhas bebiam a água da chuva, muito contaminada”, um hábito que, no entanto, não era ignorado pelas autoridades francesas.

Catherine Serda era moradora das ilhas Cambier e tinha 10 anos, em 1968. Ela se lembra de uma cena que a marcou neste ano, logo após um ensaio atômico: pessoas que desembarcaram na ilha vestindo macacões de proteção para examinar a água da chuva nos poços. “Meu pai primeiramente riu, dizendo que as crianças brincavam no chão de bermuda. Então um homem disse a ele: 'não beba esta água'. Meu pai respondeu: 'Mas se a água está contaminada, como eu vou fazer?' E depois, continuamos a viver normalmente.”

Na família de Serda, 8 membros desenvolveram câncer. “Não é normal”, conclui. Ela se mudou para a França continental em 1978.

Entre 1966 e 1974 a França realizou 46 testes atmosféricos no atol de Moruroa, na Polinésia Francesa. Moradores do arquipélago pedem indenizações pelas consequências dos testes.

 

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